O nobre gesto de um comandante brasileiro que fez história

O nobre gesto de um comandante brasileiro que fez história

Nos anos que se seguiram ao fim da Guerra do Vietnã e a ascensão dos comunistas ao poder naquele país asiático, milhares de vietnamitas se lançaram ao mar a bordo de qualquer coisa que flutuasse, na esperança de serem resgatados por navios que passassem e levados para outros países.

Eram os “Boat People”, como ficaram conhecidos os desesperados vietnamitas que não buscavam navegar para lugar algum (até porque não tinham barcos para isso), mas apenas tentavam uma chance de virarem refugiados.

Para isso, eles avançavam até o alto-mar, muitas vezes com suas famílias inteiras, e por lá ficavam, dias à fio, tentando sensibilizar os comandantes dos navios a parar e resgatá-los, o que garantiria a ida do grupo para outro país, fosse ele qual fosse – quase sempre, a mesma nação do dono do navio, porque os regulamentos internacionais determinam que quem socorre alguém no mar fica automaticamente responsável por aquela pessoa.

E isso não agradava nem os países, nem os donos das cargas dos navios, porque atrasava as viagens.

Cientes do problema, a grande maioria dos comandantes dos navios em travessias pela região passou a ignorar a presença daqueles pobres coitados no mar, mesmo quando, no auge do desespero, eles erguiam crianças e clamavam por ajuda.

Mas, felizmente, nem todos os comandantes eram tão insensíveis assim.

E um deles, o brasileiro Charles França de Araújo e Silva, comandante do também brasileiro navio petroleiro José Bonifácio, acabaria virando uma espécie de herói justamente por esta virtude.

Em 1979, quando retornava do Japão para o Brasil, a tripulação do José Bonifácio avistou um daqueles barcos de candidatos a refugiados à deriva, na costa vietnamita, e avisou o comandante França.

Em circunstâncias normais, ele também nada faria, porque, além de frequentes, os “Boat People” representavam uma grande dor de cabeça política, já que seus resgates implicavam em relações diplomáticas entre países.

Mas, era época dos tufões no Mar da China e um deles se aproximava rapidamente da região.

Após consultar a meteorologia, o comandante brasileiro pegou um binóculo e examinou atentamente o barco que implorava por ajuda – um precário casco aberto de madeira, com cerca de duas dezenas de pessoas, incluindo um bebê de colo.

Eles não teriam a menor chance de sobreviver frente ao que estava por vir.

Foi quando o comandante França decidiu mandar as favas o bom senso e colocar em prática a mais nobre das virtudes dos homens do mar: a solidariedade.

Deu ordem para o navio reduzir a marcha, dar meia volta e resgatar aquelas pessoas, antes que fosse tarde demais.

Entre o dilema político de tornar o Brasil responsável por aqueles vietnamitas ou cumprir o dever humanitário de não deixar pessoas entregue à própria sorte, o comandante França optou, acertadamente, pela segunda hipótese.

Mas não seria uma tarefa nada fácil, porque, com 334 metros de comprimento, o José Bonifácio era um navio gigantesco – o maior que já navegou sob bandeira brasileira, em todos os tempos.

Tão difícil quanto a decisão do comandante foram as manobras que precisaram ser feitas para o navio parar totalmente e resgatar aquelas pessoas no mar, porque qualquer movimento errado poderia resultar na destruição do próprio barco dos refugiados.

O José Bonifácio passou a navegar em círculos, cada vez mais fechados, até que a velocidade diminuísse gradualmente e permitisse a parada total dos motores – uma tarefa extremamente complexa para um navio com o tamanho de três campos de futebol.

A manobra consumiu mais de uma hora, mas foi bem-sucedida.

E na hora certa.

Duas horas depois de o grupo ser resgatado, o tufão que vinha se aproximando varreu o mar com brutal ferocidade.

Se não tivessem sido socorridos a tempo, todas aquelas pessoas teriam morrido.

Depois de receberem água, comida e peças roupas dos tripulantes do navio, os vietnamitas, 24 pessoas ao todo, mais do que a tripulação do próprio petroleiro, contaram a sua história.

Eles já estavam no mar há três dias e quatro noites, sem comer nem beber, após terem conseguido driblar a patrulha costeira do Vietnã, que tentava impedir a força que os vietnamitas fugissem do país.

O sonho do grupo, que era liderado pelo jovem pescador Vo Van Phuog, de 21 anos, e sua namorada Nguyen Thi Kim Dung, de 20, era ser resgatado por um navio americano, porque assim eles acabariam sendo levados para os Estados Unidos, praticamente o único país que já tinham ouvido falar, por conta da guerra.

Mas o único navio que parou para socorrê-los foi um petroleiro brasileiro, graças a bravura e destreza do comandante França.

Após o resgate, os vietnamitas foram levados para Cingapura, onde o navio fez escala.

Lá, com a ajuda da ONU, desembarcaram e seguiram para um campo de refugiados, enquanto aguardavam a autorização do governo brasileiro para a imigração legal, já que a lei determina que um país que resgata refugiados fica automaticamente responsável por eles.

Um mês depois – e logo após o José Bonifácio retornar ao Brasil -, os 24 vietnamitas resgatados pelo comandante França também desembarcaram no país, de avião, com passagens pagas pela ONU, que ainda  ofereceu ajuda financeira por um ano para eles se estabelecerem em solo brasileiro.

E nunca mais nenhum deles quis sair daqui.

Todos os refugiados resgatados pelo petroleiro José Bonifácio viraram cidadãos brasileiros e aqui constituíram famílias – além de darem origem a primeira comunidade vietnamita do Brasil, depois acrescida por outras levas de refugiados, também resgatados no mar por navios brasileiros.

Entre eles, o casal líder daqueles primeiros vietnamitas, Phuog e Nguyen, aqui autorebatizados “Fu” e “Sonia”, hoje ainda vivos, e donos de um pequeno restaurante de comida vietnamita em São Paulo, o Miss Saigon, considerado o melhor o melhor do gênero na cidade – que eles tocam junto com os três filhos, todos nascidos no Brasil.

Até a morte do comandante França, em 2013, Phuog e o seu salvador conversavam periodicamente, e o imigrante sempre terminava as conversas agradecendo, uma vez mais, o resgate.

Mesmo assim, o comandante do José Bonifácio jamais aceitou ser chamado de herói, porque considerava que havia tomado apenas uma decisão humanitária.

Este, porém, nunca foi o sentimento dos primeiros integrantes da comunidade vietnamita brasileira.

Para eles, o futuro só existiu graças àquele nobre gesto de um comandante, que, por isso mesmo, fez história na Marinha Mercante do Brasil.

Gostou desta história?

Ela faz parte dos livros HISTÓRIAS DO MAR – 200 CASOS VERÍDICOS DE FAÇANHAS, DRAMAS, AVENTURAS E ODISSEIAS NOS OCEANOS, cujos VOLUMES 1 e 2 podem ser comprados com desconto de 25% para os dois volumes e ENVIO GRÁTIS, CLICANDO AQUI.

Clique aqui para ler outras histórias

VEJA O QUE ESTÃO DIZENDO SOBRE OS LIVROS HISTÓRIAS DO MAR


Sensacional! Difícil parar de ler”.
Amyr Klink, navegador

“Leitura rápida, que prende o leitor”.
Manoel Júnior, leitor


“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor

“Leiam. É muito bom!” 
André Cavallari, leitor

A tragédia do navio dos judeus abandonados

A tragédia do navio dos judeus abandonados

Entre os muitos horrores que a perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial produziu não escaparam nem as tentativas de fuga pelo mar.

E quase todas frustradas, porque, além dos nazistas, também os oportunistas se aproveitaram do desespero das famílias judias para enriquecer, ludibriando as que tentavam escapar de Hitler.

Foi o que aconteceu no caso do infame navio S.S. Struma, um dos mais tristes exemplos de desdém pela vida humana que a história marítima já produziu.

Em 1941, a perseguição nazista se intensificou ainda mais e uma das saídas para os judeus passou a ser a cidade de Constança, na Romênia, de onde partiam velhos navios, rumo à Palestina.

Mas a maioria deles não passavam de sucatas e eram verdadeiras arapucas marítimas.

Como o S.S. Struma.

Em dezembro daquele ano, atraídos por cartazes com a imagem de um lindo transatlântico e que anunciavam “uma viagem luxuosa para a Terra Prometida”, 779 judeus de famílias abastadas pagaram pequenas fortunas por aquele tipo de fuga.

Mas ao chegarem ao porto, o que encontraram foi um decrépito cargueiro, construído no final do século anterior, sem a menor condição de navegar — um “navio-caixão”, como os inescrupulosos armadores da época chamavam os barcos já condenados, mas que a guerra ressuscitara.

Eles protestaram, mas o responsável pelo barco alegou que aquele era apenas o transporte até o verdadeiro transatlântico, que estava aguardando os passageiros fora do porto, porque era grande demais para atracar.

Mentira, claro.

Mesmo assim, eles embarcaram.

Até porque não tinham escolha.

Antes disso, todos os passageiros tiveram suas bagagens confiscadas, sob a desculpa de que as malas seguiriam depois, em outro barco, para não superlotar o S.S. Struma. Obviamente, também não era verdade.

Mas o pior — bem pior — ainda estava por vir.

Uma vez em alto mar, como esperado, além de não haver transatlântico algum no aguardo dos coitados, o velho navio passou a apresentar um defeito após o outro.

Logo no primeiro dia, o motor quebrou e o comandante teve que pedir socorro.

Um barco romeno veio ajudar, mas, em troca de ajuda, exigiu que os passageiros entregassem alianças, anéis e relógios.

Um verdadeiro saque.

O Struma voltou a navegar, mas precariamente.

A cada meia hora de travessia, desligava os motores e os deixava esfriar, por três horas.

Até que, perto de Istambul, na Turquia, quebrou novamente.

Desta vez, foi rebocado até o porto da cidade.

E lá começou o martírio dos judeus que estavam a bordo.

Como a Palestina estava sob a responsabilidade da Inglaterra, e como os ingleses temiam uma invasão descontrolada da região, eles convenceram as autoridades turcas a reter o navio no porto, alegando que seus passageiros não tinham vistos de entrada para onde seguiam e, também, como uma forma de desestímulo aos outros navios do mesmo tipo, que tinham o mesmo destino.

A bordo do S.S Struma, do qual ninguém podia desembarcar, a situação logo se tornou insuportável.

Não havia água nem comida, embora ele estivesse atracado no porto da capital turca.

E passou a ser servida apenas uma refeição quente não por dia e sim por semana.

Rapidamente, o único banheiro do navio teve que ser interditado, por questões sanitárias.

No porto de Istambul, o S.S. Struma transpirava fedor e horror.

Depois de muitos dias e longas negociações, foi permitido o desembarque de apenas uma mulher, que estava dando a luz a bordo, e de quatro judeus que já tinham vistos para a Palestina.

Mas ficou decretado que o Struma não voltaria a navegar – até porque os turcos haviam se recusado a fazer os reparos que o navio necessitava.

A agonia durou dez horripilantes semanas, ou dois meses e meio, até que, no 71º dia de espera no porto, num gesto ainda mais cruel que o dos ingleses, o governo turco decidiu cortar as amarras do S.S. Struma e expulsá-lo dali, com sua “carga humana”, mesmo ele não tendo como navegar por meios próprios.

Um rebocador arrastou o navio até a saída da baía e o deixou lá, inerte, à deriva, entregue à própria sorte.

Nas amuradas do navio condenado, os passageiros pediam socorro.

Em vão.

Como eram tempos de guerra e os submarinos alemães patrulhavam àquelas águas com rigor implacável, o final daquela história era tão previsível quanto abominável.

E foi justamente o que aconteceu.

Sem conseguir se locomover, muito menos se esconder, o S.S. Struma não durou mais do que uma noite no mar.

Virou alvo fácil para os torpedos de um submarino nazista e explodiu por inteiro, afundando em seguida.

Dos 774 passageiros que restavam a bordo (entre eles 103 crianças), apenas um sobreviveu – porque foi encontrado, por acaso, no dia seguinte, boiando na água, por um barco pesqueiro.

E embora a explosão tenha sido vista da própria Istambul, nenhum tipo de socorro foi enviado ao local.

Ironicamente, no dia seguinte, chegou à Turquia uma burocrática autorização inglesa para que as crianças do S.S. Struma fossem desembarcadas.

Mas já era tarde demais.

A guerra havia produzido mais uma brutal barbaridade.

Gostou dessa história?

Ela faz parte dos livros HISTÓRIAS DO MAR – CASOS VERÍDICOS DE FAÇANHAS, DRAMAS, AVENTURAS E ODISSEIAS NOS OCEANOS, cujos volumes 1 e 2 podem ser comprados, com desconto de 25% e envio GRÁTISclicando aqui