Na segunda metade da década de 1960, o americano Hugo Vihlen, então um piloto de aviões da empresa Delta Airlines, decidiu que iria atravessar o oceano Atlântico com um minúsculo barco que ele mesmo construíra: o April Fool, que tinha apenas 6 pés (ou 1,82 m) de comprimento.

Embora mal coubesse dentro daquela caixinha equipada com um mastro, ele efetivamente fez aquela improvável travessia, da África à Florida, em 1968, despertando em outros aventureiros a vontade de superá-lo.

Um deles em especial, o inglês Tom McNally, fez de tudo para bater a marca do americano.

Até que conseguiu, a bordo de um barquinho ainda menor, de 5 pés e 4,5 polegadas ou pouca coisa mais que um metro e meio de comprimento.

Mas até que isso acontecesse, muita coisa aconteceu na disputa ferrenha entre os dois.

A começar pelas duas primeiras tentativas fracassadas de Hugo Vihlen.

Por duas vezes, ele tentou partir do Marrocos e em ambas foi trazido de volta à costa pelos ventos contrários – o barquinho do americano não conseguia navegar contra o vento.

Mas, longe de desanimá-lo, o fracasso inicial deixou Vihlen ainda mais determinado.

Ele haveria de conseguir cruzar o Atlântico com o seu minúsculo barco!

E conseguiu, na terceira tentativa.

O segredo foi escolher uma época do ano em que os ventos não fossem tão violentos e equipar o April Fool com dois recursos inicialmente não previstos no projeto: um motorzinho de popa de 3 hp, para ser usado apenas nos momentos mais críticos (até porque não havia espaço a bordo para armazenar combustível), e uma âncora de tempestade, uma espécie de saco submerso cuja função é impedir que o barco ande para trás ao navegar sob ventos contrários.

As duas novidades deram certo.

Mas o April Fool era tão acanhado que não cabia nem o estoque de água e comida necessário para aquela longa travessia.

Vihlen estocou tudo o que podia na parte oca da quilha e praticamente navegava sobre latas de comida.

Com a umidade, muitas delas perderam os rótulos e ele passou a não saber o que continham.

Só descobria quando as abria.

Comer virou uma loteria.

Além disso, à noite, Vihlen precisava acordar de hora em hora para checar se havia alguma embarcação vindo na direção do seu casquinho, que, de tão minúsculo, não era detectado pelos radares dos navios.

Também passou a sentir estranhas dores na parte de baixo do estômago, que ele temia ser uma crise de apendicite – algo fatal para quem está sozinho no meio do oceano.

Preocupado, passou boa parte da travessia se autorrecriminando por não ter extraído previamente o apêndice, bem como os dentes do sizo, atitude que todo navegador em solitário deveria tomar, por precaução.

Mas, felizmente, nada de ruim aconteceu.

Problemas mesmo Vihlen teve quando chegou bem perto da costa da Florida e foi atingindo por fortes ventos, o que levou a Guarda Costeira Americana a vir ao seu encontro e exigir que ele embarcasse no barco da corporação – além de rebocar o April Fool até a costa.

Para quem havia atravessado um oceano inteiro aguardando ansiosamente o momento da chegada, aquela imposição foi uma decepção e tanto.

E não seria a única vez que as autoridades marítimas americanas implicariam com as diminutas dimensões dos barcos de Vihlen.

Mesmo assim, 84 dias depois de ter partido do Marrocos, o April Fool tocou as águas da Florida, do outro lado do Atlântico, depois de ter navegado mais de 7 000 quilômetros e cravado o recorde de menor barco a realizar tal façanha até então.

Um feito e tanto.

Embora Vihlen tenha sofrido um bocado.

O recorde do americano durou 25 anos.

Mas, desde o começo, instigou outro exótico navegador a também vencer o Atlântico a bordo de um barquinho que qualquer ser humano mais sensato não usaria nem para atravessar um riacho.

O inglês Tom McNally era um artista com pouquíssimos recursos financeiros e um navegador totalmente inexperiente quando decidiu navegar de um lado a outro do Atlântico, inicialmente com um pequeno veleiro convencional.

Na primeira tentativa que fez de atravessar da Europa ao Caribe, errou tanto a rota que veio parar no Brasil.

Em seguida, o inglês não sossegou enquanto não construiu o seu primeiro micro-barco, o Big C, que tinha 6 pés e 10 polegadas ou pouco mais de dois metros de comprimento.

Com ele, em 1983, McNally repetiu o feito de Vihlen, só que no sentido inverso.

Partiu do Canadá e navegou até a Irlanda com o seu barquinho em forma de cápsula, que era apenas 25 centímetros maior que o usado por Vihlen para cravar o recorde.

E este seria o seu próximo objetivo: atravessar o Atlântico com um barco menor que o do americano.

No caminho, McNally chegou a ser confundido com um náufrago pelos tripulantes de um navio e teve que beber água do mar depois que o estoque de água doce do Big C acabou (décadas depois, ao ser diagnosticado com câncer, os médicos se perguntaram se não teria sido isso o início de seus problemas de saúde).

Apesar de tudo, quando chegou, combalido, ao litoral da Irlanda, McNally tinha certeza de que era possível fazer aquela travessia com um barco menor ainda.

E foi o que ele fez, dez anos depois.

Em 1993, depois de construir outro barquinho, o Vera Hugh, assim batizado em homenagem a sua mãe, com impressionantes 5 pés e 4,5 polegadas de comprimento (pouco mais de 1,63 m), McNally embarcou para o litoral do Canadá, disposto a, desta vez, bater o recorde de Vihlen.

Lá, por mera coincidência, encontrou o próprio rival, que ao saber dos rumores sobre o diminuto barco que McNally usaria na tentativa, também construíra outro micro-veleiro, o Father´s Day, de 5 pés e 6 polegadas (1,67 m), para tentar a mesma travessia.

Só o que o americano não sabia é que o seu novo barco era quatro centímetros maior que o do inglês.

A descoberta chocou Vihlen, que havia optado por partir do litoral do Canadá depois de ter sido impedido de ir para o mar na costa do seu país pela Guarda Costeira Americana, que, uma vez mais, julgara a embarcação dele frágil demais.

No Canadá, Vihlen conheceu McNally e, apesar da inesperada dupla surpresa (de encontrar o rival e de descobrir que o barco dele era menor que o seu), começou ali uma respeitosa amizade, regida pela mútua admiração.

Mesmo sabendo que o barco do inglês era menor que o Father´s Day, Vihlen resolveu tentar a travessia, contando que o adversário não conseguiria – como, de fato, não conseguiu.

Mas ele tampouco.

O mau tempo impediu que os dois fossem além de poucas milhas da costa. Vihlen, então, retornou à Florida com uma só coisa em mente: tentar novamente – mas só depois de cortar um pedaço do seu barco, para que ele ficasse menor que o do concorrente.

Vihlen e McNally podiam ter ficado amigos, mas continuavam adversários quando a questão era atravessar o Atlântico com o menor dos barcos.

Já McNally voltou à Europa disposto a tentar uma nova travessia, agora no mesmo sentido Leste-Oeste que Vihlen usara um quarto de século antes.

Naquele mesmo ano e com o mesmo barco, o Vera Hugh, onde, entre outros incômodos, só era possível dormir em posição fetal porque não havia espaço para esticar as pernas, McNally, já com 53 anos, partiu de Portugal e, quatro meses e meio depois, foi dar em Porto Rico, no Caribe.

Chegou desidratado e faminto, porque a travessia levou bem mais tempo do que os seus parcos suprimentos permitiam, e teve até que ser hospitalizado antes de seguir viagem até a Florida (onde, não por acaso, vivia o seu amigo/adversário), completando assim a travessia do Atlântico.

E, finalmente, batendo o recorde de Vihlen.

Que, no entanto, revidou em seguida.

Depois de cortar cinco centímetros no comprimento do Father´s Day (a guerra entre os dois passou a ser por milímetros), Vihlen voltou ao mar para dar uma resposta imediata a McNally.

Mas, outra vez mais, foi impedido pelas autoridades americanas de partir das águas do seu país.

Após quatro tentativas (numa delas, chegou a ser interceptado no mar por um avião da Guarda Costeira), desistiu e tomou o rumo do Canadá, de onde, finalmente, avançou Atlântico adentro, para uma nova tentativa – e para recuperar o título de recordista.

Cento e cinco dias depois, Vihlen, já com 65 anos, chegou à Inglaterra, a bordo da segunda versão do Father´s Day, que media 5 pés e 4 polegadas – apenas meia polegada (pouco mais de um centímetro) a menos que o barco usado por McNally.

O inglês, no entanto, não se deu por vencido.

Na vol­ta aos Estados Unidos, Vihlen foi sur­pre­en­di­do pe­lo anún­cio de que McNally, já então razoavelmente conhecido pelo apelido “Crazy Sailor”, ou “Velejador Maluco”, pre­­ten­dia construir um novo bar­co, o Vera Hugh II, com inacreditáveis 3 pés e 10,5 po­le­ga­das de comprimento (menos de 1,20 m!), que ele de fato fez, embora, sem recursos, tenha levado nove anos para terminá-lo.

Quando, finalmente, o microscópico barco (que tinha equipamentos improvisados como a escotilha extraída de uma velha máquina de lavar roupas) foi para a água, em 2002, um improvável imprevisto interrompeu a travessia de McNally: o barquinho foi roubado durante uma escala nas Ilhas Canárias.

De tão pequeno, deve ter sido içado para outro barco e levado embora.

O inglês, então, passou a buscar dinheiro para construir outro barco e anunciou que ele seria meia polegada menor que o anterior (3 pés e 10 polegadas, ou 116 centímetros), embora o novo desafio fosse ser o dobro: ir e voltar no Atlântico, arrecadando recursos para um fundo de auxílio as vítimas do câncer – entre elas, ele próprio, que já havia sido diagnosticado com a doença.

Ao saber dos planos do rival, Vihlen replicou, garantindo que construiria um barco de 3 pés e 8 polegadas, cinco centímetros menor que o do amigo/adversário, para defender o seu recorde.

Mas nenhum dos dois chegou a executá-los.

McNally, doente, não teve como levar o projeto adiante.

E Vihlen, sem a ameaça do concorrente, não viu motivos para voltar ao mar para bater um recorde que já era seu.

McNally morreu em 2017, vítima de câncer, mas Vilhen segue vivo até hoje, ainda como recordista da travessia do Atlântico com o menor barco de todos os tempos.

Pelo menos, por enquanto…

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Imagem: Reprodução National Maritime Museum Cornwall