Abalroados, afogados e contaminados! O drama de um naufrágio que deixou um grande legado

Abalroados, afogados e contaminados! O drama de um naufrágio que deixou um grande legado

Quem hoje vê o Rio Tâmisa, o principal da Inglaterra, custa a acreditar que, apenas décadas atrás, certas partes do rio que cruza a capital inglesa era tão sujas e contaminadas quanto o pior trecho do rio mais poluído do Brasil, o Tietê, que corta a capital de São Paulo.

Mas era.

Tanto que a poluição das águas do lendário rio inglês (hoje totalmente recuperado e saudável) foi a principal responsável por aumentar ainda mais a intensidade da catástrofe que se seguiu ao naufrágio do barco de transporte de passageiros Princess Alice, bem perto do centro de Londres, na noite de 3 de setembro de 1878.

Naquela ocasião, logo após o anoitecer, o Princess Alice, um grande barco movido a vapor com capacidade para centenas de passageiros, subia o rio, rumo ao porto da capital inglesa, quando foi atingido pelo cargueiro Bywell Castle, que descia a grande velocidade, empurrado pela maré favorável.

Embora a culpa pelo acidente tenha sido atribuída aos dois capitães, o do Princess Alice, William R. H. Grinstead, foi particularmente responsabilizado, porque, no instante da colisão, navegava no lado do rio habitualmente utilizado pelos barcos que desciam.

No choque, o Princess Alice foi partido ao meio e afundou em menos de cinco minutos, deixando centenas de vítimas boiando na água do rio.

A quantidade de sobreviventes de um acidente de tal magnitude seria um fato a ser comemorado, não fosse por um perverso detalhe: o Princess Alice afundou exatamente no ponto onde, duas vezes por dia, era despejado todo o esgoto da capital inglesa – algo em torno de 370 000 m3 de toda sorte de resíduos e porcarias.

Era a parte mais imunda de um rio já poluído. E isso acabou decretando a morte de ainda mais pessoas.

Muitos dos que sobreviveram a colisão e o naufrágio sucumbiram, dias depois, de doenças causadas pela água imunda na qual ficaram imersos durante horas, à espera do resgate.

Jamais se soube o número exato de vítimas, até porque não havia uma contagem exatas de quantos passageiros havia no barco naquela noite.

Mas é certo que mais de 600 pessoas morreram no pior desastre da navegação fluvial da Inglaterra até hoje. Entre elas, o próprio comandante do Princess Alice, que, por isso, não pode ser penalizado.

O nível de poluição do Tâmisa naquela época era tão agudo que dificultou até a identificação dos corpos dos mortos, porque, após dias naquela água podre e fétida, eles ficaram cobertos por uma espécie de gosma. Muitos foram enterrados sem nenhuma identificação.

O único consolo que restou da tragédia foi que, por causa dela, a Inglaterra instituiu aquele que viria a se tornar o embrião do primeiro plano de despoluição ambiental do planeta, que, décadas, depois, tornaria o Tâmisa vivo de novo.

Foi o grande legado de uma enorme tragédia.

 

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Em janeiro do ano passado, o velejador português Henrique Afonso, de 58 anos, partiu da Ilha da Madeira, onde nasceu e sempre viveu, para uma longa viagem: dar a volta ao mundo navegando sozinho em seu barco, um pequeno veleiro de nove metros do comprimento.

Hoje, 13 meses depois, ele já está na Ilha de Timor, no Pacífico Sul, depois de ter cruzado o maior oceano do mundo.

Se conseguir completar o percurso de mais de 50 mil quilômetros de mar ao redor do mundo, será a primeira vez que um habitante da ilha portuguesa da Madeira realizará a façanha de contornar todo o planeta navegando sozinho.

Mas, bem mais interessante do que a viagem em si do velejador é o que ele leva a bordo do seu pequeno barco: duas barricas com nada menos que 200 litros do famoso vinho produzido na ilha – que ele não pretende consumir nenhuma gota.

O objetivo é apenas o de reconstituir um fato histórico: o da maturação e envelhecimento do vinho da Ilha da Madeira nos porões das caravelas portuguesas, como era feito na época dos descobrimentos.

Naquela época, barricas de vinho eram embarcadas tanto para o consumo da tripulação quanto para servir de lastro nas caravelas durante as longas travessias portuguesas mundo afora.

Mas, como nem todas as barricas eram consumidas, algumas retornavam à ilha. E, ao serem provadas, exibiam um vinho de sabor específico, depois de tanto tempo chacoalhando nos abafados porões das naus portuguesas.

Foi quando os madeirenses descobriram que as longas viagens marítimas sob intensas variações de temperaturas faziam muito bem ao vinho (até então banal) da ilha.

Nascia assim o “Vinho da Roda” (porque “rodava o mundo antes de ser consumido”) ou “Torna Viagem” (porque retornava após muito tempo no mar), que trouxe fama mundial ao hoje principal produto da Ilha da Madeira.

E é isso o que o português Henrique Afonso, que na sua terra é mais conhecido pelo apelido de Pirata, está recriando agora, cinco séculos depois.

Quando completar a viagem de volta ao mundo e retornar à Ilha da Madeira, os 200 litros do vinho que o madeirense leva no seu barco fará parte de uma espécie de “reserva especial”, com valor histórico e comercial, razão pela qual o velejador se comprometeu a não consumi-lo.

Henrique não tem data para completar a travessia nem mesmo um roteiro rigidamente definido. “Vou, mais ou menos, para onde o vento me levar. Não tenho pressa, nem compromissos. Se a viagem durar mais do que o previsto, nenhum problema. Quanto mais tempo o vinho ficar no guardado no barco, melhor ele estará na volta”.

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Os 40 anos da grande regata que terminou em terrível tragédia

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A regata Fastnet é, talvez, a principal competição de veleiros da Inglaterra, país que ama os barcos a vela quase tanto quanto o futebol. É, também, uma das regatas mais antigas e famosas do mundo, disputada desde 1925 num percurso de 605 milhas náuticas, entre a Inglaterra e a costa da Irlanda.  Ela acontece a cada dois anos, sempre com número recorde de participantes. Já teve até vitória de um barco brasileiro, o heróico veleiro Saga, do comandante Erling Lorentzen, que foi fita azul em 1973.

Mas, apesar de toda a fama, na edição de 1979, a Fastnet (nome de um farol encarapitado numa rocha na ponta sul da costa da Irlanda, que marca o ponto de retorno do percurso) protagonizou uma das piores tragédias da história da vela.

Uma feroz tempestade, com ventos que superaram os 50 nós, se abateu sobre os 306 barcos participantes e deixou um rastro de 23 naufrágios, 75 abandonos de embarcações e nada menos que 15 mortos.

Gerou, também, a maior operação de resgate já conduzida pelo Reino Unido no mar, em tempos de paz, envolvendo mais de 4 000 homens. E tudo porque ninguém imaginava que aquela sabida tempestade que se aproximava seria tão forte.

Quando os barcos partiram da ilha Cowes, na Inglaterra, no dia 11 de agosto, a previsão para os dias seguintes era de ventos entre 22 e 27 nós, a despeito do mau tempo que se avizinhava.

Mas, dois dias depois, na noite do dia 13 de agosto (não poderia haver data mais agourenta), quando os ponteiros da regata se aproximavam do farol que a batiza, aconteceu àquilo que os meteorologistas costumam chamar de “freak storm”, ou “tempestade louca”, uma tormenta que trai todas as previsões e desaba feito um furacão no oceano.

Ventos de 40 nós passaram a castigar a flotilha e, em questão de horas, atingiram o nível de Força 11, na escala Beaufort. A superfície do mar, então, se transformou em montanhas descontroladas de água, e as rajadas, fortíssimas, passaram a rasgar as velas dos barcos feito folhas de papel.

Para completar o cenário desesperador, naquela época nem todos os barcos eram obrigados a ter rádios a bordo, o que impediu alertas de última hora da meteorologia e privou muitos competidores de pedir socorro. Com isso, o que era para ser apenas uma divertida regata, virou uma terrível luta pela sobrevivência — que muitos não venceram.

As baixas começaram rapidamente. Uma das primeiras vítimas foi o veleiro Metric, que foi varrido por uma onda que elevou tanto o casco que deixou a quilha fora d´água, arrancando os dois ocupantes do barco – que só sobreviveram porque usavam cintos de segurança.

Em seguida, o Camargue, depois de capotar, perdeu o leme e foi abandonado por sua tripulação, que passou para a balsa salva-vidas. E muitos outros decidiram fazer o mesmo, depois que seus veleiros passaram a capotar feito barquinhos de brinquedo.

No total, nada menos que 75 barcos capotaram naquela tempestade. Alguns, diversas vezes, como o Grimalkin, que virou cinco vezes, matando, na última delas, dois de seus tripulantes e deixando um terceiro, Nick Ward, abandonado à própria sorte num barco avariado e totalmente à deriva. Ward acabaria sendo salvo por um helicóptero, quando já era dado como morto também.

No entanto, como as condições meteorológicas eram terríveis, só na manhã seguinte, quando os ventos baixaram para a escala 9, com rajadas de cerca de 45 nós, é que puderam começar os resgates. E o cenário que os helicópteros encontraram foi dramático. Havia veleiros destroçados e velejadores boiando na água por todos os lados – alguns, já mortos.

No total, 23 barcos foram dados como perdidos, abandonados ou afundados naquela prova e 125 velejadores resgatados no mar – 15 deles já sem vida, por conta de uma noite inteira nas frias águas do Atlântico Norte.

Apenas 85 barcos, dos mais de 300 que largaram, completaram a prova. Na frente, chegou o veleiro Tenacious, do então poderoso dono da rede de TV CNN, Ted Turner, que só escapou do pior porque estava bem à frente dos demais competidores quando o mundo desabou – e ele sequer comemorou.

O favorito, o barco Kialoa, também completou o percurso. Mas seu comandante chegou com várias costelas quebradas.

A tragédia causou comoção nacional na Inglaterra e gerou uma série de mudanças nas regras das regatas oceânicas, que se mantém até hoje. Entre elas, a obrigatoriedade de todos os barcos terem, no mínimo, um rádio a bordo, o que atualmente parece óbvio – mas, naquela época, não era.

Mesmo assim, seis anos depois, em 1985, outro incidente marcou esta famosa regata: o maxi-veleiro Drum capotou e deixou o então astro da música pop Simon Le Bom, que fazia parte da tripulação, preso debaixo do casco por algumas horas, até ser resgatado.

Mas nada que se compare ao que aconteceu na Fastnet naquela trágica noite de 13 de agosto de 1979, 40 anos atrás.

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De JK à Internet: a saga da “Lancha dos Presidentes” em busca da preservação de sua história

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No final da década de 1950, o então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, enfrentava fortes críticas de seus opositores, sobretudo quanto a construção de Brasília e a transferência da Capital Federal do Rio de Janeiro para o então esquecido Planalto Central brasileiro.

Para provar que, a despeito das opiniões contrárias, levaria adiante os seus planos de erguer uma grande cidade (incluindo a criação de um gigantesco lago) onde antes não havia nada, JK teve mais uma de suas ideias ousadas: mandou transportar do Rio de Janeiro para a futura capital do país, um barco.

Mas não um barco qualquer e sim o próprio iate da Presidência da República, a então sofisticada lancha Gilda, que havia sido mandada construir por seu antecessor, Getúlio Vargas, e que ele gostava de usar nas horas vagas, na Baía de Guanabara.

Quando a lancha chegou ao colossal canteiro de obras do que viria a ser Brasília, depois de uma verdadeira epopeia pelas quase inexistentes estradas do interior brasileiro (redes elétricas tiveram que ser erguidas e pontes reforçadas para a passagem do barco, que pesava mais de 25 toneladas), sequer havia onde usá-la – porque o futuro lago Paranoá sequer estava formado.

Levar o iate presidencial para os confins do Planalto Central foi a maneira que JK encontrou para exemplificar que não voltaria atrás nos seus planos de levar a sede do poder para a futura capital. E assim ele o fez.

Quando, em 21 de abril de 1960, Brasília foi oficialmente inaugurada, a emblemática lancha, então um dos maiores iates do país, já estava nas águas do recém-criado Paranoá, na insólita condição de único barco do lago.

E ali ficou, servindo aos três presidentes que sucederam JK, mas nenhum com o mesmo apego que ele ao barco – embora Humberto Castelo Branco tenha usado a lancha algumas vezes para passear com os netos no lago, durante a ditadura militar.

Já Juscelino Kubitschek tinha verdadeiro amor pela lancha que ele mesmo batizou com o nome da mais famosa personagem de atriz-sensação dos anos que antecederam sua chegada ao poder: Rita Hayworth.

Gilda era o nome do filme – e da personagem – que marcou a carreira da atriz e foi escolhido por JK porque, segundo ele, “era uma lancha tão bonita quanto ela”.

Ninguém desfrutou mais de Gilda em Brasília do que JK, o presidente bossa-nova do Brasil que surgia, anfitrião de memoráveis festas na nova capital, que, não raro, terminavam em passeios no lago com seus convidados.

JK adorava mostrar Brasília aos visitantes estrangeiros sob o ponto de vista do lago Paranoá, e, para isso, usava a sua lancha-xodó.

Nela navegaram autoridades de países e artistas famosos, como Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Sempre que queria impressionar alguém, era à Gilda que JK recorria.

Até que, em 31 de janeiro de 1961, ele deixou o poder – e a lancha – nas mãos de outro presidente: o instável Jânio Quadros, que não durou muito no cargo.

E seu sucessor, João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, teve mais com que se preocupar do que passear no lago com o “Barco de JK”, como a lancha ficaria eternamente conhecida.

Com isso, a outrora garbosa Gilda, projetada e construída pelo famoso projetista alemão Joachim Küsters, nas instalações do Arsenal de Guerra da Marinha do Brasil, no Rio de Janeiro, nos anos de 1950 (juntamente com outro barco idêntico, a lancha Garça, que acabaria destruída por um incêndio), acabou esquecida no píer de uma churrascaria na beira do lado, e quase apodreceu totalmente.

Quando, na década de 1970, o empresário goiano Francisco Costa, fervoroso fã de JK, ficou sabendo do deplorável estado da lancha, tratou de fazer algo.

Convenceu, então, as autoridades para que permitissem que ele recuperasse o barco – algo fácil, porque a lancha, então semi-afundada na beira do lago, não passava de um monte de tábuas podres, expostas ao tempo.

Gilda foi içada e levada para Goiás, onde ficou até que Francisco, ao perceber que não teria como reformar o barco, pois lhe faltava conhecimento prático, buscou a ajuda de outro admirador de JK: o empresário carioca Gerard Souza, dono de uma loja de barcos em Brasília, cujo tio havia sido um dos engenheiros encarregados de construir a barragem que deu forma ao lago criado pela obstinação de Juscelino Kubitschek.

Gerard levou Gilda de volta à capital do país e, durante dez anos, gastou o equivalente ao preço de um barco novo para restaurar a lendária lancha, nos seus mínimos detalhes – inclusive os dois motores diesel GM Detroit construídos na década de 1930, e o timão, original, que fora guardado por Francisco em sua casa, como quem cuida de uma relíquia histórica.

Até que, em 2015, 55 anos depois de chegar à Brasília naquele gesto simbólico de Juscelino Kubitschek, Gilda voltou a navegar. Exatamente como era na época de JK.

As únicas alterações feitas por Gerard em relação ao projeto original do barco foram de ordem prática.

A lancha ganhou equipamentos necessários de segurança e um vaso sanitário no lugar do tosco balde que lhe servia de banheiro.

A ideia inicial era usá-la para levar crianças e alunos da rede pública de Brasília para passear no lago no “Barco dos Presidentes” e, ali mesmo, ter aulas sobre Juscelino Kubitschek e a cidade que ele construiu.

Mas, na prática, o plano nunca foi executado, porque exigia uma logística que Gerard não possuía.

Assim sendo, três anos depois de trazer Gilda novamente à vida, Gerard decidiu que o melhor destino para o famoso barco era um museu.

Depois de negociar com o empresário catarinense Carlos Alberto Oliveira Júnior, dono de um centro cultural em São Francisco do Sul, vendeu a lancha, na esperança de que, no novo local, ela pudesse ser admirada pelo público.

O que não aconteceu.

Hoje, a lendária lancha de JK está sendo leiloada na Internet pelo empresário que a comprou, com um lance mínimo de R$ 400 mil – pouco, perto do seu valor histórico.

Torce-se, agora, para que o futuro comprador zele pelo barco com o mesmo afinco de Francisco, Gerard e, sobretudo, o próprio JK.

 

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De lastro de navios à iguaria: a interessante saga do vinho português da Ilha da Madeira

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Na época das grandes navegações, não havia caravela que partisse de Portugal que não levasse, nos porões, muitas barricas de vinho, para o consumo das tripulações. Elas, contudo, também tinham outra finalidade: servir de lastro para melhorar a precária estabilidade das naus.

Durante as longas travessias, na medida em que o vinho era consumido, as barricas vazias eram preenchidas com água do mar, a fim de manter o lastro necessário para que as caravelas não sofressem tanto nos mares mais agitados.

Mas, às vezes, algumas barricas retornavam ainda cheias das viagens. Quando isso acontecia, revelavam um vinho de sabor bem mais agradável, fruto do tempo que passaram estocadas nos abafados porões dos navios.

A descoberta – acidental, como toda descoberta – mudaria a história do vinho português para sempre. Em particular, do vinho até então quase ordinário que era produzido numa certa ilha portuguesa: a Ilha da Madeira.

Não demorou muito para que os produtores de vinho daquela ilha atlântica, tradicional ponto de parada e abastecimento das naus portuguesas que partiam ou regressavam do oriente, a mais de 600 quilômetros da costa africana, percebessem que o calor dos trópicos, aliado às variações de temperatura, o longo confinamento nas barricas e o chacoalhar constante das naus, eram capazes de operar maravilhas no banal vinho da ilha.

Eles, então, passaram a aumentar a quantidade de barricas a bordo das naus, para que sobrasse mais vinho na volta. Em seguida, passaram a enviar carregamentos fechados de barricas apenas para “amadurecer” o vinho a bordo.

Nascia assim o “Vinho de Roda” (porque “rodava” o mundo), “Vinho de Volta” ou “Torna Viagem”, vendido a preços cada vez mais altos em Portugal, e que acabaria trazendo fama mundial ao vinho da Ilha Madeira – até hoje.

As viagens marítimas aceleravam sobremaneira o processo de envelhecimento do vinho e, graças ao calor intenso dos porões dos navios, davam certo toque de “cozimento” e oxidação ao suco extraído das uvas. Mas custavam um bocado aos comerciantes da ilha, porque eles passaram a ter que ajudar a financiar as viagens.

Foi quando eles começaram a buscar métodos alternativos que trouxessem os mesmos benefícios dos navios ao vinho da Madeira, já então famoso em toda a Europa.

A saída foi reproduzir, em terra firme, as mesmas condições das travessias, sem, obviamente, o balanço do mar.

A princípio, os tonéis foram apenas deixados sob o sol. Não deu certo. Em seguida, dentro de armazéns aquecidos por fogueiras. O resultado também não foi o mesmo. Mas apontou o caminho a seguir: as estufas.

Hoje, o legítimo e renomado vinho da ilha da Madeira passa quatro meses sendo aquecido em estufas, a temperaturas de 45 graus centígrados, e, depois, cerca de dois anos descansando, antes de ser posto à venda – quase o mesmo tempo que passava nos porões das caravelas, servindo como simples lastro para que elas não balançassem tanto.

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