A menina que partiu, sozinha, para dar a volta ao mundo com um barco aos 14 anos de idade

A menina que partiu, sozinha, para dar a volta ao mundo com um barco aos 14 anos de idade

Laura Dekker foi concebida no mar, durante uma lenta e despretensiosa travessia de volta ao mundo a vela feita pelos seus pais, que durou sete anos.

Ela nasceu durante uma escala na Nova Zelândia, e, mesmo não passando de um bebê, seguiu viagem no barco, até que a família retornou a Holanda, três anos depois.

Laura aprendeu a engatinhar no convés do veleiro e começou a nadar antes mesmo de caminhar.

Nos seus dez primeiros anos de vida, viveu somente um em terra firme.

Com tamanho retrospecto, era de se esperar que a menina rapidamente se adaptasse a vida no mar.

Mas o que ela fez superou todas as expectativas.

Com apenas seis anos de idade, Laura Dekker construiu seu primeiro barquinho, não mais que uma espécie de balsa com uma vela adaptada, e começou a velejar sozinha, na baía onde o barco da família ficava ancorado.

Com 11, já a bordo de um pequeno veleiro, passou sete semanas contornando toda a costa holandesa, igualmente sozinha a bordo.

Aos 13, repetiu a dose, mas desta vez foi bem mais longe, velejando em solitário da Holanda até a Inglaterra.

E, aos 14, partiu para realizar o seu sonho: contornar todo o planeta navegando com um veleiro de dois mastros e 38 pés de comprimento, o Guppy, decorado com o infantil desenho de um peixinho saltitante na proa.

E sozinha, como sempre fizera. Desde criança.

Dois anos depois, em 2012, Laura Dekker retornou, com o título de mais jovem velejadora da História a dar a volta ao mundo navegando sozinha no currículo.

Tinha, então, pouco mais de 16 anos de idade, e havia velejado, em solitário, mais de 28 000 milhas náuticas, ao longo de 366 dias no mar.

O mundo da vela ficou estarrecido: como aquela menina havia conseguido dar a volta ao mundo velejando sozinha um barco com a complexidade de dois mastros, e sem nenhum contratempo durante toda a viagem?

Mas Laura não ficou tão impressionada assim com o seu feito.

Velejar, para ela, era algo tão natural quanto caminhar.

Além disso, a maior batalha daquela inédita travessia ela vencera antes mesmo de partir: o difícil convencimento pelas autoridades holandesas de que aquela adolescente possuía reais capacidades para contornar o planeta navegando sozinha, e voltar viva. E isso, sim, não foi nada fácil.

Amparados na lei holandesa que determina que toda criança é obrigada a frequentar a escola até os 16 anos de idade – dois a menos que Laura tinha ao decidir dar a volta ao mundo em solitário -, a Justiça da Holanda decidiu impedir que a menina partisse.

De nada adiantou o extraordinário histórico náutico de Laura, desde o seu nascimento.

Nem o pleno consentimento de seus pais para aquela viagem, que repetia a que eles mesmo haviam feito, no passado.

Para os órgãos do serviço social holandês, Laura, mesmo tendo dupla nacionalidade (holandesa e neozelandesa, já que nascera nas águas daquele país da Oceania), era jovem demais para cuidar de si mesma no mar.

A pendenga, potencializada pela então recente frustrada tentativa da jovem americana Abby Sunderland, de 16 anos, de também dar a volta ao mundo velejando em solitário, o que resultou numa dramática operação de resgate no meio do Índico, após ela perder o mastro do barco, rendeu meses de discussões nos tribunais holandeses, até que chegou-se a um acordo: Laura poderia fazer a travessia, desde que se comprometesse a seguir um currículo escolar durante a própria viagem, com tarefas via Internet, algo nem sempre fácil quando se está sozinho no meio do oceano e tendo que dividir o tempo entre lições de casa e o comando do barco – que, obviamente, tinha prioridade.

Entre aprender ou sobreviver, Laura, acertadamente, sempre optou pela segunda opção, ainda que seus pais recebessem constantes advertências de que a menina não estivesse entregando os deveres escolares no tempo adequado.

Ela, no entanto, não ligava para as reclamações dos fiscais do governo holandês.

“Meu pai e o mar foram os melhores professores que eu tive”, disse apenas Laura, ao retornar, vitoriosa, em 21 de janeiro de 2012, para a ilha caribenha de Saint Maarten, onde oficialmente completou a sua recordista volta ao mundo.

Para evitar novos conflitos com o governo holandês, ela optou por não terminar a viagem na Holanda, de onde partira, em agosto de 2010, e, do Caribe, ainda seguiu em frente mais meio mundo velejando sozinha, até a Nova Zelândia, onde nascera e decidiu viver, completando assim uma volta e meia ao redor do planeta em solitário.

E tudo isso com apenas 16 anos de idade.

Na Nova Zelândia, onde vive até hoje, administrando uma fundação que leva o seu nome e se dedica a formar novos velejadores, Laura Dekker escreveu um livro sobre a sua extraordinária jornada, se tornou a mais jovem navegadora a receber o certificado de Yacht Master Oceânico e foi eleita, naquele ano de 2012, a Velejadora do Ano, título que representa muito em uma nação onde a vela é o segundo esporte mais popular do país.

Só o que Laura não conseguiu foi ter o seu feito reconhecido pelo Livros dos Recordes e pela Federação Mundial de Vela, porque, tal qual o governo holandês, as duas entidades preferiram não oficializar o recorde, “para não estimular outros jovens a fazerem o mesmo”.

A burocracia, por fim, venceu a ousadia.

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As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

Na tarde do dia 1 de janeiro de 1995, pela primeira vez, uma onda oceânica com proporções fora de qualquer padrão foi registrada e testemunhada por várias pessoas ao mesmo tempo.

O colosso de água chegou a 26 metros de altura (num dia em que o tamanho das ondulações não passava dos 12 metros) e quase pôs abaixo a plataforma de petróleo Draupner, fincada no Mar do Norte, onde estavam as pessoas que as puderam testemunhar – e que só sobreviveram porque estavam abrigadas numa plataforma bem alta e não num simples navio.

Foi a primeira vez que se produziu uma prova irrefutável de que as ondas oceânicas anormais existiam de fato – porque, até então, nenhuma de suas vítimas sobrevivera para contar a história.

Batizada de “Onda do Ano Novo”, aquela muralha d’água do primeiro dia de 1995 gerou a classificação de um novo tipo de ondulação marítima, que até então a ciência relutava em admitir.

Não era um tsunami nem consequência de algum maremoto distante. Tampouco fazia parte de uma série de ondas do mesmo tamanho. Era uma onda solitária, mas absurdamente alta, em meio a outras menores. Quase uma anomalia da natureza.

Mas, depois daquele dia, os pesquisadores (que, até então, insistiam na tese de que as ondulações oceânicas seguem padrões lineares de tamanho, portanto, não poderiam variar tanto de uma onda para outra), começaram a descobrir que as ondas gigantes não eram tão anormais assim.

Embora não suficientemente estudadas até hoje, sabe-se que as “ondas loucas” (“freak waves”, em inglês, como são conhecidas estas ondulações solitárias e monstruosas que surgem eventualmente nos oceanos) são formadas pela “sucção” das ondas menores, o que além de crescê-las, aumenta sobremaneira o vão que as antecedem.

O resultado disso é o surgimento de uma espécie de “buraco” na água, seguido de uma descomunal parede líquida, quase tão vertical que chega a quebrar – feito uma onda de praia.

Mas o fenômeno só acontece em alto-mar e, aparentemente (já que a ciência ainda pouco sabe sobre as ondas gigantes), apenas em locais com situações especiais.

O Mar do Norte, entre a Irlanda e a Noruega, onde aconteceu o registro daquela Onda do Ano Novo, é um deles. Os mares da Antártica, também.

Mas em nenhum ponto do planeta o fenômeno é mais intenso do que na costa da África do Sul, o que explica o sumiço de tantos navios na região.

Ao longo do litoral sul-africano flui a Corrente das Agulhas, famosa por sua velocidade e mudanças climáticas abruptas. Em certas situações, ao se chocar com águas tempestuosas vindas da Antártica, a Corrente das Agulhas gera ondas absurdas. E algumas dessas ondulações ganham proporções fenomenais e viram “ondas loucas”.

Os cientistas estimam que a força de uma onda gigante pode chegar a 100 toneladas por m3 ou quase sete vezes mais do que podem suportar os navios, que são construídos para aguentar impactos de 15 toneladas por m2 de água batendo no casco. E como elas quebram feito ondas de praias, podem partir cascos ao meio, se desabarem em cima deles. São, portanto, quase uma sentença de morte para navios de pequeno e médio porte.

Hoje, na medida do possível, os navios tentam evitar navegar pelas zonas mais sujeitas ao surgimento das ondas gigantes. Mas, a verdade é que nunca se sabe quando – e onde – elas poderão surgir.

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As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

Na tarde do dia 1 de janeiro de 1995, pela primeira vez, uma onda oceânica com proporções fora de qualquer padrão foi registrada e testemunhada por várias pessoas ao mesmo tempo. O colosso de água chegou a 26 metros de altura (num dia em que o tamanho das ondulações...

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O histórico mergulho de um submarino no ponto mais profundo dos oceanos

O histórico mergulho de um submarino no ponto mais profundo dos oceanos

No final da década de 1950, o mundo já sabia que o ponto mais profundo dos oceanos (e do próprio planeta) era uma fenda submarina a quase 11 000 metros da superfície, a cerca de 200 quilômetros da ilha de Guam, no Pacífico.

Mas não tinha a menor ideia de como ela era e o que havia nela.

Foi quando a Marinha Americana resolveu responder a estas duas perguntas e assim aumentar ainda mais o seu prestígio.

Pouco antes disso, em 1953, o físico e oceanógrafo suiço Auguste Piccard (que, na década de 1930, havia se tornado o primeiro homem a atingir a estrastofera do planeta a bordo de balão que ele mesmo construíra), havia criado um pequeno submarino, na verdade um batiscafo, capaz de atingir incríveis profundidades.

Batizado de Trieste (nome da cidade italiana onde foi desenvolvido, mas que na época era um território livre administrado pela Iugoslávia), o engenho tinha 15 metros de comprimento, capacidade para duas pessoas e casco com espessura que variava entre 14 e 18 centímetros, capaz de suportar a pressão submarina equivalente a mais de 15 000 metros de profundidade.

Pelo menos era o que diziam os testes feitos em laboratório. Faltava, no entanto, comprovar se era isso era mesmo verdade.

Foi quando surgiu a vontade da Marinha Americana de realizar aquela experiência inédita.

No final de 1959, após o Trieste ter feito uma série de bem-sucedidos testes de submersões profundas no mar Mediterrâneo, a Marinha Americana resolveu comprá-lo de Piccard e dar início ao “Projeto Nekton”, cujo objetivo era chegar ao ponto mais profundo dos oceanos com um veículo tripulado.

Para pilotar o super-submarino, foi escolhido o próprio filho de Piccard, o engenheiro suíço Jacques, que já havia participado de todos os testes iniciais do Trieste. E para acompanhá-lo na missão inédita, foi designado o oficial Don Walsh, da própria Marinha Americana.

Nos primeiros dias de janeiro de 1960, o Projeto Nekton foi colocado em prática, inicialmente com uma série de mergulhos cada vez mais profundos do Trieste na própria região da Fossa das Marianas, onde seria tentado o feito.

Todos foram bem-sucedidos e o Trieste se mostrou seguro para levar aqueles dois homens às entranhas do ponto mais profundo de todos os mares do mundo.

Assim sendo, nas primeiras horas da manhã de 23 de janeiro, começou o mergulho histórico – que ganhou o nome de Challenger Deep, ou “Desafio Profundo”.

A lenta descida durou horas, com Piccard e Walsh espremidos dentro de um cubículo arredondado sob a “barriga” do batiscado, que, por sua vez, era totalmente ocupada por quase 100 000 litros de combustível.

O Trieste era como uma espécie de balão submarino, com o reservatório de combustível fazendo o papel de peso para a descida e, uma vez vazio, de boia para a subida. Já a “cabine” lembrava uma “gôndola” estilizada, hermeticamente fechada.

Durante todo o tempo em que ficaram debaixo d´água, Piccard e Walsh monitoraram intensamente o comportamento do batiscafo e se comunicavam com frequência com a superfície, através de uma espécie de telefone.

Até que, horas depois, tocaram o fundo da Fossa das Marianas, erguendo uma nuvem quase branca de suspensões na água de um pedaço do planeta que jamais havia sido visitado.

Ficaram ali por cerca de 20 minutos.

Mas, pouco antes disso, aconteceu a maior surpresa do experimento.

Pela minúscula janelinha iluminada do batiscafo, que era pouca coisa maior do que uma moeda, a fim de suportar a pressão de oito toneladas por polegada quadrada, Piccard e Walsh viram um peixe – um estranho ser quase transparente que habitava as profundezas.

Era a prova de que havia vida mesmo na parte mais inóspita dos oceanos.

O fato foi comunicado à base, que comemorou duplamente.

Em seguida, o Trieste começou o lento caminho de volta à superfície, onde só chegou no final do dia.

No regresso ao navio, Piccard e Walsh fincaram simbolicamente a bandeira americana no deque do barco, já que, por razões óbvias, não puderam fazer isso debaixo d´água.

A última fronteira do planeta havia sido, finalmente, conquistada.

Mais tarde, outros dois aparatos submarinos também chegaram ao ponto mais profundo da Fossa das Marianas, um deles com o diretor de cinema James Cameron, que, anos antes, havia descoberto os restos do Titanic no fundo do Atlântico Norte.

Já o Trieste continuou em atividade, feito uma espécie de precursor dos atuais submarinos não tripulados de grandes profundidades.

E, antes de ser aposentado, ainda ajudou a encontrar, no fundo do mar, o submarino americano USS Thresher, desaparecido em 1963.

Foi sua última missão.

Em seguida, o histórico batiscafo foi enviado para o Museu da Marinha Americana em Washington, onde se encontra em exposição até hoje.

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As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

As apavorantes “ondas loucas” oceânicas

Na tarde do dia 1 de janeiro de 1995, pela primeira vez, uma onda oceânica com proporções fora de qualquer padrão foi registrada e testemunhada por várias pessoas ao mesmo tempo. O colosso de água chegou a 26 metros de altura (num dia em que o tamanho das ondulações...

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O navio que decidiu o destino dos seus tripulantes

O navio que decidiu o destino dos seus tripulantes

O porto de Hamburgo estava particularmente agitado na manhã de 21 de julho de 1939. Entusiasmados com a boa performance da economia alemã, depois da crise desencadeada com o fim da Primeira Guerra, e embalados pelo forte sentimento nacionalista que tomava conta do país nos dias que antecederam o início de um novo conflito mundial, mais de uma centena de passageiros preparava-se para embarcar em um longo cruzeiro de ida e volta à África, a bordo de um dos melhores transatlânticos alemães da época: o Windhuk (“Canto do Vento”, em alemão). O navio era tão luxuoso que tinha uma tripulação quase duas vezes maior do que o número de passageiros: 250 tripulantes, quase todos tão alemães quanto o próprio comandante, Wilhelm Brauer.

A viagem estava prevista para durar 60 dias, com escalas em diversos países da Europa antes de descer até Moçambique, de onde o navio regressaria ao mesmo porto da Alemanha. Mas o Windhuk jamais voltou – embora nenhuma tragédia tenha acontecido naquela viagem. Ao contrário, ela teve um final feliz para todos os tripulantes do navio, mesmo tendo o Windhuk ido parar do outro lado do Atlântico, no porto brasileiro de Santos, cinco meses depois.

Quando, em 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polonia, dando início a Segunda Guerra, o Windhuk estava tranquilamente atracado no porto da Cidade do Cabo, na África do Sul, com seus passageiros aproveitando as mordomias de bordo, que incluiam uma requintada gastronomia. Mas a ordem era clara: o Windhuk deveria sair imediatamente daquela então colonia inglesa e retornar à Alemanha. Avisados, quase todos os passageiros decidiram desembarcar ali mesmo, ficando a bordo apenas os tripulantes – exceto um deles, que havia saído para passear em terra-firme no seu dia de folga e não conseguiu voltar para o navio a tempo

Às 22 horas do mesmo dia, o navio saiu do porto às pressas e com pouco combustível, o que levou o comandante Brauer a optar por navegar só até a cidade de Lobito, na costa da atual Angola, que nada tinha a ver com o conflito. Ali, ele esperava abastecer o navio e seguir viagem para a Alemanha.

Mas, no precário porto angolano, o Windhuk teve que esperar dois longos meses até que conseguisse um pouco mais de combustível e pudesse voltar ao mar. Confinados no navio, os tripulantes do Windhuk, inocentes garçons, camareiros, engenheiros e marinheiros, todos civis em nada envolvidos com a guerra, não faziam a menor ideia do que se passava na distante Europa. Tampouco o que o destino lhes reservaria dali em diante. Só restava esperar e torcer para que o navio conseguisse, finalmente, partir.

Cinco deles não suportaram a angústia da espera e traçaram um plano para voltar para casa por conta própria, com um dos barcos salva-vidas do navio. Certa noite, colocaram o bote na água e partiram a remo. Dois meses e meio depois – e após receberem a ajuda de um navio português que lhe forneceu mantimentos no meio do caminho -, o grupo foi dar numa praia das distantes Ilhas Canárias, num feito e tanto.

Já o comandante do Windhuk tinha outras preocupações além da fuga de tripulantes e da carência de suprimentos, inclusive comida para tanta gente a bordo, durante tanto tempo: ele não sabia como driblar os navios ingleses que já patrulhavam trechos da costa africana.

No início de novembro, depois de conseguir um pouco de combustível, surgiu uma brecha na patrulha dos ingleses. O Windhuk, então, partiu ainda mais escondido do que da primeira vez, juntamente com outro navio alemão, o Adolf Woermann, que também aguardava uma chance de escapar do cerco dos ingleses aquartelado naquele porto angolano. A bordo, não havia comida suficiente para toda a tripulação na longa a viagem que o Windhuk faria (uma ironia num navio famoso justamente por sua gastronomia), nem tampouco era garantido que o combustível desse para chegar a Alemanha.

Mesmo assim, o comandante Brauer mandou soltar as amarras, apagar todas as luzes do navio e ganhou o mar, seguido pelo Adolf Woermann, que, no entanto, não foi longe. Descoberto pelos ingleses, o outro navio alemão foi atacado e afundado logo após sair de Angola. Já o Windhuk seguiu em frente. Mas nem o seu comandante sabia exatamente para onde. Importante era escapar do cerco.

No afã de driblar os ingleses, o Windhuk navegou em linha reta Atlântico adentro, saindo da rota natural para a Europa e alongando a distância até a Alemanha – um grande problema frente a questão do combustível. Seria, portanto, necessário parar em outro porto, para reabastecer. Mas, qual, se os ingleses patrulhavam praticamente toda a costa africana? Foi quando Brauer teve a ideia de seguir em frente, cruzar todo o oceano e buscar recursos em algum país sul-americano, todos ainda neutros na guerra.

A fim de evitar as rotas mais usadas pelos navios, o comandante do Windhuk decidiu navegar bem mais ao sul do que o habitual. E quase foi parar nas ilhas Malvinas. O acréscimo extra no percurso tornou o nível do combustível ainda mais crítico.

Para economizar, o Windhuk passou a se arrastar no mar, a míseros seis nós de velocidade, quando tinha capacidade de navegar três vezes mais rápido do que isso, em velocidade de cruzeiro. Além disso, para escapar o mais rápido possível da crítica área da costa africana, ele chegou a navegar a 22 nós de velocidade, o que sugou sobremaneira os seus tanques.

A bordo do Windhuk, a situação dos tripulantes era angustiante. Eles não tinham comida, nem destino fixo, tampouco sabiam se o combustível daria para chegar a algum porto seguro. Gastavam os dias vendo o mar passar, lentamente, sob o casco, sem saber para onde estavam indo. Nem o comandante Brauer arriscava um palpite mais certeiro sobre para qual porto seguir. Sem muita convicção, acabou optando por rumar para Baia Blanca, na costa da Argentina.

Mas, para complicar ainda mais as coisas, foi informado dos ataques que o couraçado alemão Graf Spee vinha sofrendo na região e resolveu evitá-la. Foi quando o porto de Santos, na costa brasileira, surgiu como a melhor opção.

O Brasil ainda não havia entrado na guerra e, portanto, era seguro para um navio alemão. Ainda assim, Brauer tomou uma precaução: mandou camuflar o Windhuk com outro nome, outra bandeira e até outra cor no casco, que deixou de ser cinza e virou preto. A pintura, feita com latas de tinta que restavam no porão, aconteceu em pleno mar, durante a própria navegação, e foi uma arriscada epopéia que durou vários dias. Os marinheiros ficavam dependurados sobre a água, com o navio em movimento. Quem caísse estaria perdido, porque o comandante avisara que não haveria como manobrar o navio. Por sorte, ninguém caiu.

O novo nome e a nova “nacionalidade” do Windhuk foi escolhida ao acaso. Como havia alguns asiáticos trabalhando na lavanderia do navio, Brauer optou pelo nome de um navio japonês que costumava visitar o porto para o qual estavam indo, o Santos Maru, e mandou que os tripulantes orientais o escrevessem num pedaço de papel, para ser copiado no casco – bem como a confecção de uma bandeira, algo fácil no caso da japonesa, que se resume a uma bola vermelha sobre fundo branco.

E assim foi feito. Só que os tripulantes eram chineses, não japoneses, e o novo nome do Windhuk acabou escrito com caracteres errados.

Mas ninguém percebeu o erro. Nem mesmo os práticos do porto de Santos, que, ao verem o navio chegando, estranharam apenas o fato de o verdadeiro Santos Maru ter voltado tão rápido, já que havia partido dali dias antes. E, ainda por cima, voltou com duas chaminés em vez de apenas uma.

A confusão foi esclarecida, entre risos e tapinhas nas costas, assim que os funcionários do porto subiram a bordo e deram de cara com uma tripulação de alemães de olhos azuis e não japoneses de olhos puxados. Mas, como o Brasil ainda nada nutria contra a Alemanha, nada aconteceu com eles. Apenas o navio ficou retido, como era praxe nos tempos de guerra. Era o dia 7 de dezembro de 1939 – data que, até hoje, é comemorada pelos descendentes daqueles mais de 200 alemães, que nunca mais quiseram sair do Brasil.

Para os 244 tripulantes do Windhuk, a nova e tranquila vida em Santos passou a ser uma espécie de recompensa pelas privações e temores que passaram durante aquela longa e tensa viagem. Eles ganharam a liberdade de fazer o que bem quisessem, desde que não saíssem do munícipio. Inclusive deixar o navio e ir morar na cidade. Alguns começaram a namorar garotas. Outros se casaram, como os tripulantes Hildegard e August Braak, cuja cerimônia aconteceu no próprio navio e com a presença até do prefeito.

Para os moradores de Santos, aquele grupo de alemães boas-praças nada tinha a ver com as notícias ruins que chegavam da Europa. E não tinham mesmo, porque não passavam de pacíficos marinheiros transformados em vítimas indiretas da guerra. Eles ficaram na cidade por mais de dois anos, em total harmonia com os brasileiros.

A situação só começou a mudar em janeiro de 1942, quando, em resposta ao afundamento de navios brasileiros na costa do Nordeste, o Brasil decretou guerra aos países do Eixo. Imediatamente, todos os tripulantes do Windhuk foram presos, na mesma cidade onde já se sentiam em casa.

Contribuiu também para isso o gesto patriótico de alguns deles, a começar pelo comandante Brauer, de sabotar o próprio navio no porto de Santos. Quando ficaram sabendo que o Windhuk seria confiscado e vendido aos americanos, então já em guerra contra a Alemanha, eles trouxeram sacos de areia, pedra e cimento para dentro do navio e atiraram dentro do seu maquinário, que ficou inutilizado. O objetivo era que o Windhuk não pudesse mais navegar e assim não saísse do Brasil. Mas não foi o que aconteceu.

Rebocado, o navio acabou sendo levado para os Estados Unidos, onde foi recuperado e convertido em navio de combate. Já o destino dos seus tripulantes foi ainda mais improvável.

Depois de passarem uma temporada na Casa de Detenção de Imigrantes, em São Paulo (eles eram tão numerosos que não cabiam na pequena cadeia de Santos), acabaram se transformando nos primeiros ocupantes dos campos de concentração em território brasileiro, aqui chamados de “campos de internação”. E para onde, depois, também foram levados italianos e japoneses.

A bordo de um trem lacrado e com a patética escolta de soldados fortemente armados, os pacatos tripulantes alemães foram divididos em grupos e mandados para cinco destes campos, todos no interior do estado de São Paulo: Bauru, Ribeirão Preto, Pirassununga, Guaratinguetá e Pindamonhangaba, este o maior do gênero no país. Neles, no entanto, a despeito do trabalho por vezes forçado, seguiram gozando quase a mesma liberdade de antes, já que não representavam perigo algum ao país.

No campo de concentração de Pindamonhangaba, em clima de total camaradagem com os guardas, os marinheiros alemães receberam autorização para construir suas próprias casas, criaram galinhas, ordenharam vacas, jogavam futebol contra times que vinham de fora, assavam pães para vender aos visitantes e até saiam para fazer compras na cidade – ocasião em que chegavam a dividir rodadas de cerveja com os próprios guardas que os vigiavam. Também os músicos da orquestra do navio eram frequentemente convidados para tocar em festas na cidade, e os cozinheiros do Windhuk passaram a preparar jantares sofisticados para os oficiais do próprio campo. De presidiários, eles nada tinham.

Na maior parte do tempo, a vida era tão agradável nos campos de internação que o mesmo casal Hildegard e August, que havia se casado quando o Windhuk estava atracado no porto de Santos, resolveu ter um filho ali mesmo. Nasceu assim Carl Braak, o único brasileiro que veio ao mundo dentro de um campo de concentração.

Hoje, ele é o principal convidado nos encontros anuais que os descendentes dos tripulantes do Windhuk, já que todos já morreram, organizam em um restaurante de São Paulo, que não por acaso leva o mesmo nome do navio, sempre no dia 7 de dezembro, data que ele chegou ao Brasil. O último tripulante morreu em 2015.

Nos campos de internação, onde viveram por mais de três anos, os marinheiros do Windhuk se habituaram ainda mais com a vida no país. Quando a guerra terminou, em 1945, o governo brasileiro, sem saber o que fazer com aquele incômodo grupo, deu a eles duas opções: voltar para a Alemanha, arrasada pela guerra, ou ficar de vez no Brasil, com direito a cidadania. Praticamente todos escolheram a segunda opção. Apesar do sotaque carregado, já eram brasileiros de coração.

Em seguida, eles se espalharam por cidades de São Paulo, Santa Catarina Minas Gerais e Rio de Janeiro, e foram trabalhar em diversas áreas. Um deles, chegou a vice-presidência da Coca-Cola no Brasil. Já Hildegard, mãe de Carl, tornou-se uma das maiores especialistas do país em ortóptica, uma área da oftalmologia que trata de desvios oculares. Muitos, porém, preferiram subir a serra que brotava aos pés do campo de internação de Pindamonhangaba e foram trabalhar, como cozinheiros, no recém-criado Grande Hotel de Campos do Jordão, cidade que, até então, era apenas um centro de tratamento para tuberculosos.

Com a experiência culinária que tinham do navio, os alemães do Windhuk transformaram aquele hotel em um centro de excelência gastronômica e foram praticamente os responsáveis por implantar as bases do que viria a ser a estância turística de Campos do Jordão nos dias de hoje. Outro tripulante, porém, preferiu abrir um bar em São Paulo, batizá-lo com o nome do navio, e passar a reunir os antigos companheiros para relembrar as histórias do passado – o precursor do restaurante Windhuk, onde os seus descendentes se encontram até hoje.

Já o navio deixou de existir há muito tempo. Depois de servir nas guerras do Vietnã e da Coréia, sob bandeira americana e com o nome USS Le Jeune, o ex-Windhuk acabou seus dias num ferro-velho asiático. Mas o seu sino foi preservado e ainda toca, todos os dias, em um quartel de treinamento do exército americano, na Califórnia, onde, no entanto, quase ninguém sabe que o navio de onde ele veio acabou decidindo o improvável destino de mais de 200 alemães, durante a guerra.

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