O destemido aposentado que quer ir sozinho do Espírito Santo à Amazônia com uma canoa

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Nem mesmo um dramático naufrágio, que o fez perder o barco e quase a vida, foi forte o bastante para fazer o mineiro, radicado no Espírito Santo, Jackson Rodrigues da Silva, um aposentado de 62 anos, desistir do seu sonho: navegar de Vitória à nascente do rio Orinoco, na Amazônia venezuelana, com uma espécie de canoa a vela construída por ele mesmo.

Um ano atrás, ele tentou, pela primeira vez. Mas não passou do litoral sul da Bahia, a pouco mais de 300 quilômetros da capital capixaba, de onde havia partido.

Ali, uma tempestade enquanto estava ancorado sobre uma bancada de corais, a cerca de dez quilômetros da costa, demoliu o seu frágil barco e Jackson só escapou com vida porque havia uma traineira de pesca ali por perto, que lhe deu abrigo.

Em minutos, a canoa de Jackson virou um monte de tábuas soltas no mar.

No acidente, ele perdeu também a própria casa, já que Jackson morava na própria canoa, mesmo só cabendo dentro do casco se estivesse praticamente deitado.

“Nem quis olhar”, recorda. “Fiquei só com a roupa do corpo”.

Mesmo assim, Jackson não desistiu. Voltou de ônibus para Vitória e, já no dia seguinte, começou os planos para construir outra canoa e tentar, de novo, fazer aquela longa e improvável viagem, de quase 3 000 milhas náuticas, que ele pretende realizar ao longo de nada menos que oito meses.

“O novo barco será praticamente igual ao que foi destruído e também de madeira. Já comprei as tábuas, com o dinheiro que os amigos me deram”, conta o resiliente Jackson, que, por enquanto, mora de favor no barco de um deles, na praia da Curva da Jurema, em Vitória.

É também ali, num puxadinho nos fundos do bar de uma amiga na praia, que ele está construindo o seu novo barco, para tentar, uma vez mais, ir do Brasil à Venezuela a bordo de não mais do que uma canoa avantajada. “O segredo é aguardar a temporada de ventos favoráveis”, diz.

Mas por que um barco tão frágil para uma travessia tão longa? “Porque com um barco maior não teria graça, nem eu teria dinheiro para construí-lo”, explica Jackson, que diz navegar desde os 10 anos de idade e se orgulha de, com o mesmo barco que se despedaçou na primeira tentativa de chegar à Amazônia, ter navegado da Bahia à Paraty, onde conheceu Amyr Klink. “Ele ficou impressionado com o tamanho da cabine do meu barco”, recorda, rindo. “Disse que parecia um sarcófago”.

Mas Jackson não se importa com os comentários maldosos que ouve sobre os seus barcos e sobre a longa viagem que pretende fazer com um deles. “Doido é o mínimo que escuto quando digo que vou navegar até a Amazônia com minha canoa”, diz. “E pode escrever aí que vou mesmo!”, garante o persistente aposentado.

Mais do que um simples sonho que alimenta desde os tempos em que trabalhou como técnico de manutenção na Amazônia, Jackson explica que a incomum travessia que botou na cabeça que irá fazer é, também, uma homenagem a um dos maiores navegadores da História: o americano Joshua Slocum, que desapareceu no mar no início do século, quando tentava chegar justamente ao rio Orinoco, navegando sozinho um barco pouca coisa maior do que a canoa do brasileiro.

“Slocum é o meu ídolo”, resume o destemido aposentado. “E ainda vou fazer o que ele não conseguiu realizar”.

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O triste fim da lancha que ajudou a escrever a história de uma ilha

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Na semana passada, terminou mais um capítulo da longa e triste saga da lancha mais famosa da Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro.

Morreu, aos 96 anos, Natalino Pereira dos Santos, o Mestre Natalino, último tripulante de um barco que fez parte da própria história da ilha: a lendária lancha Tenente Loretti, que ainda existe, mas, abandonada, caminha aceleradamente para o mesmo fim dos seus ex-tripulantes.

Construída em 1910, com vigorosas tábuas de peroba (que, apesar dos pesares, ainda resistem bravamente ao tempo), a lancha Tenente Loretti tem, portanto, mais de um século de vida, o que, por si só, justificaria ser preservada.

Mas não é o que vem acontecendo há muito tempo, desde a morte do seu mais ativo guardião, o ex-mestre Constantino Cokotós, companheiro de Natalino durante décadas.

Esquecido há mais de dois anos em um galpão da Marine Verolme, em Angra dos Reis, onde não paga pela vaga já que pertence a Prefeitura da cidade, o barco mais famoso da história da Ilha Grande está num estado deplorável. Seu convés e casaria demonstra estar completamente podre e mal se vê o outrora azul da pintura do casco.

Antes disso, o barco que marcou a vida de Constantino e Natalino estava igualmente abandonado e semiafundado no cais da cidade, onde, não raro, virava abrigo de mendigos e depósito de sacos de lixo.

Mestre Natalino se aposentou quando ainda trabalhava na Tenente Loretti, no início da década de 1970, imediatamente após Constantino, que nutria uma relação ainda mais estreita com o barco que ele comandara por seis décadas.

Durante mais de meio século, a Tenente Loretti, “a lancha da Ilha Grande”, como era mais conhecida, foi o único elo de ligação da ilha com o resto do mundo.

Para os dois mestres já falecidos, a Tenente Loretti não era apenas a lancha na qual eles trabalhavam, levando e trazendo praticamente tudo para a Ilha Grande — de detentos e sacos de cimento para o antigo presídio, à moradores doentes e mulheres grávidas para dar à luz no continente, embora, às vezes, isso acabasse acontecendo no próprio barco, no meio da travessia. “Nasceu muita gente dentro dessa lancha”, costumava recordar Mestre Natalino.

Para ambos, aquele barco era como se fosse um membro da família. “Nas noites de tempestade, cansei de ver meu pai sair de casa para ir dormir na Tenente Loretti, temendo que ela se soltasse da âncora”, recorda um dos filhos de Constantino.

Na Ilha Grande, até hoje, todos os antigos moradores da vila do Abraão, principal povoado da ilha, têm uma história para contar sobre este barco. “Quando eu ouvia o barulho do motor da Loretti se aproximando, sabia que vinham novidades para a Ilha Grande”, recorda uma das moradoras mais antigas do lugar. “Esse barco tem a ver com algumas das mais doces lembranças da minha infância”, resume.

A história da Tenente Loretti (que, por sinal, ninguém na ilha sabe dizer quem foi o homenageado com o nome do barco) está diretamente ligada à do extinto presídio que houve na Ilha Grande.

Foi para atendê-lo que o barco, construído pela Marinha do Brasil, foi transferido para a ilha, de onde passou a fazer viagens quase que diárias ao Rio de Janeiro, para buscar presos e tudo o mais que a Ilha Grande necessitasse — sempre com Constantino no comando e Natalino como seu fiel assistente.
Naquela época, ela era a “lancha-cadeia”, uma espécie de camburão náutico, pelo qual passaram bandidos famosos, como o infame Madame Satã, e presos políticos do calibre do escritor Graciliano Ramos.

Os detentos iam no porão, sob a guarda de policiais armados no convés. O deputado Fernando Gabeira foi um deles, na época da repressão militar. Décadas depois, Gabeira voltou a visitar a lancha, durante a gravação de um documentário sobre a sua vida, para a televisão.

Com o fim do presídio, a lancha foi transferida para o serviço Salvamar, depois incorporado ao Corpo de Bombeiros, que, por sua vez, transferiu o barco para o governo do estado do Rio de Janeiro, que o delegou à Defesa Civil de Angra dos Reis, que o repassou à Prefeitura da cidade, que a delegou as suas secretarias. Até que chegou num ponto em que ninguém mais sabia ao certo quem era o “dono” da lancha, até porque ela nunca teve documentos.

Menos Mestre Constantino, que não tinha dúvidas: a Loretti “era dele”. Pelo menos sentimentalmente.

Constantino nutria tamanho gosto pelo barco que chegava a ter ciúmes quando outro a pilotava – salvo o amigo e companheiro Natalino.

Se algum novo designado pelo presídio chegasse para pilotá-la, ele, marotamente, dava um jeito de sabotá-la. “A lancha tinha um macete na ignição no motor que Constantino não contava para os novatos. Então, o sujeito tentava, tentava e acabava desistindo, achando que o motor estava com defeito. E devolvia o barco para ele”, recorda, rindo, o filho do igualmente lendário mestre.

Além do presídio, praticamente todas as casas da Vila do Abraão foram erguidas ou reformadas com tijolo, areia e cimento trazidos, do continente, pela Tenente Loretti. E quando alguém precisava levar algo de volta, era sempre nela que embarcava.

Até que, um dia, o motor pifou de vez e a lancha foi rebocada para Angra dos Reis, para reparos.

No começo, tudo correu bem. O motor foi trocado, mas, com o fim do presídio e início de operações de balsas entre a ilha e o continente, não havia mais necessidade dos serviços da lancha na Ilha Grande.

O plano, então, passou a ser usá-la para levar turistas para passear na baía de Angra dos Reis. Depois, veio a ideia de transformá-la numa espécie de museu flutuante, com painéis contando a história daquele barco repleto de casos para contar.

Mas nem uma coisa nem outra jamais aconteceu.

Ao contrário, para frustração de Constantino e Natalino, logo a Tenente Loretti foi esquecida no píer da cidade e começou a apodrecer a céu aberto.

Durante muito tempo, Constantino pressionou os vereadores da cidade para que cumprissem a promessa de reformar do barco e, quase todos os dias, ia até o píer cuidar pessoalmente da lancha. Ligava o motor, acionava as bombas, lavava o convés e voltava para a ilha, amargurado.

Até que a saúde, já debilitada pela idade avançada, passou a impedir isso. E Constantino parou de visitar a lancha que ele tanto amava. O mesmo aconteceu com Natalino, mais tarde.

O sonho dos moradores da vila do Abraão sempre foi que a lancha que ajudou a escrever a história da ilha voltasse para lá e virasse um monumento na praça.

Mas isso jamais aconteceu nem nunca acontecerá, porque, embora o barco ainda exista, seu casco já está tão deteriorado que não suportaria o esforço sequer do transporte.

“Estruturalmente, a da Tenente Loretti está condenada”, diz um engenheiro naval que a viu recentemente no galpão da marina onde repousa – ao que tudo indica, para sempre.

Com a morte de mestre Natalino, não resta mais nenhum comandante vivo da lancha que, durante muito tempo, foi quase sinônimo da própria Ilha Grande.

E não resta a menor dúvida de que o próprio barco vai no mesmo e triste rumo.

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O único navio da Marinha do Brasil abatido na guerra levou 70 anos para ser encontrado

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Em 2011, ao socorrer um amigo pescador cuja rede havia enganchado em algo no fundo do mar, a cerca de 25 milhas do Cabo São Tomé, próximo à divisa entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, o também pescador Everaldo Meriguete teve uma surpresa: havia um “barco afundado lá embaixo”, como ele contou ao amigo, ao retornar à superfície.

Mas aquele não era um “barco” como outro qualquer. Era um navio. E um navio da Segunda Guerra Mundial: o Vital de Oliveira, desaparecido há quase 70 anos, única nave da Marinha do Brasil que afundada durante aquele conflito, após ter sido torpedeada pelo submarino alemão U-816, na noite de 19 de julho de 1944, gerando a morte de 150 marinheiros brasileiros.

Naquele dia, finalmente, o triste fim do Vital de Oliveira (batizado com o mesmo nome do primeiro barco da Marinha do Brasil a dar a volta ao mundo e que também virou notícia ruim, porque nove marinheiros morreram durante a longa viagem) parecia ter saído do esquecimento. Mas não foi bem assim.

A tragédia do Vital de Oliveira, um navio-auxiliar da Marinha do Brasil, começou a ser escrita ainda na manhã do dia em que ele desapareceria, quando, depois de uma escala na distante ilha de Trindade, quase no meio do Atlântico, ele partiu do porto de Vitória, no Espírito Santo, rumo ao Rio de Janeiro, levando a bordo, além de 250 tripulantes, um carregamento de madeira.

Como se tratava de um navio auxiliar, era comum o Vital transportar carga, daí aquelas pranchas de madeira alocadas em boa parte do convés – e que, horas depois, seriam a salvação de muitos sobreviventes. Como também era praxe em tempos de guerra, ele partiu escoltado pela embarcação caça-submarinos Javari, também da Marinha, o que, no entanto, se mostraria completamente inútil poucas horas depois.

Ao anoitecer daquele 19 de julho, os dois navios se aproximaram da divisa com o Rio de Janeiro e, horas depois, atingiram o través do temido Cabo São Tomé, local de navegação nada fácil, por conta do mar quase sempre agitado.

E foi ali que tudo aconteceu.

Faltavam cinco minutos para a meia-noite, quando um dos dois torpedos disparados pelo submarino alemão U-861 explodiu no costado de boreste do Vital de Oliveira, bem perto da popa, contorcendo o navio inteiro – que começou a afundar imediatamente.

Tão rápido que não deu tempo nem de quem estava na casa de máquinas (se é que alguém conseguiu sobreviver a explosão causada pelo torpedo) subir para tentar escapar da enxurrada de água que entrava.

Instantaneamente, todas as luzes se apagaram, ao mesmo tempo em que o navio, já agonizante, começou a se inclinar violentamente para trás, por conta do peso da água. Em cinco minutos, o Vital de Oliveira foi engolido por inteiro pelo oceano.

Quem não sucumbiu na explosão ou não foi arrastado para o fundo do mar pelo próprio navio, só escapou vivo das águas revoltas do cabo naquela noite graças as pranchas de madeira que o Vital de Oliveira transportava.

Quando o navio afundou, elas flutuaram e serviram de apoio para os náufragos. Foi a única ajuda imediata que eles tiveram, porque o barco de escolta, que deveria zelar pela integridade dos ocupantes do Vital, nada fez.

O Javari, que navegava um pouco à frente do Vital, seguiu avançando, como se nada tivesse acontecido com o navio que ele deveria justamente proteger. Só quando o barco de apoio chegou ao Rio de Janeiro, sozinho, na manhã seguinte, é que alguma providência foi tomada.

O Javari, então, foi mandado de volta ao cabo, em busca de algum sinal do navio desaparecido. Mas tudo o que seus oficiais encontraram foram alguns náufragos ainda na água, à espera do resgate, que até então vinha sendo feito de maneira precária por um barco pesqueiro.

Quando todos os sobreviventes foram recolhidos e contados, a macabra contabilidade do ataque do U-861 ao navio brasileiro somava exatos 150 mortos, mais da metade da quantidade de homens que havia a bordo.

Apenas 100 tripulantes sobreviveram. Mesmo assim, o inexplicável comportamento do barco de apoio jamais teve uma explicação convincente.

Logo após o episódio, comandantes e oficiais do Javari foram transferidos para outras áreas da Marinha, e o caso caiu num cômodo esquecimento.

Nunca ninguém foi punido.

A bizarra experiência náutica que deu origem ao Big Brother

A bizarra experiência náutica que deu origem ao Big Brother

Em 12 de maio de 1973, uma balsa com doze metros de comprimento por sete de largura partiu do Porto da Luz, nas Ilhas Canárias, com destino à costa do México, do outro lado do Atlântico, levando 11 pessoas a bordo – cinco homens e seis mulheres.

Mas o principal foco daquela viagem não era a travessia e sim a análise de como aquelas pessoas, que até então mal se conheciam, se comportariam durante tanto tempo isoladas no meio do mar, dentro de uma balsa.

Batizada de Experimento Acali, nome da balsa, a experiência, um estudo prático sobre o comportamento humano em espaços reduzidos e sem possibilidade de fuga, fora concebido pelo antropólogo mexicano Santiago Genovés como um “perfeito laboratório social”.

Para tanto, ele publicou anúncios em jornais convocando voluntários, e, em seguida, fez a escolha dos candidatos, usando como critérios diferentes culturas, religiões e nacionalidades – dez, no total.

O que não variou nos critérios de Santiago foi o perfil dos escolhidos. Todos tinham idades entre 20 e 40 anos, corpos razoavelmente atraentes e a maioria era casada, embora fosse proibido a presença de cônjuges a bordo, o que, desde o princípio, deixou claro as fortes conotações sexuais do experimento.

A tripulação foi composta por uma capitã sueca (a única do grupo de candidatos com experiência anterior em barcos), uma médica israelense, um fotógrafo japonês, um restaurador grego, um antropólago uruguaio discípulo de Santiago, uma francesa vaidosa, duas jovens americanas, uma mulher árabe da Argélia e até um padre católico negro de Angola – além do próprio Santiago, que dizia ter tido a ideia da experiência no mar aberto depois de ter sido mantido confinado com outros passageiros num avião sequestrado, durante dias, no México.

O próprio Santiago já havia participado de duas experiências similares ao fazer parte das tripulações das expedições do também antropólago norueguês Thor Heyerdah, que atravessou oceanos com balsas feitas de papiros, para provar que os povos antigos haviam ido muito mais longe do que se imaginava.

Através da convivência estreita e intensa, o objetivo do experimento de Santiago era estimular a discórdia entre os participantes, incitar o sexo matrimonialmente condenado e levar as pessoas ao ponto de se odiarem mutualmente, após uma série de dias sem poderem se afastar uma das outras.

Para estimular ainda mais isso, ele mandou construir a balsa com uma só cabine, determinou que todos os tripulantes dormissem juntos, intercalou propositalmente homens e mulheres numa grande cama coletiva, e determinou que o único banheiro a bordo fosse aberto, de forma que não houvesse nenhuma privacidade – todos teriam que fazer suas necessidades diante dos demais, fossem homens ou mulheres.

Como o objetivo era fomentar conflitos, ações como “Jogos da Verdade”, onde os tripulantes eram obrigados a dizer o que pensavam uns dos outros diante de todos (inclusive sobre com quais gostariam de fazer sexo), foram conduzidas por Santiago ao longo da viagem, bem como propostas para que todos passassem os dias nus ou fizessem sexo coletivo.

Santiago também colocou mulheres nas principais funções a bordo, a começar por delegar o comando da balsa a sueca Maria Bjornstam, cabendo aos homens apenas atividades banais, como lavar louça e limpar a balsa.

O objetivo, nesse caso, era rebaixar moralmente os homens e fomentar o machismo. Mas o que Santiago não contava é que, por ter ido um pouco além na execução da sua experiência, acabaria se transformando, também, em vítima dela.

Depois de contestar veementemente a decisão da comandante sueca de aguardar, num porto da ilha de Barbados, o fim da temporada de furacões no Caribe para prosseguir viagem, Santiago a destituiu autoritariamente do cargo e assumiu o posto.

Mas teve que voltar atrás logo depois, quando, no momento mais tenso da travessia, a balsa do grupo só não foi atropelada por navio porque a comandante destituída manteve a calma e instruiu a equipe para acender tochas de fogo que chamassem a atenção do piloto – que desviou a tempo, enquanto Santiago virava vítima de uma crise nervosa.

Mais tarde, ele sofreria duas outras crises a bordo: uma de depressão, ao ficar sabendo que sua experiência estava sendo chamada de “Balsa do Sexo” e alvo de pesadas críticas e notícias sensacionalistas na Europa, e outra de apendicite, que só não terminou em tragédia porque o grupo já estava próximo da ilha mexicana de Cozumel, onde terminou a travessia e o experimento, após 101 dias no mar.

Ao final da viagem, apesar do ambiente mais que propício durante mais de três meses, os conflitos a bordo foram mínimos e prevaleceu a tolerância e a convivência entre o grupo. E apesar das seguidas tentativas de incitação ao sexo livre (envolvendo, inclusive, o padre angolano), nenhuma orgia foi registrada durante a travessia, embora tenha havido casos esporádicos de sexo entre os tripulantes – que, no entanto, ao fim do experimento, retomaram normalmente suas vidas de casados.

Mesmo assim, Santiago preencheu mais de mil páginas de anotações durante a viagem, que, depois, geraram um livro. Também produziu horas de filmagens, que resultaram em um documentário, hoje base do filme “A Balsa”, que chegará em breve aos cinemas brasileiros, alternando imagens da época com depoimentos dos participantes daquela experiência que ainda estão vivos (entre os homens, apenas o ex-fotógrafo japonês).

O próprio Santiago morreu em 2013, cercado de controvérsias pelas suas experiências inusitadas, do qual a balsa do Sexo foi, sem dúvida, a mais falada.

Mas, décadas depois, sua bizarra experiência serviria de inspiração para um fenômeno mundial nas televisões: os realities shows. A polêmica experiência náutica de Santiago Genovés – quem diria? – viraria o primeiro Big Brother da História.

 

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O francês que atravessou o Atlântico à deriva, dentro de um barril

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Contrariando expectativas, o aventureiro francês Jean Jacques Savin conseguiu completar, em julho do ano passado, a travessia do oceano Atlântico totalmente à deriva dentro de uma espécie de barril, que ele mesmo construiu, sem velas, nem motor nem nenhum tipo de propulsão.

Ele havia partido das Ilhas Canárias no dia 26 de dezembro, planejando chegar do outro lado do oceano em cerca de três meses, levado apenas pelos ventos e correntes marítimas, na mais ousada travessia do Atlântico que se tem notícia.

Levou pouco mais de um mês além disso.

Aós 122 dias no mar e mais de 5 000 quilômetros percorridos totalmente à deriva, Savin deu por completada a inédita travessia no último dia 27 de abril, ao cruzar com seu barril o Meridiano 65 W, usado para delimitar oficialmente o Mar do Caribe dentro do oceano Atlântico.

Ele, então, fez contato com a Guarda Costeira americana e pediu ajuda, pois temia ser lançado em outras correntes que o levassem na direção norte, para fora do Caribe.

Cinco dias depois, o francês e seu barril foram içados pelo navio petroleiro holandês Kelly Anne e deixado na ilha de St. Eustatios, próxima à Martinica, objetivo final do francês.

De lá, um rebocador conduziu Savin até a possessão francesa, onde ele foi recebido pela mulher e por um grupo de amigos.

“Foi uma experiência incrível”, resumiu Savin numa entrevista ao jornal americano The New York Times, ao desembarcar e abraçar a mulher e os amigos. “No meio do oceano, sendo levado por ele, você tem a real sensação do que é liberdade. Não há regras nem ninguém dizendo o que você tem ou não que fazer”.

O mais curioso, no entanto, é que Savin não é nenhum jovem impetuoso e sim um senhor de 72 anos de idade e já avô, embora com um respeitável histórico de aventuras e ousadias no currículo.

E o barril no qual ele fez a insólita travessia não passava de uma espécie de cápsula, com três metros de comprimento por dois de diâmetro, com uma cama, uma pia (com água extraída do mar e dessalinizada), um fogareiro, um assento e um compartimento para guardar comida desidratada e mais nada.

Além disso, Savin fez a viagem sozinho, sem nenhuma companhia. “Nem caberia outra pessoa no barril”, explicou, bem-humorado, ao partir das Ilhas Canárias, sob a descrença de muitas pessoas.

“Não serei o capitão de um barco e sim um simples passageiro do mar. Ele me levará para onde quiser”, disse Savin, ao partir. E assim ele o fez.

“Nos fins de tarde, eu costumava sair do barril para ver o pôr-do-sol e, depois, as estrelas no céu”, contou Savin. “Também, com frequência, vasculhava o horizonte em busca de navios, já que eu estava numa das rotas marítimas mais movimentadas do planeta”.

“Quando eu via algum navio, só relaxava depois de fazer contato pelo rádio e passar a minha localização, para que ele desviasse, já que eu não tinha como fazer isso. À noite, dormia com um foguete sinalizador debaixo do travesseiro, pronto para ser disparado. E acordava a todo instante, para ver se havia algum barco no horizonte”.

Quando a natureza colaborava, o francês conseguia avançar boas milhas por dia, embora nem sempre na direção desejada. Mas, com certa frequência, passava dias navegando em círculos, sem sair do lugar.

Para manter a forma, já que não tinha sequer como caminhar no seu acanhando barril-rolha, Savin, de vez em quando, nadava ao lado do barril, preso a ele por um cabo. Mas só quando o mar permitia isso.

No navio que resgatou o francês, antes que seu barril errante tomasse outro rumo ou se esborrachasse nas pedras de alguma ilha, Savin tomou o primeiro banho em mais de quatro meses e, quando perguntado sobre o que gostaria de comer, pediu apenas dois ovos fritos.

Na ocasião, ele também comentou que o melhor momento da travessia foi quando, após 62 dias no mar, foi socorrido pelo navio americano Ronald Brown que lhe forneceu comida e frutas, quando Savin percebeu que não conseguiria completar a jornada nos três meses que havia planejado.

“Os primeiros passos no convés do navio foram bem difíceis”, recorda, rindo. “Eu parecia bêbado. Não conseguia andar em linha reta e precisei da ajuda de dois homens para subir as escadas e conversar com o comandante. Eu, praticamente, precisei reaprender a caminhar”.

Apesar da extensão da jornada e da dieta à base de comida desidratada, Savin perdeu apenas quatro quilos durante a travessia. Isso porque, sempre que possível, ele pescava – e conseguia capturar grandes peixes, que comia crus ou ressecados, após ficarem dias expostos ao sol, do lado de fora do barril.

Durante a jornada, Savin também cruzou com vários navios, mas nem todos de maneira tão tranquila. “Por duas vezes, quase fui atropelado por eles. Um só me viu porque eu disparei foguetes sinalizadores quando ele já estava prestes a passar por cima do meu barril”, recorda.

Mesmo assim, Savin garante que em momento algum pensou em desistir da sua louca travessia.

Também garante que não sentiu medo nem solidão. “Eu queria justamente ficar sozinho”, explicou. “A solidão me faz bem, me faz permanecer ativo e jovem”, disse o dono da ideia de cruzar o Atlântico da maneira mais natural possível – ou seja, sendo levado pelo próprio oceano.

“Aproveitei a viagem para escrever um livro sobre a travessia, que sairá em agosto. Também li bastante, incluindo uma versão compacta da Bíblia, porque para lê-la inteira eu precisaria ter atravessado um oceano maior que o Atlântico”, brincou. “Na verdade, o tempo passou bem rápido”, completou.

A inspiração para a insana travessia de Savin veio da ousadia de outro francês, o médico Alain Bombard, que, em 1952, também cruzou o Atlântico sozinho com um bote de borracha, sem água nem comida a bordo. Ele sobreviveu bebendo água do mar e comendo apenas os peixes crus que capturava. A experiência rendeu um livro, chamado Náufrago Voluntário, e fama mundial a Bombard, que, desde então, virou ídolo de Savin.

“Eu era garoto quando li o livro que ele escreveu e aquilo nunca mais saiu da minha cabeça. Virou o meu sonho fazer algo igual, e, agora, eu fiz”, disse, feliz, o septuagenário francês.

Sonho realizado? Sim, mas Savin, agora, tem outros.

Quer atravessar o Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França, à nado e, se conseguir patrocinadores, também cruzar à deriva, com um barril do mesmo tipo, o maior oceano do mundo, o Pacífico, algo igualmente jamais tentado. “Deve levar uns seis meses”, estima.

Depois de colocar seu barril num navio de volta à Europa, o homem que se deixou ser levado pelo mar embarcou num avião e retornou à França, onde, entre outras atividades, irá participar de estudos sobre o comportamento humano durante longos períodos em espaços reduzidos. Tema no qual, ele, agora, se tornou especialista.

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