Em 12 de maio de 1973, uma balsa com doze metros de comprimento por sete de largura partiu do Porto da Luz, nas Ilhas Canárias, com destino à costa do México, do outro lado do Atlântico, levando 11 pessoas a bordo – cinco homens e seis mulheres.

Mas o principal foco daquela viagem não era a travessia e sim a análise de como aquelas pessoas, que até então mal se conheciam, se comportariam durante tanto tempo isoladas no meio do mar, dentro de uma balsa.

Batizada de Experimento Acali, nome da balsa, a experiência, um estudo prático sobre o comportamento humano em espaços reduzidos e sem possibilidade de fuga, fora concebido pelo antropólogo mexicano Santiago Genovés como um “perfeito laboratório social”.

Para tanto, ele publicou anúncios em jornais convocando voluntários, e, em seguida, fez a escolha dos candidatos, usando como critérios diferentes culturas, religiões e nacionalidades – dez, no total.

O que não variou nos critérios de Santiago foi o perfil dos escolhidos. Todos tinham idades entre 20 e 40 anos, corpos razoavelmente atraentes e a maioria era casada, embora fosse proibido a presença de cônjuges a bordo, o que, desde o princípio, deixou claro as fortes conotações sexuais do experimento.

A tripulação foi composta por uma capitã sueca (a única do grupo de candidatos com experiência anterior em barcos), uma médica israelense, um fotógrafo japonês, um restaurador grego, um antropólago uruguaio discípulo de Santiago, uma francesa vaidosa, duas jovens americanas, uma mulher árabe da Argélia e até um padre católico negro de Angola – além do próprio Santiago, que dizia ter tido a ideia da experiência no mar aberto depois de ter sido mantido confinado com outros passageiros num avião sequestrado, durante dias, no México.

O próprio Santiago já havia participado de duas experiências similares ao fazer parte das tripulações das expedições do também antropólago norueguês Thor Heyerdah, que atravessou oceanos com balsas feitas de papiros, para provar que os povos antigos haviam ido muito mais longe do que se imaginava.

Através da convivência estreita e intensa, o objetivo do experimento de Santiago era estimular a discórdia entre os participantes, incitar o sexo matrimonialmente condenado e levar as pessoas ao ponto de se odiarem mutualmente, após uma série de dias sem poderem se afastar uma das outras.

Para estimular ainda mais isso, ele mandou construir a balsa com uma só cabine, determinou que todos os tripulantes dormissem juntos, intercalou propositalmente homens e mulheres numa grande cama coletiva, e determinou que o único banheiro a bordo fosse aberto, de forma que não houvesse nenhuma privacidade – todos teriam que fazer suas necessidades diante dos demais, fossem homens ou mulheres.

Como o objetivo era fomentar conflitos, ações como “Jogos da Verdade”, onde os tripulantes eram obrigados a dizer o que pensavam uns dos outros diante de todos (inclusive sobre com quais gostariam de fazer sexo), foram conduzidas por Santiago ao longo da viagem, bem como propostas para que todos passassem os dias nus ou fizessem sexo coletivo.

Santiago também colocou mulheres nas principais funções a bordo, a começar por delegar o comando da balsa a sueca Maria Bjornstam, cabendo aos homens apenas atividades banais, como lavar louça e limpar a balsa.

O objetivo, nesse caso, era rebaixar moralmente os homens e fomentar o machismo. Mas o que Santiago não contava é que, por ter ido um pouco além na execução da sua experiência, acabaria se transformando, também, em vítima dela.

Depois de contestar veementemente a decisão da comandante sueca de aguardar, num porto da ilha de Barbados, o fim da temporada de furacões no Caribe para prosseguir viagem, Santiago a destituiu autoritariamente do cargo e assumiu o posto.

Mas teve que voltar atrás logo depois, quando, no momento mais tenso da travessia, a balsa do grupo só não foi atropelada por navio porque a comandante destituída manteve a calma e instruiu a equipe para acender tochas de fogo que chamassem a atenção do piloto – que desviou a tempo, enquanto Santiago virava vítima de uma crise nervosa.

Mais tarde, ele sofreria duas outras crises a bordo: uma de depressão, ao ficar sabendo que sua experiência estava sendo chamada de “Balsa do Sexo” e alvo de pesadas críticas e notícias sensacionalistas na Europa, e outra de apendicite, que só não terminou em tragédia porque o grupo já estava próximo da ilha mexicana de Cozumel, onde terminou a travessia e o experimento, após 101 dias no mar.

Ao final da viagem, apesar do ambiente mais que propício durante mais de três meses, os conflitos a bordo foram mínimos e prevaleceu a tolerância e a convivência entre o grupo. E apesar das seguidas tentativas de incitação ao sexo livre (envolvendo, inclusive, o padre angolano), nenhuma orgia foi registrada durante a travessia, embora tenha havido casos esporádicos de sexo entre os tripulantes – que, no entanto, ao fim do experimento, retomaram normalmente suas vidas de casados.

Mesmo assim, Santiago preencheu mais de mil páginas de anotações durante a viagem, que, depois, geraram um livro. Também produziu horas de filmagens, que resultaram em um documentário, hoje base do filme “A Balsa”, que chegará em breve aos cinemas brasileiros, alternando imagens da época com depoimentos dos participantes daquela experiência que ainda estão vivos (entre os homens, apenas o ex-fotógrafo japonês).

O próprio Santiago morreu em 2013, cercado de controvérsias pelas suas experiências inusitadas, do qual a balsa do Sexo foi, sem dúvida, a mais falada.

Mas, décadas depois, sua bizarra experiência serviria de inspiração para um fenômeno mundial nas televisões: os realities shows. A polêmica experiência náutica de Santiago Genovés – quem diria? – viraria o primeiro Big Brother da História.

 

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