O mistério do velejador que saiu para testar um piloto automático e nunca mais voltou

O mistério do velejador que saiu para testar um piloto automático e nunca mais voltou

No início da tarde de 15 de janeiro de 2023, um domingo de sol, o velejador Edison Gloeden, mais conhecido como “Alemão”, dono de boa experiência em navegação, saiu sozinho com seu barco, um veleiro Brasilia de 32 pés, batizado “Sufoco”, da marina onde ficava guardado, no canal do porto de Santos, com um só objetivo: testar um piloto automático, equipamento que permite manter o rumo sem assistência humana, que ele havia instalado.

E disse que retornaria rápido. Mas nunca mais voltou.

Preocupada, nas primeiras horas da manhã seguinte, após uma noite sem dormir, a esposa do velejador, a professora aposentada Maria de Fátima Calaca Alves procurou a Marinha e registrou o desaparecimento do marido.

Aviões e barcos – alguns deles, particulares, de amigos do velejador – começaram a vasculhar a região, caracterizada por uma grande baía, com intenso movimento de lanchas e navios, já que dá acesso ao principal porto do Brasil.

Mas nada encontraram.

Sequer indícios de um eventual naufrágio, como partes da embarcação boiando no mar.

Começava ali um mistério que nunca foi desvendado: o que aconteceu com o Sufoco e seu pobre velejador?

Com base nas informações disponíveis – poucas, já que Edison dissera na marina que voltaria rápido, por isso, sem maiores detalhes –, diversas hipóteses e teorias foram aventadas.

Mas nenhuma delas jamais pode ser comprovada.

Como o objetivo do velejador era apenas testar o correto funcionamento de um novo modelo de piloto automático que havia acabado de instalar, ele embarcara sem nenhum suprimento, praticamente sem água nem comida, mas com o tanque de combustível cheio, como sempre fazia, já que queria testar o funcionamento do equipamento também com o veleiro navegando a motor.

Nada, porém, indicava que pretendesse sair dos limites da baía de Santos naquele dia de mar calmo e tranquilo, com bastante movimento de lanchas e jet skis, além dos costumeiros navios entrado e saindo do porto.

Com base nestas duas informações – o intenso movimento de barcos na baía e o tanque de combustível completamente cheio no veleiro – desenvolveu-se a primeira teoria: a de que ele pudesse ter ido na direção do mar aberto, justamente para evitar as marolas geradas pelos outros barcos, a fim de avaliar melhor o correto funcionamento do piloto automático.

Mas, uma vez acionado, o equipamento pode ter mantido o barco avançando indefinidamente, até que o combustível do tanque se esgotasse.

Na ocasião, estimou-se que o veleiro de Edison teria uma autonomia entre 25 e 30 horas de navegação a motor, o que significa que poderia ter avançado, em linha reta, até cerca de 120 milhas da costa.

Depois disso, sem combustível, teria ficado à deriva em uma região que sofre a ação de uma forte correnteza que desce para o sul do país.

E sido arrastado por ela.

Mas, por que o barco teria ficado sem o controle do velejador?

A rigor, havia duas possibilidades: queda no mar ou mal súbito – ou uma coisa em decorrência da outra.

Como estava sozinho no barco, e com rumo comandado pelo piloto automático, o velejador poderia ter perdido o equilíbrio ao fazer alguma função no convés (como erguer as velas, para testar o equipamento também sob efeito do vento) e caído no mar, enquanto o veleiro seguiu em frente, de maneira autônoma, sem que ele conseguisse alcançá-lo à nado.

Contribuía para esta tese o fato de o velejador já ter certa idade, sem, portanto, muita agilidade – e, segundo comentários, não ser um exímio nadador.

Além disso, Edison poderia ter caído ao mar desacordado, por conta da segunda hipótese aventada: a de mal súbito – embora, aparentemente, ele não tivesse nenhum problema sério de saúde.

A hipótese de suicídio foi logo descartada – não havia nenhum motivo de ordem pessoal para o velejador tirar a própria vida.

No dia, o mar estava tranquilo, embora, no final da tarde, tenha se formado uma rápida tempestade, com raios e trovoadas.

E isso poderia ter gerado algum problema no veleiro de Edison ou agravado a situação dele.

Outras duas possibilidades, embora bem menos prováveis (já que nenhum vestígio ou pedaço do veleiro foi encontrado flutuando na água), foi a de que o barco do velejador tivesse sido atingido por um navio e afundado em seguida, uma vez que o porto de Santos é o mais movimentado do país, e o local de onde ele partiu para testar o piloto automático fica bem no acesso marítimo à cidade.

Ou então que, ao navegar de forma autônoma, por conta do piloto automático, o veleiro de Edison tivesse colidido com uma laje que sabidamente existe a cerca de 20 milhas da Baía de Santos e afundado.

Já a esposa do velejador sempre teve outra teoria para explicar a morte do marido: avaria no barco – um problema mecânico, elétrico ou nas velas, que o tenha impedido de voltar.

Ou que, por conta do estresse gerado por isso, ele tenha tido um mal súbito fatal e o barco tenha seguindo em frente, sozinho, carregando o corpo do velejador, até ser engolido pelo oceano, tempos depois.

Se foi isso o que aconteceu – ou qualquer outra das hipóteses –, jamais se saberá.

Porque nem o veleiro Sufoco nem o corpo do velejador Edison Gloeden jamais apareceram.

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A insana disputa pela travessia do Atlântico com o menor barco possível

A insana disputa pela travessia do Atlântico com o menor barco possível

Na segunda metade da década de 1960, o americano Hugo Vihlen, então um piloto de aviões da empresa Delta Airlines, decidiu que iria atravessar o oceano Atlântico com um minúsculo barco que ele mesmo construíra: o April Fool, que tinha apenas 6 pés (ou 1,82 m) de comprimento.

Embora mal coubesse dentro daquela caixinha equipada com um mastro, ele efetivamente fez aquela improvável travessia, da África à Florida, em 1968, despertando em outros aventureiros a vontade de superá-lo.

Um deles em especial, o inglês Tom McNally, fez de tudo para bater a marca do americano.

Até que conseguiu, a bordo de um barquinho ainda menor, de 5 pés e 4,5 polegadas ou pouca coisa mais que um metro e meio de comprimento.

Mas até que isso acontecesse, muita coisa aconteceu na disputa ferrenha entre os dois.

A começar pelas duas primeiras tentativas fracassadas de Hugo Vihlen.

Por duas vezes, ele tentou partir do Marrocos e em ambas foi trazido de volta à costa pelos ventos contrários – o barquinho do americano não conseguia navegar contra o vento.

Mas, longe de desanimá-lo, o fracasso inicial deixou Vihlen ainda mais determinado.

Ele haveria de conseguir cruzar o Atlântico com o seu minúsculo barco!

E conseguiu, na terceira tentativa.

O segredo foi escolher uma época do ano em que os ventos não fossem tão violentos e equipar o April Fool com dois recursos inicialmente não previstos no projeto: um motorzinho de popa de 3 hp, para ser usado apenas nos momentos mais críticos (até porque não havia espaço a bordo para armazenar combustível), e uma âncora de tempestade, uma espécie de saco submerso cuja função é impedir que o barco ande para trás ao navegar sob ventos contrários.

As duas novidades deram certo.

Mas o April Fool era tão acanhado que não cabia nem o estoque de água e comida necessário para aquela longa travessia.

Vihlen estocou tudo o que podia na parte oca da quilha e praticamente navegava sobre latas de comida.

Com a umidade, muitas delas perderam os rótulos e ele passou a não saber o que continham.

Só descobria quando as abria.

Comer virou uma loteria.

Além disso, à noite, Vihlen precisava acordar de hora em hora para checar se havia alguma embarcação vindo na direção do seu casquinho, que, de tão minúsculo, não era detectado pelos radares dos navios.

Também passou a sentir estranhas dores na parte de baixo do estômago, que ele temia ser uma crise de apendicite – algo fatal para quem está sozinho no meio do oceano.

Preocupado, passou boa parte da travessia se autorrecriminando por não ter extraído previamente o apêndice, bem como os dentes do sizo, atitude que todo navegador em solitário deveria tomar, por precaução.

Mas, felizmente, nada de ruim aconteceu.

Problemas mesmo Vihlen teve quando chegou bem perto da costa da Florida e foi atingindo por fortes ventos, o que levou a Guarda Costeira Americana a vir ao seu encontro e exigir que ele embarcasse no barco da corporação – além de rebocar o April Fool até a costa.

Para quem havia atravessado um oceano inteiro aguardando ansiosamente o momento da chegada, aquela imposição foi uma decepção e tanto.

E não seria a única vez que as autoridades marítimas americanas implicariam com as diminutas dimensões dos barcos de Vihlen.

Mesmo assim, 84 dias depois de ter partido do Marrocos, o April Fool tocou as águas da Florida, do outro lado do Atlântico, depois de ter navegado mais de 7 000 quilômetros e cravado o recorde de menor barco a realizar tal façanha até então.

Um feito e tanto.

Embora Vihlen tenha sofrido um bocado.

O recorde do americano durou 25 anos.

Mas, desde o começo, instigou outro exótico navegador a também vencer o Atlântico a bordo de um barquinho que qualquer ser humano mais sensato não usaria nem para atravessar um riacho.

O inglês Tom McNally era um artista com pouquíssimos recursos financeiros e um navegador totalmente inexperiente quando decidiu navegar de um lado a outro do Atlântico, inicialmente com um pequeno veleiro convencional.

Na primeira tentativa que fez de atravessar da Europa ao Caribe, errou tanto a rota que veio parar no Brasil.

Em seguida, o inglês não sossegou enquanto não construiu o seu primeiro micro-barco, o Big C, que tinha 6 pés e 10 polegadas ou pouco mais de dois metros de comprimento.

Com ele, em 1983, McNally repetiu o feito de Vihlen, só que no sentido inverso.

Partiu do Canadá e navegou até a Irlanda com o seu barquinho em forma de cápsula, que era apenas 25 centímetros maior que o usado por Vihlen para cravar o recorde.

E este seria o seu próximo objetivo: atravessar o Atlântico com um barco menor que o do americano.

No caminho, McNally chegou a ser confundido com um náufrago pelos tripulantes de um navio e teve que beber água do mar depois que o estoque de água doce do Big C acabou (décadas depois, ao ser diagnosticado com câncer, os médicos se perguntaram se não teria sido isso o início de seus problemas de saúde).

Apesar de tudo, quando chegou, combalido, ao litoral da Irlanda, McNally tinha certeza de que era possível fazer aquela travessia com um barco menor ainda.

E foi o que ele fez, dez anos depois.

Em 1993, depois de construir outro barquinho, o Vera Hugh, assim batizado em homenagem a sua mãe, com impressionantes 5 pés e 4,5 polegadas de comprimento (pouco mais de 1,63 m), McNally embarcou para o litoral do Canadá, disposto a, desta vez, bater o recorde de Vihlen.

Lá, por mera coincidência, encontrou o próprio rival, que ao saber dos rumores sobre o diminuto barco que McNally usaria na tentativa, também construíra outro micro-veleiro, o Father´s Day, de 5 pés e 6 polegadas (1,67 m), para tentar a mesma travessia.

Só o que o americano não sabia é que o seu novo barco era quatro centímetros maior que o do inglês.

A descoberta chocou Vihlen, que havia optado por partir do litoral do Canadá depois de ter sido impedido de ir para o mar na costa do seu país pela Guarda Costeira Americana, que, uma vez mais, julgara a embarcação dele frágil demais.

No Canadá, Vihlen conheceu McNally e, apesar da inesperada dupla surpresa (de encontrar o rival e de descobrir que o barco dele era menor que o seu), começou ali uma respeitosa amizade, regida pela mútua admiração.

Mesmo sabendo que o barco do inglês era menor que o Father´s Day, Vihlen resolveu tentar a travessia, contando que o adversário não conseguiria – como, de fato, não conseguiu.

Mas ele tampouco.

O mau tempo impediu que os dois fossem além de poucas milhas da costa. Vihlen, então, retornou à Florida com uma só coisa em mente: tentar novamente – mas só depois de cortar um pedaço do seu barco, para que ele ficasse menor que o do concorrente.

Vihlen e McNally podiam ter ficado amigos, mas continuavam adversários quando a questão era atravessar o Atlântico com o menor dos barcos.

Já McNally voltou à Europa disposto a tentar uma nova travessia, agora no mesmo sentido Leste-Oeste que Vihlen usara um quarto de século antes.

Naquele mesmo ano e com o mesmo barco, o Vera Hugh, onde, entre outros incômodos, só era possível dormir em posição fetal porque não havia espaço para esticar as pernas, McNally, já com 53 anos, partiu de Portugal e, quatro meses e meio depois, foi dar em Porto Rico, no Caribe.

Chegou desidratado e faminto, porque a travessia levou bem mais tempo do que os seus parcos suprimentos permitiam, e teve até que ser hospitalizado antes de seguir viagem até a Florida (onde, não por acaso, vivia o seu amigo/adversário), completando assim a travessia do Atlântico.

E, finalmente, batendo o recorde de Vihlen.

Que, no entanto, revidou em seguida.

Depois de cortar cinco centímetros no comprimento do Father´s Day (a guerra entre os dois passou a ser por milímetros), Vihlen voltou ao mar para dar uma resposta imediata a McNally.

Mas, outra vez mais, foi impedido pelas autoridades americanas de partir das águas do seu país.

Após quatro tentativas (numa delas, chegou a ser interceptado no mar por um avião da Guarda Costeira), desistiu e tomou o rumo do Canadá, de onde, finalmente, avançou Atlântico adentro, para uma nova tentativa – e para recuperar o título de recordista.

Cento e cinco dias depois, Vihlen, já com 65 anos, chegou à Inglaterra, a bordo da segunda versão do Father´s Day, que media 5 pés e 4 polegadas – apenas meia polegada (pouco mais de um centímetro) a menos que o barco usado por McNally.

O inglês, no entanto, não se deu por vencido.

Na vol­ta aos Estados Unidos, Vihlen foi sur­pre­en­di­do pe­lo anún­cio de que McNally, já então razoavelmente conhecido pelo apelido “Crazy Sailor”, ou “Velejador Maluco”, pre­­ten­dia construir um novo bar­co, o Vera Hugh II, com inacreditáveis 3 pés e 10,5 po­le­ga­das de comprimento (menos de 1,20 m!), que ele de fato fez, embora, sem recursos, tenha levado nove anos para terminá-lo.

Quando, finalmente, o microscópico barco (que tinha equipamentos improvisados como a escotilha extraída de uma velha máquina de lavar roupas) foi para a água, em 2002, um improvável imprevisto interrompeu a travessia de McNally: o barquinho foi roubado durante uma escala nas Ilhas Canárias.

De tão pequeno, deve ter sido içado para outro barco e levado embora.

O inglês, então, passou a buscar dinheiro para construir outro barco e anunciou que ele seria meia polegada menor que o anterior (3 pés e 10 polegadas, ou 116 centímetros), embora o novo desafio fosse ser o dobro: ir e voltar no Atlântico, arrecadando recursos para um fundo de auxílio as vítimas do câncer – entre elas, ele próprio, que já havia sido diagnosticado com a doença.

Ao saber dos planos do rival, Vihlen replicou, garantindo que construiria um barco de 3 pés e 8 polegadas, cinco centímetros menor que o do amigo/adversário, para defender o seu recorde.

Mas nenhum dos dois chegou a executá-los.

McNally, doente, não teve como levar o projeto adiante.

E Vihlen, sem a ameaça do concorrente, não viu motivos para voltar ao mar para bater um recorde que já era seu.

McNally morreu em 2017, vítima de câncer, mas Vilhen segue vivo até hoje, ainda como recordista da travessia do Atlântico com o menor barco de todos os tempos.

Pelo menos, por enquanto…

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Imagem: Reprodução National Maritime Museum Cornwall

A caravela com um tesouro a bordo que foi parar no deserto

A caravela com um tesouro a bordo que foi parar no deserto

Apesar da data, não era nenhuma brincadeira ou mentira.

Em 1º de abril de 2008, quando vasculhavam o fundo de uma antiga lagoa que secara, por conta do recuo do mar, na costa da Namíbia, litoral da África, geólogos da maior empresa de diamantes do mundo, a De Beers, encontraram algo bem mais valioso do que as pedras preciosas que buscavam.

Encontraram os restos de uma nau portuguesa do século 16, contendo lingotes de cobre, presas de marfim e nada menos que 2 333 moedas de ouro.

E foram as moedas que permitiram identificar a nau como sendo a Bom Jesus, que partira de Lisboa em março de 1533, rumo à Índia, levando bens que seriam trocados por especiarias. E cujos documentos foram perdidos no grande incêndio de Lisboa, em novembro de 1755.

Mas, naquela viagem, a Bom Jesus, capitaneada por Francisco de Noronha e tripulada por mais 300 homens, entre marinheiros, mercadores, escravos e padres, não passou da costa africana.

Ali, pouco antes de dobrar o Cabo da Boa Esperança, uma provável tempestade atirou a nau na direção da terra firme, onde a Bom Jesus encalhou e ficou, para sempre, caprichosamente dentro dos limites do que viria a se tornar uma das maiores e mais protegidas minas de diamantes do mundo.

Uma nau cheia de moedas de ouro enterrada em uma praia repleta de diamantes, numa região que viria a ser chamada Sperrgebiet, ou “Área Probida”, em alemão, idioma predominante na Namíbia durante muito tempo – não poderia haver local mais seguro para a preservação de um tesouro histórico.

Contribuiu também para a perfeita preservação de boa parte da embarcação portuguesa (que, ao ser escavada, revelou até uma primitiva seringa de metal, usada para injetar mercúrio nos tripulantes contaminados pela sífilis, mas nenhum osso humano, o que permitiu supor que todos teriam escapado com vida, antes de sucumbirem a uma das áreas mais inóspitas da África) o fato de, ao contrário do esperado, seus restos não estarem debaixo d´água e sim soterrados sete metros na areia seca do que se tornaria, com o recuo do mar, uma extensão do grande deserto da Namíbia, que avança até o litoral.

A areia quente e seca do deserto ajudou a preservar o barco soterrado, que só foi descoberto, acidentalmente, quando os geólogos a prospectar o solo, em busca de jazidas de diamantes.

Para eles, foi um achado tão surpreendente quanto curioso, já que não precisaram sequer molhar os pés para encontrar um barco naufragado.

Bastou cavar um pouco, para achar algo bem mais valioso do que diamantes.

Em vez de mergulhar, eles apenas cavaram.

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“Livro fantástico, mais que recomendado”
Márcio Bortolusso, documentarista e explorador

Foto: Reprodução ncultura.pt

 

A grande trapaça na maior das regatas

A grande trapaça na maior das regatas

Em maio de 1967, o velejador inglês Francis Chichester virou ídolo na Inglaterra ao completar a primeira circum-navegação do planeta velejando em solitário, com apenas uma escala.

O feito, até então inédito, animou os velejadores a tentar superá-lo, fazendo a mesma travessia sem parada alguma – algo ainda mais ousado.

Aproveitando todo aquele entusiasmo, em março do ano seguinte, o jornal inglês Sunday Times resolveu promover a primeira regata de volta ao mundo sem escalas, a Golden Globe, que inaugurou a era das ainda mais desafiadoras competições oceânicas ao redor do globo.

Nove competidores se inscreveram. Um deles, apenas de olho no gordo prêmio de 5 000 libras esterlinas para o vencedor da regata.

Seu nome, Donald Crowhurst. E ele acabaria entrando para a história das regatas pela porta errada.

Até o final dos anos de 1960, Donald Crowhurst era um simples velejador de fim semana, dono de uma pequena empresa de equipamentos de navegação no interior da Inglaterra.

Mas, endividado até as orelhas (e vendo naquela regata também uma oportunidade de divulgar os produtos que fabricava), resolveu se inscrever na Golden Globe.

Perto, porém, do nível dos demais participantes, entre eles o francês Bernard Moitesseier e o também inglês Robin Knox-Johnston, ambos lendários no mundo da vela, Crowhurst não passava de um pretencioso azarão, sem chance alguma de vitória.

Ele não tinha sequer um barco a altura do desafio de atravessar o planeta inteiro velejando. Muito menos dinheiro para construí-lo.

Mas, persuasivo, conseguiu convencer um rico empresário, Stanley Best, a financiar a construção de um trimarã de 40 pés, que ele mesmo projetara.

Em troca, assinou um contrato no qual se comprometia a pagar ao seu patrocinador as 12 000 libras esterlinas investidas na construção do barco, caso algo desse errado com o trimarã na regata.

Mas Crowhurst não tinha este dinheiro para pagá-lo.

A falta de experiência de Crowhurst na construção de um barco de tamanha envergadura gerou seguidos atrasos na construção do Teignmouth (nome da sua cidade) Electron (marca dos equipamentos que ele produzia), como o barco foi batizado.

O trimarã só ficou pronto uma semana antes do prazo final para a largada da regata. E, ainda assim, com sérios problemas de navegabilidade, que só foram descobertos quando foi finalmente para a água.

A partida de Crowhurst de sua cidade foi, ao mesmo tempo, pomposa e patética. Praticamente todos os moradores foram saudá-lo no porto.

Mas, tão logo ele partiu, retornou. Alguns estais, cabos que sustentavam o mastro, haviam sido fixados errados. Um erro primário.

Uma hora e meia depois, com os cabos improvisadamente presos, ele partiu de novo. Mais atrasado do que nunca para a largada da regata.

Na Golden Globe, os competidores não precisavam largar juntos, porque o que valeria seria o total de dias gasto por cada barco no longo percurso.

Mas havia um prazo máximo para a partida: 31 de outubro.

Crowhurst chegou a Falmouth, ponto de partida da prova, apenas na véspera.

Foi o último a partir. E o primeiro a acusar problemas no barco.

Duas semanas depois, quando descia o Atlântico rumo a costa brasileira, de onde os participantes tomariam o rumo da ponta da África, oceano Índico e por aí afora, Crowhurst teve a confirmação do que tanto temia: seu barco não tinha condições de enfrentar aquele desafio, muito menos os mares bem mais violentos do que as calmarias da Linha do Equador, onde ele se encontrava.

Mesmo navegando em condições extremamente favoráveis, o Teignmouth Electron já acumulava uma desesperadora lista de defeitos, a começar por sinistras rachaduras no casco, que permitiram a entrada de água nos porões e danificaram o gerador.

Num só dia, conforme registrou no diário de bordo, Crowhurst retirou, com baldes, porque as bombas também não estavam funcionando direito, mais de 500 litros de água do interior dos cascos.

A epopéia também foi narrada, pelo rádio, à sua mulher, Clare, que, um tanto angustiada, acompanhava a evolução inicial de Crowhurst na regata.

As rachaduras no casco trouxeram a mente de Clare as dramáticas últimas horas do marido em casa, quando, na noite da véspera da partida, ele confessara, chorando, que estava muito desapontado com o barco e pedia a opinião da esposa sobre sua participação na regata.

Sabendo que o marido precisa de uma injeção de ânimo, Clare, mesmo um tanto a contragosto, o incentivou.

– Se você desistir agora, será infeliz pelo resto da vida -, disse.

No dia seguinte, Clare e os filhos se despediram de Crowhurst, que partiu com seu barco problemático. Seria a última vez que o veriam.

Tempos depois, ao ser entrevistada pelo mesmo jornal que promovera a regata, Clare Crowhurst disse o quanto se arrependera daquele comentário.

– O que Donald, secretamente, estava me pedido naquela noite é que o detivesse. E eu fiz exatamente o contrário.

Para Crowhurst, no entanto, era tarde demais.

Embora atormentado pelo mau funcionamento do Teignmouth Electron, ele se sentia acuado por aquela cláusula no contrato. Desistir da regata seria decretar a sua ruína financeira.

Por outro lado, ele sabia que o seu barco não só não tinha nenhuma chance de vitória, como sequer seria capaz de completar a prova, o que também o levaria a ter que “comprá-lo”, sem que tivesse recursos para isso.

Foi quando Crowhurst teve a ideia que, esta sim, acabou selando o seu fim: ele “venceria” a regata – mas sem sair de onde estava.

Numa época em que não havia navegação por satélite e todas as comunicações no mar eram feitas apenas por rádio ou telégrafo, mentir sobre a localização de um barco era coisa fácil.

Na Golden Globe, cabia aos próprios participantes irem informando os seus avanços.

Bastava, portanto, passar coordenadas fictícias aos organizadores da regata, para “assumir” a liderança da competição na reta final, que, providencialmente, era ali mesmo, no Atlântico, onde Crowhurst já estava.

Portanto, tudo o que ele tinha que fazer era ficar perambulando pelo Atlântico e aguardar alguns meses para “vencer” a competição, livrando-se assim da multa com o patrocinador e ainda colocando um bom dinheiro no bolso pela vitória.

Um plano, enfim, perfeito.

Até porque a habitual integridade dos velejadores, especialmente os ingleses, como também eram os organizadores da Golden Globe, jamais levaria alguém a pensar em tal tipo de trapaça.

Ninguém.

Menos Donald Crowhurst.

A primeira providência dele foi criar um segundo livro de bordo.

Nele, Crowhurst passou a registrar os avanços fictícios do Teignmouth Electron informados aos organizadores da regata, enquanto o diário original seguiu marcando a posição real do barco – algo que tinha tudo a ver com o seu jeito metódico.

Em seguida, traçou sua verdadeira rota, que jamais extrapolaria o Atlântico, e deu início a grande farsa.

Logo após cruzar a Linha do Equador, Crowhurst enviou uma mensagem dizendo ter avançado 170 milhas náuticas em apenas um dia, quando, na verdade, não passara de míseras 13.

Semanas depois, foi ainda mais longe na mentira: garantiu ter batido o recorde mundial de singradura, com incríveis 243 milhas navegadas em apenas 24 horas, o que deixou um tanto intrigado o próprio Francis Chichester, um dos fiscais da regata.

Crowhurst percebeu isso e tomou outra providência: desligou o rádio, a fim de não ser interpelado.

E seguiu perambulando lentamente em ziguezagues pelo Atlântico.

No Natal, chamou a mulher e disse estar se prestes a dobrar a ponta da África, quando apenas zanzava pela costa brasileira.

Para quem recebia seu relatos, a “performance” de Crowhurst era realmente espantosa. Ainda mais depois de tantos problemas antes da largada.

As informações sobre o desempenho extraordinário do Teignmouth Electron animaram, o patrocinador do barco.

No início de janeiro, ele pediu à rádio de Cidade do Cabo que tentasse um contato com Crowhurst para felicitá-lo e informá-lo que, como prêmio pelo que havia conseguido até ali, estava cancelando a cláusula contratual sobre o tal pagamento do barco.

Mas, como o rádio do Teignmouth Electron permanecia desligado, Crowhurst não ficou sabendo da novidade, que poderia ter lhe poupado a vida.

Ele já poderia retornar a Inglaterra sem falir. Mas, ironicamente, não o ouviu a mensagem.

Nos dois meses seguintes, Crowhurst ficou vagando entre a costa sul do Brasil e o Uruguai.

Mas, a bordo do precário Teignmouth Electron, as coisas não iam nada bem.

O gerador funcionava tão mal que Crowhurst passava as noites às escuras, sem sequer luzes de navegação.

Com isso, mal dormia, porque precisava ficar atento a aproximação de eventuais navios.

O piloto automático também não funcionava. E as rachaduras no casco seguiam vertendo água, o que começou a mofar parte da comida.

Em 6 de março, a situação se tornou insuportável. Crowhurst resolveu, então, fazer uma parada no esquecido povoado de Rio Salado, na costa da Argentina, para reparos no casco do Teignmouth Electron, apesar do risco que isso representava.

Se fosse identificado, ele não só seria desclassificado da regata, que proibia paradas, como acabaria desmascarado, porque, àquelas alturas, dizia estar cruzando o Índico, no encalço dos líderes.

Mas não havia sequer telefones em Rio Salado e o único agente do povoado nem de longe desconfiou que aquele gringo estivesse fazendo algo de errado, embora ele tivesse remendado o barco com toscas pranchas de madeira.

Dois dias depois, Crowhurst voltou ao mar. E continuou o teatro.

Lá na frente, contudo, as dificuldades para os competidores também não eram poucas.

Entre os demais oito barcos, só três restavam na competição: os ingleses Robin Knox-Johnston e Nigel Tetley e o francês Bernard Moitessier.

Logo, seriam só dois, depois que o líder Moitessier, já na reta final do Atlântico, resolveu abandonar a regata, dar meia-volta e rumar para a Polinésia Francesa, onde passou a viver longe da civilização.

Com isso, Knox-Johnston disparou para a linha de chegada e foi o primeiro a retornar a Inglaterra.

Mas, no total de dias gastos na travessia, era certo que perderia para Tetley, que vinha em segundo, e até para o mentiroso Crowhurst, que, pelo rádio, agora dizia estar no encalço do rival e se aproximando rapidamente.

Era o ato final da farsa. O momento de “assumir” a liderança.

Mas acabou sendo o fim para Donald Crowhurst.

Cada vez mais intrigado com os avanços de Crowhurst na perseguição a Tetley, Francis Chichester passou a desconfiar seriamente do compatriota. E este, temendo ser desmascarado, resolveu mudar de estratégia.

Ele não mais “venceria” a regata (porque sabia que isso geraria uma checagem apurada em seu diário de bordo), mas chegaria em segundo, ganhando assim algum dinheiro e se livrando tanto da multa do seu patrocinador, que ele não sabia ter sido abolida, quanto de uma conferência mais severa nos seus registros.

Tudo o que ele tinha que fazer era chegar atrás de Tetley. Quem, afinal, se preocuparia em investigar um perdedor?

Mas quis o destino que não fosse bem assim.

Pressionado pelos comunicados de Crowhurst que relatavam “avanços acelerados no Atlântico”, Tetley passou a forçar seu barco ao máximo.

Chegou a fazer furos no casco para contornar alguns problemas de vazamentos que vinha enfrentando.

Até que, durante uma tempestade nas imediações dos Açores, a pouco mais de 1 000 milhas da linha de chegada, quando navegava com mais velas do que deveria, Tetley capotou e naufragou.

Ao saber do desastre de Tetley, que, no entanto, sobreviveu ao naufrágio, Crowhurst desesperou-se.

Ele, agora, estava condenado a “vencer a regata” e encarar a verdade sobre a sua farsa. Foi demais para o seu já fraco equilíbrio emocional.

Nos dias subsequentes, Crowhurst começou a dar claros sinais de confusão mental.

Enredado em sua própria teia de mentiras, encurralado e sentindo remorso pela atitude tomada, ele passou a fazer anotações desconexas sobre o cosmo, teorias de Einstein e outros absurdos em seus diários de bordo, que de livros marítimos se tornaram quase metafísicos.

Perdeu, também, a noção do tempo. Na solidão do seu cada vez mais precário barco (a cabine era uma permanente bagunça, com peças e comidas estragadas por todos os lados, como registrava no diário verdadeiro), foi perdendo a própria sanidade.

Por fim, perdeu o rádio, seu único meio de contato com o restante da humanidade. Para Crowhurst, restaram apenas os diários.

E foi neles que ele registrou o improvável.

Em 1o de julho de 1969, num dos seus já raros momentos de lucidez, Crowhurst fez o último registro no diário de bordo.

E contou a verdade.

“Não há porque prolongar o jogo”, escreveu. “Vem sendo um bom jogo, mas é preciso terminá-lo. Acabou, acabou”.

Terminou o seu testamento com um pedido de misericórdia – “Mercy”, em inglês, título que, anos depois, seria usado no filme que narrou sua vida.

Até hoje, os restos do seu trimarã, o Teignmouth Electron, jazem, abandonados e destruídos, em uma praia das Ilhas Cayman, no Caribe, para onde as correntes marítimas o levaram.

A família jamais quis resgatar o barco.

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Sensacional! Difícil parar de ler”.
Amyr Klink, navegador

“Leitura rápida, que prende o leitor”.
Manoel Júnior, leitor


“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor

“Leiam. É muito bom!” 
André Cavallari, leitor

“Livro fantástico, mais que recomendado”
Márcio Bortolusso, documentarista e explorador

A vergonhosa morte de um mito da vela em águas brasileiras

A vergonhosa morte de um mito da vela em águas brasileiras

Na madrugada de 7 de dezembro de 2001, um fato chocou o mundo, sobretudo o da vela, e maculou ainda mais o nome do Brasil.

Durante uma ancoragem no Rio Amazonas, bem diante da cidade de Macapá, capital do Amapá, o lendário velejador neozelandês Peter Blake, então com 53 anos e um dos maiores nomes do iatismo de todos os tempos, foi assassinado ao reagir a um assalto em seu barco, o também lendário veleiro Seamaster, que ele havia comprado de Jacques Cousteau.

Na época, Blake era idolatrado por velejadores do mundo inteiro.

Havia vencido a regata de volta ao mundo Whitbread de 1989/1990, era o recordista do Troféu Júlio Verne, para quem rodeasse o planeta navegando em menos tempo, vencera por duas vezes as famosas regatas Fastnet (em 1979 e 1989) e Sydney Hobart (em 1980 e 1984), e, mais relevante que tudo, conduzira, em duas ocasiões, a equipe da Nova Zelândia à vitória na mais tradicional competição a vela da História, a America´s Cup – na primeira delas, em 1995, quebrando uma hegemonia de 144 anos dos americanos, que jamais haviam sido derrotados naquela competição.

Por essas e outras, Blake fora agraciado pela rainha Elizabeth com o título de Sir, uma distinção conferida a poucos.

Blake, contudo, já não mais competia.

Após vencer sua segunda America´s Cup, em 2000, ele decidiu abandonar as regatas, embora no auge de sua capacidade esportiva, criou a Blake Expeditions, dedicada a estudar problemas ambientais dos rios e oceanos do planeta, e transformou o Seamaster num veleiro-laboratório para expedições científicas, razão pela qual seguira para a Amazônia naquele final de 2001, com mais oito pessoas a bordo, todas estrangeiras.

O objetivo do grupo era analisar as condições ambientais dos rios amazônicos e, depois, seguir navegando pela própria selva, até a Venezuela. “Por que estamos aqui?”, escreveu Blake naquele que se tornaria o seu último registro no diário de bordo do Seamaster: “Porque precisamos estudar – e também apreciar – a natureza antes que seja tarde demais. Queremos motivar as pessoas a cuidarem do meio-ambiente. Queremos fazer a diferença”.

Mas não deu tempo.

Naquela noite, a chegada de um barco tão vistoso quanto o Seamaster ao pequeno balneário de Fazeninha, nas proximidades de Macapá, chamou a atenção de um grupo de seis bandidos da cidade, conhecidos como “ratos d´água”. E eles decidiram assaltá-lo.

Vestindo capuzes e até improvisados capacetes de motociclistas, os bandidos fizeram um barqueiro a levá-los até o veleiro e, protegidos pela escuridão, abordaram o barco de armas em punho. O grupo de Blake foi surpreendido no convés e rendido. Um deles, no entanto, tentou reagir e levou uma coronhada na cabeça. No tumulto, Blake conseguiu correr para a cabine e pegou um rifle, intimando o bandido que o seguiu a deixar o barco.

Mas outro bandido viu a cena e disparou. Blake foi alvejado duas vezes e morreu na hora.

Em seguida, os bandidos pegaram algumas coisas do barco (um estojo de CDs, uma máquina fotográfica, um relógio, o motor de popa do bote de apoio e a próprio rifle de Blake) e fugiram, dando a arma do neozelandês como pagamento ao barqueiro que os levara até o veleiro. Na partida, ainda dispararam contra outro tripulante, um amigo de Blake, de 58 anos, que tentava socorrer o neozelandês, que, no entanto, já estava morto.

Era o fim de um mito da vela mundial e o início de outra tragédia: a da realidade brasileira.

A morte brutal do velejador neozelândes em águas brasileiras foi manchete no mundo inteiro. Três semanas antes da tragédia, a própria primeira-ministra da Nova Zelândia, em visita oficial ao Brasil, havia estado com Blake (que ela chamava carinhosamente de “Hillary dos mares”, numa referência ao alpinista neozelandês Edmund Hillary, o primeiro homem a conquistar o Monte Everest), no Rio de Janeiro.

A deferência era mais que justificada: Blake era uma espécie de Ayrton Senna da Nova Zelândia, ídolo maior de um país que sempre teve a vela como seu esporte número 1. E o que aconteceria com ele dias depois geraria grandes constrangimentos ao governo brasileiro.

Pressionada, a polícia do Amapá precisou agir rápido e, graças a uma denúncia anônima, conseguiu, dias depois, prendeu os seis bandidos. Eles, então, foram julgados, condenados e enviados ao presídio de Macapá. Mas o autor dos disparos que mataram Blake, José Iradir Cardoso, que havia sido condenado a 35 anos de reclusão, ficou preso pouquíssimo tempo –  porque logo fugiu da cadeia.

E passou incríveis 16 anos livre, foragido da Justiça.

Até que, em fevereiro do ano passado, durante uma blitz rotineira de trânsito na principal rua do município de Breves, no arquipélago do Marajó, no vizinho estado do Pará, José Irandir foi detido por falhas na documentação do veículo que dirigia, e, por puro acaso, identificado como sendo um presidiário fugitivo. O bandido foi novamente preso e enviado a um presídio no Acre, onde se encontra neste momento – muito provavelmente, apenas aguardando outra oportunidade de fugir da cadeia.

Já Blake, que cometeu o erro de reagir ao assalto imaginando que os bandidos não teriam como fugir de seu barco, ainda mais estando em desvantagem numérica, virou lenda e, hoje, entre outras homenagens, batiza um fundo criado pelo governo neozelandês para a educação ambiental, enquanto seu barco, vendido e rebatizado Tara, ainda participa de expedições ambientais ao redor do mundo.

De certa forma, o legado ambientalista de Blake continua. Embora ele tenha pagado com a própria vida por isso.

Foi tragédia para a Nova Zelândia e uma vergonha para o Brasil inteiro.

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