Na madrugada de 7 de dezembro de 2001, um fato chocou o mundo, sobretudo o da vela, e maculou ainda mais o nome do Brasil.

Durante uma ancoragem no Rio Amazonas, bem diante da cidade de Macapá, capital do Amapá, o lendário velejador neozelandês Peter Blake, então com 53 anos e um dos maiores nomes do iatismo de todos os tempos, foi assassinado ao reagir a um assalto em seu barco, o também lendário veleiro Seamaster, que ele havia comprado de Jacques Cousteau.

Na época, Blake era idolatrado por velejadores do mundo inteiro.

Havia vencido a regata de volta ao mundo Whitbread de 1989/1990, era o recordista do Troféu Júlio Verne, para quem rodeasse o planeta navegando em menos tempo, vencera por duas vezes as famosas regatas Fastnet (em 1979 e 1989) e Sydney Hobart (em 1980 e 1984), e, mais relevante que tudo, conduzira, em duas ocasiões, a equipe da Nova Zelândia à vitória na mais tradicional competição a vela da História, a America´s Cup – na primeira delas, em 1995, quebrando uma hegemonia de 144 anos dos americanos, que jamais haviam sido derrotados naquela competição.

Por essas e outras, Blake fora agraciado pela rainha Elizabeth com o título de Sir, uma distinção conferida a poucos.

Blake, contudo, já não mais competia.

Após vencer sua segunda America´s Cup, em 2000, ele decidiu abandonar as regatas, embora no auge de sua capacidade esportiva, criou a Blake Expeditions, dedicada a estudar problemas ambientais dos rios e oceanos do planeta, e transformou o Seamaster num veleiro-laboratório para expedições científicas, razão pela qual seguira para a Amazônia naquele final de 2001, com mais oito pessoas a bordo, todas estrangeiras.

O objetivo do grupo era analisar as condições ambientais dos rios amazônicos e, depois, seguir navegando pela própria selva, até a Venezuela. “Por que estamos aqui?”, escreveu Blake naquele que se tornaria o seu último registro no diário de bordo do Seamaster: “Porque precisamos estudar – e também apreciar – a natureza antes que seja tarde demais. Queremos motivar as pessoas a cuidarem do meio-ambiente. Queremos fazer a diferença”.

Mas não deu tempo.

Naquela noite, a chegada de um barco tão vistoso quanto o Seamaster ao pequeno balneário de Fazeninha, nas proximidades de Macapá, chamou a atenção de um grupo de seis bandidos da cidade, conhecidos como “ratos d´água”. E eles decidiram assaltá-lo.

Vestindo capuzes e até improvisados capacetes de motociclistas, os bandidos fizeram um barqueiro a levá-los até o veleiro e, protegidos pela escuridão, abordaram o barco de armas em punho. O grupo de Blake foi surpreendido no convés e rendido. Um deles, no entanto, tentou reagir e levou uma coronhada na cabeça. No tumulto, Blake conseguiu correr para a cabine e pegou um rifle, intimando o bandido que o seguiu a deixar o barco.

Mas outro bandido viu a cena e disparou. Blake foi alvejado duas vezes e morreu na hora.

Em seguida, os bandidos pegaram algumas coisas do barco (um estojo de CDs, uma máquina fotográfica, um relógio, o motor de popa do bote de apoio e a próprio rifle de Blake) e fugiram, dando a arma do neozelandês como pagamento ao barqueiro que os levara até o veleiro. Na partida, ainda dispararam contra outro tripulante, um amigo de Blake, de 58 anos, que tentava socorrer o neozelandês, que, no entanto, já estava morto.

Era o fim de um mito da vela mundial e o início de outra tragédia: a da realidade brasileira.

A morte brutal do velejador neozelândes em águas brasileiras foi manchete no mundo inteiro. Três semanas antes da tragédia, a própria primeira-ministra da Nova Zelândia, em visita oficial ao Brasil, havia estado com Blake (que ela chamava carinhosamente de “Hillary dos mares”, numa referência ao alpinista neozelandês Edmund Hillary, o primeiro homem a conquistar o Monte Everest), no Rio de Janeiro.

A deferência era mais que justificada: Blake era uma espécie de Ayrton Senna da Nova Zelândia, ídolo maior de um país que sempre teve a vela como seu esporte número 1. E o que aconteceria com ele dias depois geraria grandes constrangimentos ao governo brasileiro.

Pressionada, a polícia do Amapá precisou agir rápido e, graças a uma denúncia anônima, conseguiu, dias depois, prendeu os seis bandidos. Eles, então, foram julgados, condenados e enviados ao presídio de Macapá. Mas o autor dos disparos que mataram Blake, José Iradir Cardoso, que havia sido condenado a 35 anos de reclusão, ficou preso pouquíssimo tempo –  porque logo fugiu da cadeia.

E passou incríveis 16 anos livre, foragido da Justiça.

Até que, em fevereiro do ano passado, durante uma blitz rotineira de trânsito na principal rua do município de Breves, no arquipélago do Marajó, no vizinho estado do Pará, José Irandir foi detido por falhas na documentação do veículo que dirigia, e, por puro acaso, identificado como sendo um presidiário fugitivo. O bandido foi novamente preso e enviado a um presídio no Acre, onde se encontra neste momento – muito provavelmente, apenas aguardando outra oportunidade de fugir da cadeia.

Já Blake, que cometeu o erro de reagir ao assalto imaginando que os bandidos não teriam como fugir de seu barco, ainda mais estando em desvantagem numérica, virou lenda e, hoje, entre outras homenagens, batiza um fundo criado pelo governo neozelandês para a educação ambiental, enquanto seu barco, vendido e rebatizado Tara, ainda participa de expedições ambientais ao redor do mundo.

De certa forma, o legado ambientalista de Blake continua. Embora ele tenha pagado com a própria vida por isso.

Foi tragédia para a Nova Zelândia e uma vergonha para o Brasil inteiro.

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