O incrível caminhão que navegava e outras ousadias dos fugitivos de Cuba

O incrível caminhão que navegava e outras ousadias dos fugitivos de Cuba

Na década de 1990, sérios problemas políticos e econômicos levaram milhares de cubanos a tentar fugir para os Estados Unidos pelo mar, atravessando os 170 quilômetros de água que separam a ilha de Cuba do território americano a bordo de embarcações pra lá de improvisadas.

O auge desta fuga em massa e desesperada aconteceu em 1994, quando, todos os dias, centenas de cubanos se aboletavam sobre qualquer coisa que flutuasse, na esperança de chegar a uma praia americana e começar nova vida, já que, pela lei americana, os imigrantes ilegais cubanos só podem ser presos e extraditados se apanhados ainda no mar.

Se conseguissem colocar um pé em solo americano, automaticamente ganhavam direito a permanência no país, o que estimulou ainda mais cubanos a tentar aquela travessia.

Foi a Crise dos Balseros, como foram apelidados os que tentavam tal tipo de fuga.

Na época, houve até a tentativa de sequestro de um ferry boat que fazia a travessia de um braço de mar em Havana, com o objetivo de desviá-lo para Miami, o que, obviamente, não deu certo.

A balsa era infinitamente mais lenta do que as lanchas da polícia cubana e foi detida antes mesmo de sair dos limites da baía.

Além disso, ela sequer teria combustível para fazer aquela travessia.

Em 2004, as tentativas de imigração de cubanos pelo mar continuavam intensas e geravam episódios dramáticos quase que diários nas praias da Florida.

Em um deles, um grupo de banhistas de Fort Lauderdale não pensou duas vezes na hora de entrar no mar e ajudar dois homens e uma mulher a chegar à praia, antes que a polícia os interceptassem na água, numa cena típica de filme de aventura.

Os três cubanos estavam há dez dias no mar, se equilibrando sobre quatro câmeras de pneus de trator amarradas em forma de balsa, e tão exaustos que não conseguiam nadar até a praia.

Foram ajudados pelos banhistas e, assim sendo, cumpriram a formalidade legal de tocar o solo americano antes de serem apanhados.

No mesmo ano, outro fato bizarro envolvendo balseros cubanos correu o mundo.

Marciel Lopez e Luis Rodrigues foram detidos pela guarda-costeira americana a quilômetros da costa da Florida, tentando alcançar a América com um pré-histórico automóvel Buick, de 1959, que eles, engenhosamente, haviam transformado em um veículo anfíbio.

Na mesma ocasião, outro grupo fez o mesmo com um Mercury ainda mais velho.

Todos, porém, tinham experiência no assunto.

Meses antes, juntos, eles haviam participado de uma tentativa ainda mais absurda: fazer a mesma travessia com um caminhão Chevrolet 1951, caseiramente adaptado para “rodar” na água e com mais de 50 cubanos na carroceria.

Os “Camionautas”, como ficaram conhecidos, foram detidos pelos agentes americanos e mandados de volta para a ilha, onde, no entanto, apenas aperfeiçoaram o engenho e os transplantaram para aqueles dois velhos automóveis.

Que também foram interceptados.

Mesmo assim, eles não desistiram.

Metade do grupo, por fim, chegou aos Estados Unidos por meio de uma travessia “convencional”.

Ou seja, a bordo de uma improvisada balsa feita com câmaras de ar de pneus de caminhão e presas com pedaços de madeira arrancados dos bancos das praças de Havana.

Mais originais ainda foram os nove cubanos, que, em setembro de 2014, desembarcaram na elegante costa de Key Biscaine, em Miami, dentro de uma prosaica lata de lixo, dessas usadas para recolher entulhos nas ruas.

Ela fora adaptada para receber o motor de um velho caminhão e ganhou câmaras de ar de pneus em volta, para não afundar.

Nela, o grupo passou dez dias no mar, mas conseguiu chegar.

Para conquistar o sonho americano, a necessidade virou a mãe da criatividade dos cubanos.

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O barco que só ficou visível por três dias

O barco que só ficou visível por três dias

paradeiro final da escuna R. Kanters, que desaparecera durante outra tempestade na região, mais de um século antes.

A tormenta remexeu o fundo de areia na beira do lago, na altura da pequena cidade de Holland, e fez aflorar parte do grande casco de madeira do barco, que naufragara em 7 de setembro de 1903.

No dia seguinte, ao caminhar pela margem do lago, um morador da cidade viu alguns escombros brotando na areia e teve a feliz ideia de entrar em contado com a associação de pesquisadores de naufrágios da região – que imediatamente entrou em ação, porque aparições desse tipo, embora não raras nas águas costumeiramente agitadas Lago Michigan, costumam ficar visíveis por pouquíssimo tempo, por que logo eram encobertas pela areia.

Mas havia um problema: era o auge do confinamento gerado pela pandemia do coronavírus, e os técnicos da entidade estavam impedidos de ir ao local para investigar e atestar a identidade do barco.

Alguma coisa, porém, tinha que ser feita.

Não dava para perder a oportunidade de averiguar in loco os restos de um velho naufrágio, sem sequer por os pés na água, já que eles estavam visíveis na própria areia da praia.

Como nenhum especialista podia ir até lá, a única saída foi transformar aquele simples morador da cidade em um quase arqueólogo, instruindo-o, através de mensagens pelo celular, sobre como registrar, medir e coletar informações que pudessem permitir a identificação remota do naufrágio, mais tarde, pelos técnicos da entidade.

E isso tinha que ser feito rapidamente, antes que as areias cobrissem tudo novamente.

O homem, então, muniu-se de pás, câmeras e fitas métricas, e começou a vasculhar, sozinho, os escombros do barco, sob a orientação remota dos especialistas, que iam lhe passando instruções e pedindo coleta de imagens e medidas específicas, a fim de compará-las com antigos registros de naufrágios na região.

Uma complexa pesquisa científica feita por um leigo no assunto, e, ainda por cima, correndo contra o tempo, antes que lago engolisse de novo o barco.

Tinha tudo para dar errado.

Mas não deu.

Com base no que aquele solitário e prestativo morador registrou, mediu e apurou, os técnicos da associação de pesquisadores de naufrágios, mesmo à distância, concluíram que se tratava do que restara da escuna R. Kanters, assim batizada em homenagem ao seu proprietário, Rokus Kanters, um ex-prefeito da própria cidade de Holland.

E a história do barco pode, finalmente, ser completada.

Mas nada dele pode ser coletado para o museu da instituição.

No dia seguinte, apenas três após ter emergido do fundo do lago, feito uma aparição macabra, os restos da escuna voltaram a desaparecer sob as águas, e retornaram ao mesmo esconderijo submerso onde haviam permanecido por mais de um século.

Mas, agora, pelo menos, após pôr o ponto final da história da R. Kanters.

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O remador que só perdeu para a corrida da Lua

O remador que só perdeu para a corrida da Lua

O in­glês John Fair­fax sempre teve a aven­tu­ra no san­gue.

Quando jovem, entre outras estripulias, viveu sozinho na selva, feito Tarzan, tentou vir de bicicleta dos Estados Unidos para a América do Sul, contrabandeou armas e cigarros nas ilhas do Caribe e, para fugir da Polícia, fugiu de cavalo até a Argentina, onde sua mãe vivia.

Por isso, quando, em 1969, ele de­ci­diu que se tornaria o pri­mei­ro ho­mem a atra­ves­sar o Atlân­ti­co Nor­te so­zi­nho com um barco a re­mo (o brasileiro Amyr Klink faria o mesmo no Atlântico Sul, 15 anos depois), ninguém na sua família estranhou.

Além do indomável gosto pela aventura, outra característica marcante de Fair­fax era a meticulosidade – ele gostava de planejá-las nos mínimos detalhes.

Assim sendo, para aquela inédita travessia do Atlântico em solitário (os noruegueses Frank Samuelson e George Harbo já haviam feito isso antes, em 1896, mas em dupla no barco), Fair­fax co­me­çou en­co­men­dando um casco ao me­lhor projetista da épo­ca – que lhe entregou um barco com al­gu­mas so­lu­çõ­es até então inéditas.

Co­mo um as­sen­to des­li­zan­te, que fa­ci­li­ta­va as re­ma­das, um ge­ra­dor por­tá­til, pa­ra poder se comunicar, via rá­di­o­, e um com­par­ti­men­to es­tan­que pa­­ra os su­pri­men­tos, de for­ma que, mes­mo se o bar­co vi­ras­se, eles continuassem se­cos – recursos que, anos mais tarde, Amyr Klink também aplicaria no projeto do barco que construiu para se tornar o primeiro homem a cruzar o Atlântico Sul a remo.

Fair­fax também tra­tou de ocupar cada centímetro a bordo com itens de sobrevivência, ima­gi­nan­do que a travessia po­de­ria durar bem mais do que pre­via.

E le­vou mes­mo.

Fo­ram seis meses, ou lon­gos 180 di­as, re­man­do, das Ilhas Canárias aos Es­ta­dos Uni­dos.

E só não de­mo­rou mais por­que Fair­fax, es­per­ta­men­te, havia pesquisado a fundo as correntes marítimas da região e passou o tempo todo perseguindo-as, economizando assim sua energia.

Três anos depois, em 1972, ele aplicaria este mesmo recurso para se tornar, também, o primeiro homem a atravessar o Oceano Pacífico a remo, só que, agora, na companhia de outra pessoa: a também inglesa Sylvia Cook, que aderira a viagem depois de responder a um prosaico anúncio de jornal convocando remadores para a travessia do maior oceano do mundo, colocado por Fairfax.

Na ocasião, ele foi vítima até do ataque de um tubarão, quando tentava fisgar um peixe com uma lança, a fim de aplacar a fome dele e da companheira, e enfrentou um violento ciclone no meio da travessia, de quase 13 000 quilômetros, de São Francisco até a Austrália.

Mesmo assim, ao cabo de 361 dias no mar, também conseguiu chegar do outro lado do oceano, tornando-se, também, o primeiro homem a vencer a remo tanto o Atlântico quanto o Pacífico.

Um feito e tanto.

Mas, apesar disso, a façanha pioneira de Fairfax no Atlântico pas­sou pra­ti­ca­men­te de­sper­ce­bi­da, por­que ele te­ve o azar de che­gar a costa americana no dia do cé­le­bre de­sem­bar­que do pri­mei­ro as­tro­nau­ta na Lua.

E, vi­a­gem por vi­a­gem, aque­la era bem mais relevante.

Como reconhecimento, mais tarde, o aventureiro inglês recebeu uma mensagem dos próprios astronautas da Apolo 11, congratulando-o pelo seu feito.

Fairfax morreu em 2012, aos 74 anos, de ataque cardíaco, em Las Vegas, onde morava e jogava todos os dias.

Quando a idade avançada limitou suas estripulias, Fairfax encontrou sua dose diária de adrenalina nas mesas dos cassinos.

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O maior dos mistérios dos Grandes Lagos

O maior dos mistérios dos Grandes Lagos

 

Os Grandes Lagos Americanos, entre os Estados Unidos e o Canadá, não têm esse nome por acaso.

Juntos, eles concentram o maior volume de água doce represada do planeta e, nos dias de tempestades, nem de longe lembram a placidez habitual de um lago.

Ao contrário, por ficarem em uma região de clima inclemente no inverno, com ventos intensos e temperaturas congelantes, formam um dos mais duros cenários para se navegar com um barco.

Mesmo os grandes navios.

Como era o Edmund Fitzgerald.

Quando foi lançado, em junho de 1958, o cargueiro americano era o maior (e, por consequência, considerado o mais seguro) navio que já havia singrado as cinco gigantescas porções de água, que, interligadas, dão forma aos Grandes Lagos.

Custara cerca de US$ 8 milhões, passava dos 220 metros de comprimento e tinha casco de aço com uma polegada de espessura – uma precaução necessária frente às centenas de naufrágios que já haviam ocorrido naquelas águas.

O Edmund Fitzgerald fora construído para enfrentar as piores condições de navegação.

Podia enfrentar ventos com a intensidade de furacões e seu curioso casco, bem alto e com a casaria dividida em duas partes – a ponte de comando bem na proa e todo o restante na popa, com enormes paióis para carga ao centro – oferecia uma proteção extra contra as ondas.

Entre as pessoas que acreditavam que nada podia afetar o poderoso cargueiro estava o seu próprio comandante, o experiente capitão americano Ernest McSorley.

Com 63 anos de idade e mais de 700 travessias realizadas com o Edmund Fitzgerald, ele confiava cegamente no seu barco.

Por isso, não temia em forçá-lo.

Mesmo sob as piores condições, o navio do comandante McSorley sempre se mostrava confiável.

Não havia, portanto, nenhum motivo para preocupações antes daquela rotineira travessia entre o porto de Superior e a cidade de Detroit, com uma carga de 26 000 toneladas de minério, que seguiam dentro dos paióis centrais, tampados com placas de aço presas por travas rosqueáveis.

Nem mesmo o fato de ser início do inverno, época já sujeita a tempestades, incomodava o capitão McSorley, cuja tripulação, naquela viagem, somava 26 pessoas.

No dia da partida, 9 de novembro de 1975, o clima era até agradável para os padrões da região.

McSorley já havia checado a previsão do tempo, e, embora houvesse uma mudança meteorológica a caminho, ainda assim aquela travessia do Lago Superior, o maior de todos os lagos, prometia ser tranquila.

A previsão indicava ventos com intensidades entre 8 e 16 nós, aumentando, depois, para 23 – ainda assim, bem abaixo do que o Edmund Fitzgerald era capaz de enfrentar.

Só que os números verdadeiros seriam outros.

E bem piores do que os previstos.

No início da tarde do dia seguinte, quando o Edmund Fitzgerald já navegava longe, sendo acompanhado a certa distância pelo também cargueiro Arthur M. Anderson, os barômetros despencaram e começou a nevar forte – sinal de que uma tempestade se aproximava.

Não demorou muito e a visibilidade caiu para míseros metros, ao mesmo tempo em que os ventos se tornaram intensos, erguendo grandes ondas no imenso lago.

As ondas passaram a varrer a superfície do lago com incrível velocidade e criavam abismos entre suas cristas.

A bordo do Edmund Fitzgerald a tripulação se desdobrava para controlar as rotações do hélice, para que, quando a popa do navio saísse fora d´água, o giro do motor não ultrapassasse o limite máximo.

Também era preciso evitar que o casco ficasse suspenso no ar, no vão entre duas ondas, porque isso poderia comprometê-lo, já que era bem comprido.

Mesmo para um navio de grande porte, navegar sob aquelas condições não era nada agradável.

Por isso, o capitão McSorley chamou o comandante do Arthur M. Anderson pelo rádio, e propôs que ambos se abrigassem atrás de uma ilha que havia não muito distante de onde estavam, o que foi aceito de imediato.

A ilha oferecia boa proteção contra os ventos daquele quadrante.

Mas, para chegar lá, era preciso, primeiro, atravessar um famoso e perigoso estreito, onde a profundidade não passava dos doze metros – daí o seu nome: Six (Seis) Fathom, uma antiga forma de medida.

Era, no entanto, o bastante para o Edmund Fitzgerald cruzar o estreito sem maiores problemas, como já havia feito diversas vezes.

O problema é que, naquele dia, as ondas estavam tão altas que sugavam periodicamente as águas do estreito, tornando-o subitamente bem mais raso.

E foi em um destes momentos que o fundo do casco do Edmund Fitzgerald tocou as rochas pontiagudas que haviam submersas no fundo do estreito, abrindo uma fenda, por onde, imediatamente, começou a entrar água.

Muita água.

Às 15h30 daquela tempestuosa tarde, o capitão McSorley chamou novamente o comandante do Arthur M. Anderson, algumas milhas atrás, para informar o ocorrido e avisar que também havia perdido duas tampas de aço dos paióis, o que tornava a situação ainda mais crítica, porque a água estava entrando por baixo e, também, por cima do casco.

E completou dizendo que, apesar da tempestade, iria seguir em frente, agora à toda velocidade, para tentar chegar o mais rápido possível à localidade de Whitefish, nas margens do lago, a apenas a 18 milhas de distância.

Mas uma perversa combinação de infortúnios fez com que o Edmund Fitzgerald jamais chegasse lá.

Meia hora depois daquele contato, o capitão McSorley voltou a chamar o colega do outro navio, relatando, agora, outro problema: o radar do Edmund Fitzgerald havia parado de funcionar – e a má visibilidade causada pela tempestade não permitia enxergar nada à frente.

Ele, então, pediu que o Arthur M. Anderson se aproximasse, a fim de compartilhar as informações do seu radar.

Mas, para isso, precisou diminuir a marcha, já que o alcance do radar do outro navio era limitado a pouco mais de oito milhas.

Navegando mais lentamente, a inundação do Edmund Fitzgerald só fez aumentar de intensidade.

Mesmo usando todas as bombas do casco, capazes de expelir a colossal quantidade de 28 toneladas de água por minuto, o casco do Edmund Fitzgerald foi ficando cada vez mais cheio d´água.

Ainda assim, no entanto, seguiu avançando, às cegas e lentamente, sob o bombardeio das ondas, enquanto rezava pela aproximação do outro navio, porque sem o compartilhamento do radar, McSorley não conseguiria achar o porto de Whitefish.

A agonia durou até o cair da noite.

E, junto com ela, veio o pior de tudo.

Às 19h15, logo após voltar a se comunicar com o cargueiro avariado, naquela que viria a se tornar a última mensagem enviada pelo Edmund Fitzgerald (na qual o comandante McSorley disse apenas que “estavam se segurando como podiam”), o capitão do Arthur M. Anderson sentiu o seu navio se erguer subitamente no ar, como se algo gigantesco tivesse passado por baixo dele.

Em seguida, sentiu isso de novo.

Eram duas ondas monstruosas que haviam passado pelo seu navio, bem maiores do que as habituais.

As duas montanhas de água, fora dos padrões mesmo para uma região famosa pela intensidade de suas tormentas, nada causaram ao Arthur M. Anderson, além de um apavorante frio na espinha dos seus ocupantes.

Mas deixaram um rastro de iminente tragédia, porque avançaram justamente na direção onde o Edmund Fitzgerald tentava, a duras penas, se manter flutuando.

O resultado, ao que tudo indica, não poderia ter sido mais trágico: em questão de minutos, o Edmund Fitzgerald sumiu da tela do radar do Arthur M. Anderson, muito possivelmente após ser engolido inteiro pelas águas em convulsão do lago.

Era o fim do maior navio dos Grandes Lagos e início de um enigma que jamais teve uma resposta: o que fez o Edmund Fitzgerald afundar tão subitamente, decretando a morte de seus 26 tripulantes?

O motivo mais provável é que tenham sido aquelas duas ondas gigantescas, em sequência – a primeira teria erguido a popa do navio a níveis absurdos, e a segunda acelerado a descida do cargueiro de encontro a primeira, mergulhando o navio no lago feito um míssel.

O impacto com a onda também teria partido o comprido casco ao meio, fazendo com que o cargueiro descesse para o fundo dividido em duas partes – e a da popa, onde estava a maior parte da tripulação, virada de cabeça para baixo, o que pode ter feito com que alguns tripulantes tenham tido uma morte lenta e sufocante.

Nenhum pedido de socorro foi enviado.

Certamente, porque não deu tempo.

A busca inicial por sobreviventes foi realizada pelo próprio Arthur M. Anderson.

Mas não trouxe resultados.

Logo, a despeito do mau tempo, chegaram outros navios, convocados pelo comandante do cargueiro.

E, também, nada foi encontrado.

Só quatro dias mais tarde, um avião da Marinha dos Estados Unidos, equipado com um aparelho detector de anomalias magnéticas submersas, encontrou as duas partes do Edmund Fitzgerald, separadas por mais de 70 metros de distância, a 160 metros de profundidade.

Quando isso aconteceu, as teorias sobre o naufrágio mais famoso da história dos Grandes Lagos já haviam se multiplicado e permitido todo tipo de especulação.

Uma delas pregava que o navio, de tão grande e comprido, havia sofrido um rompimento estrutural causado pelo fato de a junção das placas de aço do seu casco terem sido feitas com solda, e não rebites, o que o teria tornado excessivamente rígido.

Outra tese defendia que algumas tampas dos compartimentos de carga haviam se soltado, permitindo a inundação dos compartimentos de carga, como já havia acontecido com dois deles no início da travessia, pela má fixação das travas, que não teriam sido rosqueadas até o fim – como o comandante do Edmund Fitzgerald contara ao seu colega do Arthur M. Anderson pelo rádio.

E até o sabido hábito do capitão McSorley de forçar o seu navio ao máximo, por confiar na resistência dele, foi usado para acusá-lo, postumamente, de negligência irresponsável.

No entanto, a tese mais aceita sempre foi a das duas ondas em sequência, como relatado pelo comandante do Arthur M. Anderson, que jamais se perdoou por não ter chegado a tempo ao local onde o Edmund Fitzgerald o aguardava, navegando em ritmo lento – o que, certamente, também contribuiu para a tragédia, porque impediu o navio de chegar a margem antes de ser atingido pelas ondas.

Oficialmente, porém, a causa do naufrágio jamais foi decretada, já que a única parte resgatada do navio foi o seu sino, hoje principal peça do Museu dos Naufrágios dos Grandes Lagos, em Whitefish, no estado de Michigan – mesmo local onde o Edmund Fitzgerald tentou desesperadamente chegar naquela noite de 1975.

E onde, desde então, todo dia 10 de novembro, um farol emite melancólicos fachos de luzes em direção ao horizonte, em homenagem às vítimas da mais famosa tragédia daquele conjunto de lagos, que, de plácidos, não têm nada.

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O que aconteceu com a inglesa que desapareceu no mar do Caribe?

O que aconteceu com a inglesa que desapareceu no mar do Caribe?

Há três anos, um mistério intriga os moradores de St. John, uma das Ilhas Virgens Americanas, no Caribe: o que aconteceu com a velejadora inglesa Sarm Joan Lillian Heslop, uma ex-comissária aérea de 41 anos, que aparentemente desapareceu do barco onde viva com o namorado, o americano Ryan Bane?

A última notícia que se teve dela foi na madrugada do dia 8 de março de 2021, quando o seu namorado ligou para a Guarda Costeira das Ilhas Virgens, e para o serviço de emergências dos Estados Unidos, dizendo que havia acordado e constatado que Sarm havia “desaparecido do barco”, então ancorado a menos de 100 metros da praia de Frank Bay, um ponto bastante frequentado por donos de veleiros naquela parte do Caribe.

A ligação ocorreu às 02h30 da madrugada.

Nas primeiras horas da manhã seguinte, a Guarda Costeira foi até o barco de Bane, mas se limitou a verificar superficialmente os equipamentos de segurança e fazer uma busca superficial no mar da região – sem nada encontrar.

Na ocasião, Bane atendeu os oficiais da Guarda Costeira na parte externa da embarcação, um bonito veleiro catamarã de 15 metros de comprimento, chamado Siren Song (“Canto da Sereia”, em português), sem permitir que eles entrassem na cabine.

Ainda mais estranho, porém, foi o fato de Bane só ter relatado o caso à Polícia da ilha às 11h46 daquele dia, quase dez horas após o suposto sumiço da namorada.

Por que tamanha demora para comunicar o desaparecimento da companheira à Polícia é a principal – mas não única – pergunta ainda sem resposta neste misterioso caso.

Desde então, a Polícia das Ilhas Virgens Americanas, aparentemente, nada fez para investigá-lo.

De acordo com o que Bane disse à Polícia, ao ligar para a delegacia no final daquela manhã, o casal havia ido dormir por volta das 22h00, do dia 7 de março de 2021, após sair para jantar em terra firme. Mas ao acordar no meio da madrugada, despertado pelo alarme de âncora do seu barco, ele deu por falta da namorada a bordo.

“Acho que ela caiu no mar”, disse o americano pelo telefone à Polícia, sem maiores detalhes.

Também segundo ele, todos os pertences de Sarm Heslop, inclusive o seu celular e passaporte, permaneciam a bordo, bem como o bote de apoio do barco, o que, ao menos a princípio, descartava a hipótese de ela ter fugido enquanto ele dormia – embora isso pudesse ter sido feito à nado, já que eles estavam ancorados bem próximos à praia.

Mas por que ela teria fugido, se, também segundo o namorado, não tinham tido nenhuma briga ou discussão na noite anterior?

Após o tardio comunicado de Bane à Polícia (que foi atendida por ele na praia, sem acesso ao barco), mergulhadores, donos de outros veleiros e até um helicóptero iniciaram buscas no mar da região.

Sem também nada encontrar.

Enquanto isso, o namorado de Sarm – e, desde o começo, principal suspeito pelo seu desaparecimento – negava sucessivamente permissão para que a Polícia entrasse no barco, a fim de periciá-lo – procedimento básico nesse tipo de caso.

Mesmo ele sendo a última pessoa vista com a vítima.

Isso só fez aumentar ainda mais as desconfianças sobre Bane, embora outras teorias para sumiço da inglesa tenham surgido.

Uma delas pregava que Sarm Heslop teria simplesmente fugido para outra ilha, ainda que, aparentemente, sem nenhum motivo, já que o dono do restaurante onde eles jantaram na noite anterior disse não ter testemunhado nenhuma discussão ou desentendimento entre o casal.

E por que ela fugiria sem levar sequer os seus documentos e pertences?

Outra tese defendeu que a inglesa poderia ter sido vítima de uma overdose de entorpecentes, já que o local onde estavam ancorados é particularmente famoso na região pela liberalidade dos seus frequentadores.

Isso teria levado o assustado namorado a se livrar do corpo, para não ser incriminado pelo uso de drogas.

Ou então que, por estar drogada, Sarm poderia ter sofrido uma queda involuntária no mar, e não ter tido condições de retornar sozinha ao barco, enquanto o namorado dormia na cabine.

Mas, se foi um acidente, por que o namorado demoraria tanto para dar o alarme sobre o desaparecimento da inglesa?

Ele alegou que passou muito tempo vasculhando o mar ao redor do barco, antes de acionar as autoridades.

Mas, talvez, Ryan Bane não estivesse em condições de chamar a Polícia por conta dos efeitos do que eventualmente o casal tivesse consumido na noite anterior – daí a demora na comunicação do “desaparecimento”.

Segundo a Guarda Costeira, que esteve com Ryan Bane na manhã seguinte ao chamado, ele ainda parecia estar ligeiramente “embriagado”, embora isso não configurasse nenhum delito, já que o seu barco estava ancorado.

Mas – de novo – por que Bane levou tanto tempo para acionar a Polícia da ilha, e – ainda mais entranho – por que não permitiu que ela vistoriasse o interior do barco?

Segundo o advogado de Ryan Bane (que, no passado, chegou a ser preso nos Estados Unidos por agressão a sua ex-esposa), seu cliente não permitiu a vistoria do barco “por não confiar na Polícia da ilha e por temer que fossem ´plantadas` provas contra ele a bordo”.

E a Polícia alegou que nada pôde fazer para obrigá-lo a permitir a perícia do barco.

Por trás daquele aparente caso de escancarada omissão policial (a polícia ser impedida, pelo próprio suspeito, de interrogá-lo, e também de examinar o local onde um eventual caso policial aconteceu), estava a Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante a todo cidadão americano, como era o caso de Bane, o direito de permanecer calado, a fim de evitar a autoincriminação – e de exigir da Polícia um mandato de busca expedido por um juiz, antes de permitir a entrada em uma propriedade privada, como era o caso do barco onde o casal morava.

Mas nenhum juiz das Ilhas Virgens Americanas – país que, como o próprio nome diz, tem estreita ligação com os Estados Unidos -, aceitou expedir um mandado de buscas no barco, sob a alegação de que caberia, primeiro, à Polícia fornecer elementos que justifiquem a suspeita sobre Bane.

Criou-se, então, um impasse: a Polícia precisaria examinar o interior do barco, a fim de colher evidências que incriminassem o suspeito, mas os juízes alegavam que só poderiam autorizar isso se a Polícia apresentasse provas do envolvimento dele no desaparecimento da namorada.

“Sem um mandado de busca, nós simplesmente não podemos entrar no barco e ele também tem o direito de não prestar depoimento”, explicou, na ocasião, o porta voz da Polícia local.

Ao mesmo tempo, a Polícia passou a considerar outra hipótese: a de Sarm não ter sequer retornado ao barco naquela noite, após o jantar, e de seu “desaparecimento” ter ocorrido quando os dois ainda estavam em terra firme – o que, no entanto, contrariava o que Bane havia dito ao ligar tanto para a Guarda Costeira quanto para a própria Polícia.

Com o passar do tempo, as investigações estancaram – a despeito dos permanentes protestos de amigos e familiares da desaparecida, que chegaram a oferecer, através de uma vaquinha feita na Internet, uma recompensa de 10 000 libras esterlinas a quem desse alguma pista sobre o paradeiro da inglesa, ou sobre o que aconteceu naquela noite, entre ela e o namorado.

Com isso, sete meses após desaparecimento da inglesa, Bane levantou âncora e partiu com o seu barco da ilha de St. John, sem que pudesse ser impedido pela Polícia, já que, tecnicamente, não há nenhuma acusação formal contra el.

E nunca mais retornou.

Durante dias, sua localização se tornou desconhecida.

Até que jornalistas ingleses que acompanham o caso, descobriram o novo paradeiro de Bane: uma marina na ilha de Grenada, também no Caribe, mas a 500 milhas de distância, fora, portanto, da jurisdição das Ilhas Virgens Americanas.

Ali, Bane mudara o nome do barco de Sireng Song para Orion´s Belt e o vendera.

A notícia da venda do barco deixou os familiares de Sarm indignados: não haveria mais como vistoriá-lo, embora muito tempo já tivesse passado – o bastante para o principal suspeito se livrar de qualquer prova incriminatória a bordo.

Após a venda do barco, Ryan Bane voltou a viver nos Estados Unidos, onde sequer é investigado – muito menos suspeito de assassinato.

Como a investigação também não avançou na ilha, o misterioso desaparecimento da velejadora inglesa tem tudo para se tornar uma enigmática pergunta sem resposta:

O que aconteceu com Sarm Heslop?

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André Cavallari, leitor

A grande trapaça na maior das regatas

A grande trapaça na maior das regatas

Em maio de 1967, o velejador inglês Francis Chichester virou ídolo na Inglaterra ao completar a primeira circum-navegação do planeta velejando em solitário, com apenas uma escala.

O feito, até então inédito, animou os velejadores a tentar superá-lo, fazendo a mesma travessia sem parada alguma – algo ainda mais ousado.

Aproveitando todo aquele entusiasmo, em março do ano seguinte, o jornal inglês Sunday Times resolveu promover a primeira regata de volta ao mundo sem escalas, a Golden Globe, que inaugurou a era das ainda mais desafiadoras competições oceânicas ao redor do globo.

Nove competidores se inscreveram. Um deles, apenas de olho no gordo prêmio de 5 000 libras esterlinas para o vencedor da regata.

Seu nome, Donald Crowhurst. E ele acabaria entrando para a história das regatas pela porta errada.

Até o final dos anos de 1960, Donald Crowhurst era um simples velejador de fim semana, dono de uma pequena empresa de equipamentos de navegação no interior da Inglaterra.

Mas, endividado até as orelhas (e vendo naquela regata também uma oportunidade de divulgar os produtos que fabricava), resolveu se inscrever na Golden Globe.

Perto, porém, do nível dos demais participantes, entre eles o francês Bernard Moitesseier e o também inglês Robin Knox-Johnston, ambos lendários no mundo da vela, Crowhurst não passava de um pretencioso azarão, sem chance alguma de vitória.

Ele não tinha sequer um barco a altura do desafio de atravessar o planeta inteiro velejando. Muito menos dinheiro para construí-lo.

Mas, persuasivo, conseguiu convencer um rico empresário, Stanley Best, a financiar a construção de um trimarã de 40 pés, que ele mesmo projetara.

Em troca, assinou um contrato no qual se comprometia a pagar ao seu patrocinador as 12 000 libras esterlinas investidas na construção do barco, caso algo desse errado com o trimarã na regata.

Mas Crowhurst não tinha este dinheiro para pagá-lo.

A falta de experiência de Crowhurst na construção de um barco de tamanha envergadura gerou seguidos atrasos na construção do Teignmouth (nome da sua cidade) Electron (marca dos equipamentos que ele produzia), como o barco foi batizado.

O trimarã só ficou pronto uma semana antes do prazo final para a largada da regata. E, ainda assim, com sérios problemas de navegabilidade, que só foram descobertos quando foi finalmente para a água.

A partida de Crowhurst de sua cidade foi, ao mesmo tempo, pomposa e patética. Praticamente todos os moradores foram saudá-lo no porto.

Mas, tão logo ele partiu, retornou. Alguns estais, cabos que sustentavam o mastro, haviam sido fixados errados. Um erro primário.

Uma hora e meia depois, com os cabos improvisadamente presos, ele partiu de novo. Mais atrasado do que nunca para a largada da regata.

Na Golden Globe, os competidores não precisavam largar juntos, porque o que valeria seria o total de dias gasto por cada barco no longo percurso.

Mas havia um prazo máximo para a partida: 31 de outubro.

Crowhurst chegou a Falmouth, ponto de partida da prova, apenas na véspera.

Foi o último a partir. E o primeiro a acusar problemas no barco.

Duas semanas depois, quando descia o Atlântico rumo a costa brasileira, de onde os participantes tomariam o rumo da ponta da África, oceano Índico e por aí afora, Crowhurst teve a confirmação do que tanto temia: seu barco não tinha condições de enfrentar aquele desafio, muito menos os mares bem mais violentos do que as calmarias da Linha do Equador, onde ele se encontrava.

Mesmo navegando em condições extremamente favoráveis, o Teignmouth Electron já acumulava uma desesperadora lista de defeitos, a começar por sinistras rachaduras no casco, que permitiram a entrada de água nos porões e danificaram o gerador.

Num só dia, conforme registrou no diário de bordo, Crowhurst retirou, com baldes, porque as bombas também não estavam funcionando direito, mais de 500 litros de água do interior dos cascos.

A epopéia também foi narrada, pelo rádio, à sua mulher, Clare, que, um tanto angustiada, acompanhava a evolução inicial de Crowhurst na regata.

As rachaduras no casco trouxeram a mente de Clare as dramáticas últimas horas do marido em casa, quando, na noite da véspera da partida, ele confessara, chorando, que estava muito desapontado com o barco e pedia a opinião da esposa sobre sua participação na regata.

Sabendo que o marido precisa de uma injeção de ânimo, Clare, mesmo um tanto a contragosto, o incentivou.

– Se você desistir agora, será infeliz pelo resto da vida -, disse.

No dia seguinte, Clare e os filhos se despediram de Crowhurst, que partiu com seu barco problemático. Seria a última vez que o veriam.

Tempos depois, ao ser entrevistada pelo mesmo jornal que promovera a regata, Clare Crowhurst disse o quanto se arrependera daquele comentário.

– O que Donald, secretamente, estava me pedido naquela noite é que o detivesse. E eu fiz exatamente o contrário.

Para Crowhurst, no entanto, era tarde demais.

Embora atormentado pelo mau funcionamento do Teignmouth Electron, ele se sentia acuado por aquela cláusula no contrato. Desistir da regata seria decretar a sua ruína financeira.

Por outro lado, ele sabia que o seu barco não só não tinha nenhuma chance de vitória, como sequer seria capaz de completar a prova, o que também o levaria a ter que “comprá-lo”, sem que tivesse recursos para isso.

Foi quando Crowhurst teve a ideia que, esta sim, acabou selando o seu fim: ele “venceria” a regata – mas sem sair de onde estava.

Numa época em que não havia navegação por satélite e todas as comunicações no mar eram feitas apenas por rádio ou telégrafo, mentir sobre a localização de um barco era coisa fácil.

Na Golden Globe, cabia aos próprios participantes irem informando os seus avanços.

Bastava, portanto, passar coordenadas fictícias aos organizadores da regata, para “assumir” a liderança da competição na reta final, que, providencialmente, era ali mesmo, no Atlântico, onde Crowhurst já estava.

Portanto, tudo o que ele tinha que fazer era ficar perambulando pelo Atlântico e aguardar alguns meses para “vencer” a competição, livrando-se assim da multa com o patrocinador e ainda colocando um bom dinheiro no bolso pela vitória.

Um plano, enfim, perfeito.

Até porque a habitual integridade dos velejadores, especialmente os ingleses, como também eram os organizadores da Golden Globe, jamais levaria alguém a pensar em tal tipo de trapaça.

Ninguém.

Menos Donald Crowhurst.

A primeira providência dele foi criar um segundo livro de bordo.

Nele, Crowhurst passou a registrar os avanços fictícios do Teignmouth Electron informados aos organizadores da regata, enquanto o diário original seguiu marcando a posição real do barco – algo que tinha tudo a ver com o seu jeito metódico.

Em seguida, traçou sua verdadeira rota, que jamais extrapolaria o Atlântico, e deu início a grande farsa.

Logo após cruzar a Linha do Equador, Crowhurst enviou uma mensagem dizendo ter avançado 170 milhas náuticas em apenas um dia, quando, na verdade, não passara de míseras 13.

Semanas depois, foi ainda mais longe na mentira: garantiu ter batido o recorde mundial de singradura, com incríveis 243 milhas navegadas em apenas 24 horas, o que deixou um tanto intrigado o próprio Francis Chichester, um dos fiscais da regata.

Crowhurst percebeu isso e tomou outra providência: desligou o rádio, a fim de não ser interpelado.

E seguiu perambulando lentamente em ziguezagues pelo Atlântico.

No Natal, chamou a mulher e disse estar se prestes a dobrar a ponta da África, quando apenas zanzava pela costa brasileira.

Para quem recebia seu relatos, a “performance” de Crowhurst era realmente espantosa. Ainda mais depois de tantos problemas antes da largada.

As informações sobre o desempenho extraordinário do Teignmouth Electron animaram, o patrocinador do barco.

No início de janeiro, ele pediu à rádio de Cidade do Cabo que tentasse um contato com Crowhurst para felicitá-lo e informá-lo que, como prêmio pelo que havia conseguido até ali, estava cancelando a cláusula contratual sobre o tal pagamento do barco.

Mas, como o rádio do Teignmouth Electron permanecia desligado, Crowhurst não ficou sabendo da novidade, que poderia ter lhe poupado a vida.

Ele já poderia retornar a Inglaterra sem falir. Mas, ironicamente, não o ouviu a mensagem.

Nos dois meses seguintes, Crowhurst ficou vagando entre a costa sul do Brasil e o Uruguai.

Mas, a bordo do precário Teignmouth Electron, as coisas não iam nada bem.

O gerador funcionava tão mal que Crowhurst passava as noites às escuras, sem sequer luzes de navegação.

Com isso, mal dormia, porque precisava ficar atento a aproximação de eventuais navios.

O piloto automático também não funcionava. E as rachaduras no casco seguiam vertendo água, o que começou a mofar parte da comida.

Em 6 de março, a situação se tornou insuportável. Crowhurst resolveu, então, fazer uma parada no esquecido povoado de Rio Salado, na costa da Argentina, para reparos no casco do Teignmouth Electron, apesar do risco que isso representava.

Se fosse identificado, ele não só seria desclassificado da regata, que proibia paradas, como acabaria desmascarado, porque, àquelas alturas, dizia estar cruzando o Índico, no encalço dos líderes.

Mas não havia sequer telefones em Rio Salado e o único agente do povoado nem de longe desconfiou que aquele gringo estivesse fazendo algo de errado, embora ele tivesse remendado o barco com toscas pranchas de madeira.

Dois dias depois, Crowhurst voltou ao mar. E continuou o teatro.

Lá na frente, contudo, as dificuldades para os competidores também não eram poucas.

Entre os demais oito barcos, só três restavam na competição: os ingleses Robin Knox-Johnston e Nigel Tetley e o francês Bernard Moitessier.

Logo, seriam só dois, depois que o líder Moitessier, já na reta final do Atlântico, resolveu abandonar a regata, dar meia-volta e rumar para a Polinésia Francesa, onde passou a viver longe da civilização.

Com isso, Knox-Johnston disparou para a linha de chegada e foi o primeiro a retornar a Inglaterra.

Mas, no total de dias gastos na travessia, era certo que perderia para Tetley, que vinha em segundo, e até para o mentiroso Crowhurst, que, pelo rádio, agora dizia estar no encalço do rival e se aproximando rapidamente.

Era o ato final da farsa. O momento de “assumir” a liderança.

Mas acabou sendo o fim para Donald Crowhurst.

Cada vez mais intrigado com os avanços de Crowhurst na perseguição a Tetley, Francis Chichester passou a desconfiar seriamente do compatriota. E este, temendo ser desmascarado, resolveu mudar de estratégia.

Ele não mais “venceria” a regata (porque sabia que isso geraria uma checagem apurada em seu diário de bordo), mas chegaria em segundo, ganhando assim algum dinheiro e se livrando tanto da multa do seu patrocinador, que ele não sabia ter sido abolida, quanto de uma conferência mais severa nos seus registros.

Tudo o que ele tinha que fazer era chegar atrás de Tetley. Quem, afinal, se preocuparia em investigar um perdedor?

Mas quis o destino que não fosse bem assim.

Pressionado pelos comunicados de Crowhurst que relatavam “avanços acelerados no Atlântico”, Tetley passou a forçar seu barco ao máximo.

Chegou a fazer furos no casco para contornar alguns problemas de vazamentos que vinha enfrentando.

Até que, durante uma tempestade nas imediações dos Açores, a pouco mais de 1 000 milhas da linha de chegada, quando navegava com mais velas do que deveria, Tetley capotou e naufragou.

Ao saber do desastre de Tetley, que, no entanto, sobreviveu ao naufrágio, Crowhurst desesperou-se.

Ele, agora, estava condenado a “vencer a regata” e encarar a verdade sobre a sua farsa. Foi demais para o seu já fraco equilíbrio emocional.

Nos dias subsequentes, Crowhurst começou a dar claros sinais de confusão mental.

Enredado em sua própria teia de mentiras, encurralado e sentindo remorso pela atitude tomada, ele passou a fazer anotações desconexas sobre o cosmo, teorias de Einstein e outros absurdos em seus diários de bordo, que de livros marítimos se tornaram quase metafísicos.

Perdeu, também, a noção do tempo. Na solidão do seu cada vez mais precário barco (a cabine era uma permanente bagunça, com peças e comidas estragadas por todos os lados, como registrava no diário verdadeiro), foi perdendo a própria sanidade.

Por fim, perdeu o rádio, seu único meio de contato com o restante da humanidade. Para Crowhurst, restaram apenas os diários.

E foi neles que ele registrou o improvável.

Em 1o de julho de 1969, num dos seus já raros momentos de lucidez, Crowhurst fez o último registro no diário de bordo.

E contou a verdade.

“Não há porque prolongar o jogo”, escreveu. “Vem sendo um bom jogo, mas é preciso terminá-lo. Acabou, acabou”.

Terminou o seu testamento com um pedido de misericórdia – “Mercy”, em inglês, título que, anos depois, seria usado no filme que narrou sua vida.

Até hoje, os restos do seu trimarã, o Teignmouth Electron, jazem, abandonados e destruídos, em uma praia das Ilhas Cayman, no Caribe, para onde as correntes marítimas o levaram.

A família jamais quis resgatar o barco.

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“Livro fantástico, mais que recomendado”
Márcio Bortolusso, documentarista e explorador