Nem mesmo um dramático naufrágio, que o fez perder o barco e quase a vida, foi forte o bastante para fazer o mineiro, radicado no Espírito Santo, Jackson Rodrigues da Silva, um aposentado de 62 anos, desistir do seu sonho: navegar de Vitória à nascente do rio Orinoco, na Amazônia venezuelana, com uma espécie de canoa a vela construída por ele mesmo.
Um ano atrás, ele tentou, pela primeira vez. Mas não passou do litoral sul da Bahia, a pouco mais de 300 quilômetros da capital capixaba, de onde havia partido.
Ali, uma tempestade enquanto estava ancorado sobre uma bancada de corais, a cerca de dez quilômetros da costa, demoliu o seu frágil barco e Jackson só escapou com vida porque havia uma traineira de pesca ali por perto, que lhe deu abrigo.
Em minutos, a canoa de Jackson virou um monte de tábuas soltas no mar.
No acidente, ele perdeu também a própria casa, já que Jackson morava na própria canoa, mesmo só cabendo dentro do casco se estivesse praticamente deitado.
“Nem quis olhar”, recorda. “Fiquei só com a roupa do corpo”.
Mesmo assim, Jackson não desistiu. Voltou de ônibus para Vitória e, já no dia seguinte, começou os planos para construir outra canoa e tentar, de novo, fazer aquela longa e improvável viagem, de quase 3 000 milhas náuticas, que ele pretende realizar ao longo de nada menos que oito meses.
“O novo barco será praticamente igual ao que foi destruído e também de madeira. Já comprei as tábuas, com o dinheiro que os amigos me deram”, conta o resiliente Jackson, que, por enquanto, mora de favor no barco de um deles, na praia da Curva da Jurema, em Vitória.
É também ali, num puxadinho nos fundos do bar de uma amiga na praia, que ele está construindo o seu novo barco, para tentar, uma vez mais, ir do Brasil à Venezuela a bordo de não mais do que uma canoa avantajada. “O segredo é aguardar a temporada de ventos favoráveis”, diz.
Mas por que um barco tão frágil para uma travessia tão longa? “Porque com um barco maior não teria graça, nem eu teria dinheiro para construí-lo”, explica Jackson, que diz navegar desde os 10 anos de idade e se orgulha de, com o mesmo barco que se despedaçou na primeira tentativa de chegar à Amazônia, ter navegado da Bahia à Paraty, onde conheceu Amyr Klink. “Ele ficou impressionado com o tamanho da cabine do meu barco”, recorda, rindo. “Disse que parecia um sarcófago”.
Mas Jackson não se importa com os comentários maldosos que ouve sobre os seus barcos e sobre a longa viagem que pretende fazer com um deles. “Doido é o mínimo que escuto quando digo que vou navegar até a Amazônia com minha canoa”, diz. “E pode escrever aí que vou mesmo!”, garante o persistente aposentado.
Mais do que um simples sonho que alimenta desde os tempos em que trabalhou como técnico de manutenção na Amazônia, Jackson explica que a incomum travessia que botou na cabeça que irá fazer é, também, uma homenagem a um dos maiores navegadores da História: o americano Joshua Slocum, que desapareceu no mar no início do século, quando tentava chegar justamente ao rio Orinoco, navegando sozinho um barco pouca coisa maior do que a canoa do brasileiro.
“Slocum é o meu ídolo”, resume o destemido aposentado. “E ainda vou fazer o que ele não conseguiu realizar”.
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