por Jorge de Souza | fev 10, 2025
Quando estourou a Corrida do Ouro, na Califórnia, em meados do século 19, a movimentação de pessoas entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos explodiu.
Como ainda não haviam estradas – muito menos automóveis –, e as ferrovias não atravessavam o país inteiro, o principal meio de locomoção de uma costa para a outra eram os navios, quase sempre dois deles na mesma viagem: um para o lado do Oceano Pacífico, outro para o trecho do Atlântico, com uma baldeação no meio, de trem, pelo istmo do Panamá, que tampouco possuía o seu famoso canal naquela época.
Entre 1850 e 1860, muitos navios, quase todos movidos a vapor, com propulsão através de grandes rodas laterais de pás, passaram a operar naquela lucrativa rota, onde, não raro, as passagens eram pagas com parte do ouro extraído das generosas jazidas do norte da Califórnia.
Um desses navios foi o S.S. Central America, que tinha casco de madeira e 280 pés de comprimento, ainda um meio termo entre as escunas e os barcos a motor, como era habitual na época.
No dia 3 de setembro de 1857, abarrotado com 477 passageiros, 101 tripulantes e uma carga pra lá de valiosa, estimada em cerca de 15 toneladas de ouro – que valeriam mais de meio bilhão de dólares, em dinheiro de hoje -, o S.S. Central America partiu do porto panamenho de Colón, com destino a Nova York, na viagem de retorno dos seus agora ricos ocupantes.
Um par de dias depois, o navio fez uma rápida escala no porto de Havana, em Cuba, e, em seguida, tomou a direção da costa leste americana, rumo à Nova York.
Mas jamais chegou lá.
Quando navegava na altura da costa da Carolina do Sul, no dia 9 de setembro, o S.S. Central America foi colhido por um furacão, e começou a fazer água.
A princípio, lentamente.
Mas, a intensidade dos ventos, que nas rajadas beiravam os 100 nós, e o mar em plena convulsão, que arremessava o grande navio de uma onda para outra, feito um brinquedo, logo trataram de aumentar o drama daquela viagem.
Dois dias depois, sem que conseguisse avançar em nenhuma direção, porque a violência do vento não deixava, a caldeira do S.S. Central America começou a falhar, por causa de um vazamento nas vedações do eixo da sua roda de pás.
Por volta do meio-dia, o motor parou de vez de funcionar, e, com isso, também as bombas de sucção, que vinham tratando de expulsar toda a água que entrava no casco, por conta daquela interminável tempestade.
Não restou outra alternativa ao comandante do S.S. Central America, William Herndon, se não hastear a bandeira do navio de cabeça para baixo no mastro (um sinal de socorro, de acordo com os códigos marítimos da época), na esperança de que surgisse algum navio para socorrê-lo, e convocar todos os homens (passageiros incluídos) para retirar, com baldes, parte da água que seguia entrando no casco.
A batalha durou uma noite inteira, mas manteve o navio na superfície, apesar do massacre das ondas.
Na manhã seguinte, dois navios surgiram no horizonte e se aproximaram, para recolher parte dos ocupantes do S.S. Central America, já então semi-submerso.
Todos os botes salva-vidas dos três navios foram lançados ao mar, mas neles só couberam 153 pessoas – quase todas, mulheres e crianças.
Por volta das 20 horas daquela noite, 11 de setembro de 1857, o S.S. Central America mergulhou no Atlântico Norte, selando o destino de 425 almas – entre elas, a do comandante Herndon, que, mais tarde, pela sua bravura e resiliência em meio a um furacão de proporções bíblicas, acabaria virando nome de cidade (Herndon, na Virgínia), e de dois navios da Marinha americana.
Com a morte de 425 das 578 pessoas que havia a bordo, o naufrágio do S.S. Central America foi um dos mais trágicos da história dos Estados Unidos.
E, de longe, o mais valioso, pelo tipo de carga que a esmagadora maioria dos seus passageiros transportava: ouro, muito ouro, extraído das generosas jazidas da Califórnia.
Havia tanto ouro nos porões e cabines do S.S. Central America que o afundamento do navio desencadeou uma crise financeira nos Estados Unidos, conhecida como o “Pânico de 1857”, já que os bancos de Nova York contavam com a entrada de grande parte do precioso metal para financiar seus projetos.
Nunca se soube a quantidade exata de ouro que havia no S.S. Central America: chegou-se a falar em 24 toneladas, a maior parte não declarada pelos passageiros, que teriam escondidos as pepitas em suas próprias cabines.
Mas o que aconteceria mais de 100 anos depois, durante as expedições de resgate nos escombros do naufrágio, deixaria claro que era um número assombroso.
O naufrágio do “Navio do Ouro”, como o S.S. Central America passou a ser chamado, tornou-se muito mais conhecido pela sua preciosa carga do que pelas centenas de vítimas geradas na tragédia.
E, como geralmente acontece quando há algo de muito valioso envolvido em um naufrágio, logo a ganância humana gerou um segundo capítulo na sua história.
A segunda parte da história do S.S. Central America começou em setembro de 1988, quando um ambicioso e inescrupuloso mergulhador, chamado Tommy Thompson, encontrou os restos do navio, a 85 metros de profundidade, na costa da Carolina do Sul, após mais de 30 anos de uma busca obstinada, financiada por um grupo de investidores privados.
O acordo era que os investidores custeariam as despesas das operações de resgate – feitas com uma espécie de protótipo de um minissubmarino operado remotamente, algo praticamente inédito naquela época -, em troca de uma parte do ouro que o mergulhador encontrasse.
Mas não foi o que Thompson fez.
Muito pelo contrário.
Quando finalmente encontrou os despojos do S.S. Central America, Thompson tratou de fugir com o ouro que retirou do navio, deixando os seus financiadores a ver navios.
Eles, então, recorreram aos tribunais americanos e conseguiram que Thompson fosse declarado culpado, por quebra de contrato.
Mas Thompson ignorou isso, se escondeu e passou a ser considerado fugitivo também da justiça.
E assim ficou por 27 anos.
Até que, em 2015, Thompson foi localizado e preso em um hotel da Florida, onde morava com a namorada, sempre pagando todas as suas despesas com dinheiro vivo, a fim de não deixar pistas sobre o seu paradeiro.
Na ocasião, foi apurado que ele mantinha contas bancárias em paraísos fiscais, e que, num deles, nas distantes Ilhas Cook, tinha mais de US$ 4 milhões depositados.
Levado à presença do juiz, Thompson admitiu sua culpa e concordou em pagar uma indenização – no valor de 500 moedas de ouro retiradas do naufrágio -, aos financiadores do projeto
Na ocasião, a justiça autorizou que um interventor fizesse um inventário na antiga empresa de Thompson, a fim de apurar quanto, afinal, ele havia retirado do navio em preciosidades.
O resultado foi impressionante.
Cerca de 150 milhões de dólares em ouro teriam sido resgatados por Thompson dos escombros do S.S. Central America, e uma única barra, pesando mais de 35 quilos, fora vendida por assombrosos US$ 8 milhões, na mais cara transação do gênero até então.
Tais valores levaram algumas empresas seguradoras – que, no passado, haviam pago indenizações às famílias das vítimas do naufrágio – a também recorrerem à justiça, alegando terem direito a um ressarcimento.
Mas o entendimento do juiz foi que todo aquele ouro havia sido “abandonado” pelos interessados no fundo do mar, não cabendo, portanto, direito das seguradoras sobre ele, o que não deixava de representar uma vitória para o foragido Thompson.
Mas nem assim ele concordou em colaborar com a justiça.
Além de mais ouro, as expedições posteriores que exploraram os escombros do S.S. Central America – já então sabido por todos – também encontraram alguns objetos curiosos nos restos do navio.
Entre eles, uma mala de couro, que a despeito de estar há mais de 130 anos debaixo d´água, ainda mantinha suas formas preservadas.
E, dentro dela, até charutos e roupas.
Uma das peças que havia na tal mala – uma centenária calça de brim da marca Levi Strauss, muito usada pelos mineradores nas jazidas da Califórnia na época da Corrida do Ouro -, acabaria sendo considerada o jeans mais antigo do mundo, e, anos mais tarde, vendida em leilão pelo equivalente a meio milhão de reais.
Já Thompson seguiu sem revelar nada: nem o local onde o ouro que retirou do navio estava, nem o paradeiro das moedas que havia concordado em dar como pagamento aos investidores.
Ou seja, não cumpriu o que prometera ao juiz.
Numa segunda audiência, ao ser indagado o motivo pelo qual não indenizara os investidores, como ordenado, Thompson – na época já perto dos 70 anos de idade – alegou “perda de memória, por conta idade avançada”.
E, pelo mesmo motivo, disse ainda não lembrar mais “onde o ouro estava”.
Thompson, então, foi preso por desacato a justiça, mesmo motivo pelo qual segue na cadeia até hoje.
Até hoje, Tommy Thompson prefere continuar preso do que revelar onde está o ouro que ele extraiu do fundo do mar.
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por Jorge de Souza | fev 3, 2025
Em 2011, ao socorrer um amigo pescador cuja rede havia enganchado em algo no fundo do mar, a 25 milhas do Cabo São Tomé, próximo à divisa entre a costa do Rio de Janeiro e a do Espírito Santo, o também pescador Everaldo Meriguete teve uma surpresa.
Havia um “barco afundado lá embaixo”, como ele contou ao amigo, ao retornar à superfície.
E não era um “barco” como outro qualquer.
Era um navio.
Um navio da Segunda Guerra Mundial: o Vital de Oliveira, o único da Marinha do Brasil afundado durante o conflito, que havia desaparecido há quase 70 anos, após ter sido torpedeado pelo submarino alemão U-816, na noite de 19 de julho de 1944, gerando a morte de 150 marinheiros brasileiros.
Naquele dia, o triste fim do Vital de Oliveira (batizado com o mesmo nome do primeiro barco da Marinha do Brasil a completar uma volta ao mundo navegando, e que também virou notícia ruim, porque nove marinheiros morreram durante aquela longa viagem) parecia ter saído, finalmente, do esquecimento.
Mas não foi bem assim.
A tragédia do Vital de Oliveira, um navio-auxiliar da Marinha do Brasil, começou a ser escrita ainda na manhã do dia em que ele desapareceria, quando, depois de uma escala na distante ilha de Trindade, quase no meio do Atlântico, partiu do porto de Vitória, no Espírito Santo, com destino ao Rio de Janeiro, levando a bordo, além de 250 tripulantes, um carregamento de madeira.
Como se tratava de um navio auxiliar, era comum o Vital de Oliveira transportar alguma carga, daí aquelas pranchas de madeira alocadas em boa parte do convés – e que, horas depois, seriam a salvação de muitos sobreviventes.
E, como também de hábito em tempos de guerra, ele partiu escoltado pela embarcação caça-submarinos Javari, também da Marinha Brasileira, o que, no entanto, se mostraria completamente inútil poucas horas depois.
Ao anoitecer daquele 19 de julho, os dois navios se aproximaram da divisa com o Rio de Janeiro e, horas depois, atingiram o través do temido Cabo São Tomé, local de navegação nem sempre muito fácil, por conta do mar quase sempre agitado.
E foi ali que tudo aconteceu.
Faltavam cinco minutos para a meia-noite, quando um dos dois torpedos disparados pelo submarino alemão U-861 explodiu no costado de boreste do Vital de Oliveira, bem perto da popa, contorcendo o navio inteiro – que começou a afundar rapidamente.
Tão rápido que não houve tempo para quem estava na casa de máquinas (se é que alguém conseguiu sobreviver a explosão causada pelo torpedo) subir para tentar escapar da enxurrada de água que entrava.
Instantaneamente, todas as luzes de bordo se apagaram, ao mesmo tempo em que o navio, já agonizante, começou a se inclinar violentamente para trás, por conta do peso da água.
Em cinco minutos, o Vital de Oliveira desapareceu da superfície.
Quem não sucumbiu na explosão ou não foi arrastado para o fundo pelo próprio navio, só escapou vivo das águas revoltas do cabo naquela noite graças as pranchas de madeira que o Vital de Oliveira transportava.
Quando o navio afundou, elas flutuaram e serviram de apoio para os náufragos.
Foi, no entanto, a única ajuda imediata que eles tiveram, porque o barco de escolta, que deveria zelar pela integridade dos ocupantes do navio auxiliar, nada fez.
O Javari, que navegava um pouco à frente do Vital, seguiu avançando, como se nada tivesse acontecido com o navio que ele deveria proteger.
Só quando chegou ao Rio de Janeiro, na manhã seguinte, o barco de escolta foi mandado de volta ao cabo, em busca de algum sinal do navio desaparecido.
Mas tudo o que seus oficiais encontraram foram alguns náufragos ainda na água, à espera do resgate, que até então vinha sendo feito de maneira precária por um barco pesqueiro – o mesmo que, ironicamente, levara uma bronca do comandante do Vital de Oliveira no porto de Vitória, por ter atracado na sua vaga.
Quando todos os sobreviventes foram recolhidos e contados, a macabra contabilidade do ataque do U-861 ao navio brasileiro somava exatos 150 mortos, mais da metade da quantidade de homens que havia a bordo.
Apenas 100 tripulantes sobreviveram.
Mesmo assim, o inexplicável comportamento do barco de apoio jamais teve uma explicação convincente.
Logo após o episódio, comandantes e oficiais do Javari foram transferidos para outras áreas da Marinha do Brasil, e o caso caiu num incômodo esquecimento.
Situação que persistiu mesmo após o Vital de Oliveira ser achado no fundo do mar, trazendo o caso novamente à tona.
Mas, mesmo assim, ninguém nunca foi punido.
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por Jorge de Souza | fev 1, 2025
Havia três semanas que o velejador australiano Tim Shaddock, de 51 anos, havia partido da enseada de La Paz, na Baja Califonia mexicana, rumo à Polinésia Francesa, levando como única companhia a bordo do seu surrado catamarã Aloha Toa uma cadelinha que ele encontrara na rua, a Bella, quando uma tempestade interrompeu sua viagem.
A tormenta rasgou as velas e fez pifar os equipamentos de navegação e comunicação do barco, deixando os dois, homem e cadela, totalmente à deriva e sem nenhum contato com o mundo exterior no maior oceano do mundo – uma situação que tinha tudo para terminar em tragédia.
Mas não.
Navegador experiente, Shaddock sabia que, naquela situação, o mais importante era economizar água e alimentos, porque seria impossível prever quando ele e o animal seriam resgatados.
Se é que isso aconteceria…
A primeira medida foi passar a maior parte do tempo dentro do barco, abrigado do sol, juntamente com o animal, porque o corpo humano perde muitos líquidos e sais minerais ao transpirar – especialmente no mar, onde o vento mascara a desidratação sigilosa que ocorre no organismo.
Durante os dias de sol forte, Shaddock só saia do abrigo da cabine quando a linha de pesca do kit de sobrevivência do seu barco indicava que um peixe havia sido fisgado – situações em que Bella abanava freneticamente o rabo, porque sabia que isso era garantia de comida, algo que, com o passar dos dias, foi escasseando, juntamente com a água no tanque do catamarã.
Logo, matar a sede passou a ser uma questão ligada apenas à meteorologia: se chovesse, eles bebiam.
Do contrário, pacientemente esperavam que as nuvens chegassem.
E foi assim que o australiano e sua cachorra passaram semanas no mar, torcendo por um resgate, que a cada dia se tornava mais necessário e menos provável.
Até que, um dia, na nublada manhã de 17 de julho de 2023, mais de dois meses após o início daquele infortúnio, quando oferecia à Bella o único bem-estar que podia dar (um pouco de carinho, para espantar a fome e a sede do animal), e relaxava imóvel na cabine (para poupar energias, Shaddock passou a se movimentar cada vez menos a bordo), o australiano ouviu um barulho de motor ao longe.
Instintivamente, ele correu para fora da cabine e perscrutou o horizonte.
Nada.
Nenhum sinal de barco se aproximando.
No entanto, o barulho aumentava cada vez mais.
Só que vinha de outra direção: do céu, e não do mar.
Foi quando, em uma brecha entre as nuvens, surgiu a mais inesperada das possibilidades: um helicóptero, voando quase rente a água.
A aeronave passou sobre a cabeça do australiano, deu meia volta e retornou, porque o piloto ficou intrigado com aquele veleiro parado no oceano, sem velas no mastro.
Shaddock e Bella estavam salvos – por mais improvável que pudesse ser a presença de um helicóptero no meio do Oceano Pacífico, a centenas de quilômetros da terra firme mais próxima.
As chances de um barco pequeno, como o catamarã do australiano, ser avistado no meio de um oceano por outro barco, já eram, por si só, pequenas.
Que dirá, então, por um helicóptero, aeronave que não tem autonomia para ir tão longe sobre o mar, e, ainda por cima, voando a baixa altitude, o que favoreceu a sua avistagem.
Mas havia uma explicação para aquele incrível golpe de sorte.
O helicóptero havia decolado de um grande barco pesqueiro mexicano, o Mária Delia, e sobrevoava o mar em busca de cardumes de atuns, quando encontrou algo bem mais valioso: o australiano e sua cachorra – ambos bem mais magros, mas sem nenhum problema de saúde, a não ser a sede torturante e a fome avassaladora.
“Foi um milagre para nós dois”, reconheceu o australiano, ao abandonar o seu barco no mar e embarcar no pesqueiro, na companhia de Bella, após o piloto do helicóptero ter avisado o comandante do Mária Delia sobre o surpreendente achado.
Mas isso só aconteceu porque Tim Shaddock resistiu à duas tentações muito comuns em situações como a que enfrentou: a de saciar a sede bebendo água do mar, que além de não aplacar a sede desidrata ainda mais o organismo, e de transformar a companheira de flagelo em comida – o que só mesmo os desalmados fariam.
Mesmo assim, ao desembarcar do pesqueiro, dias depois, no litoral do México, o australiano protagonizou um ato inesperado, que, a princípio, pareceu abominável: doou a cachorra a um dos marinheiros do barco.
Mas havia um bom motivo para isso.
Como havia abandonado o seu veleiro no mar, Shaddock não tinha mais como navegar, e teria que retornar à Austrália, país que impõe severas restrições à entrada de animais.
“Depois de tudo o que passou comigo no mar, não é justo que Bella sofra ainda mais, presa em um canil, cumprindo quarentenas”, explicou o australiano, justificando sua decisão.
Não se sabe se Bella compreendeu a explicação.
Mas, ao se despedir do australiano, ela uma vez mais abanou o rabo.
Como fez o tempo todo no barco.
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por Jorge de Souza | dez 27, 2024
Em outubro de 2021, o americano Aaron Carotta, um ex-repórter de TV de 43 anos, partiu da costa oeste dos Estados Unidos em busca de um feito inédito: tornar-se o primeiro homem a dar a volta ao mundo com um barco a remo.
Mas a aventura terminou antes mesmo de ele atingir a metade do primeiro oceano a ser atravessado, um ano e meio depois.
Em 20 de maio de 2023, quando remava, sozinho, no Oceano Pacífico, o sinal de satélite emitido pelo barco de Aaron, uma espécie de caiaque oceânico hi-tech, com 6,50 metros de comprimento, batizado de Smiles (“Sorrisos”, em português), parou de funcionar.
Era um mal sinal.
Embora a perda do sinal tivesse sido consequência apenas de um colapso nas placas solares que geravam energia para o barco, aquilo deixou o americano incomunicável com sua rede de amigos em terra-firme – e isso, mais tarde, dramatizaria toda a história.
A falta de notícias deixou os amigos de Aaron apreensivos, embora o remador estivesse bem e seguisse avançando, rumo à Polinésia Francesa, sem que, no entanto, eles soubessem disso.
Seu único problema era não conseguir mais se comunicar com o mundo exterior.
Mas isso não era motivo para pedir socorro através do único aparelho que ainda tinha um pouco de bateria, uma espécie de localizador pessoal via satélite.
Aaron não via motivos para desencadear um complexa e cara operação de buscas, sendo que estava bem e com um bom estoque de água e comida.
Mas os amigos do remador não tinham como saber isso e decidiram acionar a Guarda Costeira dos Estados Unidos – que, por sua vez, retransmitiu o alerta de buscas no mar para equipes de resgate no Havaí e no Taiti.
Durante dias, barcos e aviões procuraram pelo americano, na vastidão do oceano. Mas nada encontraram, já que a última comunicação feita por ele, informando sua localização, acontecera muito tempo antes.
Com o passar do tempo, as buscas foram suspensas, mas ficou o alerta para quem estivesse navegando pela região, sobre a busca pelo aventureiro.
Também nada aconteceu.
Quase um mês depois, o silêncio do remador deu lugar a um aflitivo pedido de socorro – feito por ele mesmo.
Mas por outro motivo.
Nas primeiras horas da manhã do dia 15 de junho, o barco do remador foi colhido por uma grande onda e virou de cabeça para baixo, sem que ele tenha conseguido fazê-lo voltar à posição original.
Aaron passou um bom tempo na água, tentando desvirar o barco, até que, exausto, decidiu abandonar o casco emborcado e passar para uma balsa salva-vidas inflável, que levava no caiaque.
E usando o pouco de bateria que lhe restava, ligou o seu localizador pessoal, uma espécie de transmissor via satélite, que dispara sinais de emergência, e pediu ajuda.
Agora, para valer.
Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas, e como ele estava bem distante da área onde presumivelmente havia sido dado como “desaparecido” (além de estar a mais de 1 000 quilômetros da terra firme mais próxima), as chances de o sinal de emergência emitido por Aaron ser detectado eram mínimas.
Foi quando outro fato, que nada tinha a ver com o seu resgate, acabou se tornando a sua salvação.
Uma semana antes do infortúnio que acometeu o aventureiro, o barco de outro navegador americano, David Wysopal, que partira do México e atravessava o Pacífico a bordo de um veleiro de pouco mais de 13 metros de comprimento, na companhia do filho, Zachary, de apenas 12 anos de idade, deixou igualmente de transmitir sua localização, mais ou menos na mesma região do problema que acometera o remador.
O desaparecimento do barco de David dos aparelhos de rastreamento, que também eram monitorados por amigos dele em terra firme, agravado pelo fato de haver uma criança a bordo, desencadeou uma grande operação de buscas, que, no entanto, a exemplo do caso do remador americano, também não surtiu efeito.
Durante dias, aviões e barcos de uma base de resgates na Polinésia Francesa vasculharam o mar, em busca de pai e filho supostamente desaparecidos, mas nada encontraram.
Por um bom motivo: não havia nada de errado com o barco do americano – ele apenas atravessava uma zona onde o seu rastreador não funcionava.
Mas nem ele nem seus amigos sabiam disso.
O que também fomentou o mal entendido, foi que, ao zarpar com o filho, David não deixou claro para onde estavam seguindo.
Ele apenas comentou com um amigo que, talvez, fosse até as Ilhas Samoa, no Pacífico Sul, em busca de emprego em algum estaleiro.
Mas, quando sua localização parou de ser exibida nas telas do rastreadores, o barco do americano seguia na direção das ilhas da Polinésia Francesa, embora isso fosse apenas a rota escolhida por David no Pacífico.
Para aumentar ainda mais a confusão, na véspera da partida da costa mexicana, o filho de David ligou para a mãe, a nicaraguense Belkis González, que era separada do marido, dizendo apenas que eles “ficariam uns três ou quatro meses no mar”, sem maiores detalhes.
Como não havia autorizado nenhuma viagem do filho, a mãe de Zachary procurou a Polícia e denunciou o ex-marido por sequestro do menino – situação que se tornou ainda mais dramática quando ela ficou sabendo do “sumiço” do barco.
Ainda que por outro motivo, a mãe de Zachary foi a primeira a intuir que eles poderiam apenas estar apenas sem comunicação, mas atribuiu isso a uma atitude proposital do ex-marido, que poderia ter desligado os equipamentos de rastreamento do barco e fugido com o menino para alguma ilha, a fim de escapar da Polícia.
“Passei a torcer para que o meu filho tivesse sido realmente sequestrado, porque isso significava que ele estava vivo”, disse Belkis, na ocasião.
De certa forma, a falta de notícias do filho a confortava.
Ela conjecturava que “era melhor não ter notícia alguma, do que receber uma ruim”.
Enquanto isso, alheios a tudo, David e Zachary seguiam em frente no oceano, rumo às ilhas Samoa, sem saber que eram procurados intensamente por equipes de resgate.
Muito menos o que o destino deles e do remador Aaron Carotta se cruzariam no exato instante em que o rastreador do veleiro do americano parou de funcionar.
Naquele dia, enquanto David enviava aquela que seria sua última posição para os amigos em terra firme, Aaron também perdia a única fonte de energia que seu pequeno barco tinha: os painéis solares que alimentavam as baterias do caiaque do remador pararam de funcionar.
Sem energia no barco, ele não tinha mais como enviar mensagens ao que acompanhavam à distância a sua jornada no mar.
E aquele perturbador silêncio, levou os amigos do remador a também acionarem a Guarda Costeira.
Mas não ao mesmo tempo em que os amigos de David.
Também alheio ao desnecessário pedido de ajuda feito pelos amigos, Aaron Carotta seguiu remando, ainda que incomodado por não ter mais uma fonte de energia para recarregar as baterias dos seus equipamentos.
Mas ele estava bem, possuía um bom estoque de água e comida, e não via o menor sentido em acionar o único equipamento que tinha ainda com um pouco de bateria – o seu localizador pessoal portátil – para pedir socorro, já que não estava em uma situação de risco.
Aaron se recusava a desencadear uma onerosa operação de resgate no meio do Pacífico só porque ficara sem energia.
Mas, um mês depois, o que não passava de um falso alarme, se tornaria uma emergência de fato.
Nas primeiras horas da manhã do dia 15 de junho, quando aquela onda virou o barco do remador e o obrigou a passar para uma precária balsa salva vidas inflável, Aaron não pensou duas vezes.
E acionou o sinalizador, que disparava sinais de emergência, com o pouco de bateria que restava no aparelho.
Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas há muito tempo – e ele, mesmo não sabendo disso, sabia que estava muito longe de qualquer ilha -, as chances de o sinal do aparelho ser captado por alguém eram mínimas.
Coisa de uma em um milhão.
Foi quando o destino do remador e do velejador David se cruzaram novamente.
No exato instante em que o remador ativou o seu localizador, estava em curso a última operação de buscas pelo veleiro de David – e o bip do aparelho tocou em um dos aviões que faziam a varredura no mar, em busca do veleiro. A aeronave estava distante, mas seguiu imediatamente para o local, imaginando encontrar pai e filho no mar.
Quem, porém, estava lá era Aaron, já com água pelos tornozelos na balsa cada vez mais murcha, e um ameaçador tubarão nadando ao redor dela.
Apenas um par de horas havia se passado desde que ele acionara o alarme, que durou apenas alguns minutos e logo parou de funcionar, por falta de bateria.
E a imagem daquele avião de resgate se aproximando foi a melhor coisa que Aaron viu na vida, mesmo sem saber como aquilo tinha sido possível.
A operação, que buscava um navegador, acabou salvando outro.
E teria sido totalmente desnecessária, uma vez que nada havia ocorrido com o barco do pai e filho, não fosse o fato de que, graças a ela, aquele remador, cuja existência as equipes desconheciam, fora resgatado.
Um enorme golpe de sorte.
Para todos.
No entanto, quando o resgate chegou ao local, Aaron não pode ser resgatado de imediato.
A equipe estava em um avião, não em um helicóptero, aeronave que não permite o desembarque de resgatistas no mar, muito menos o embarque de vítimas.
E aquele ponto era distante demais de qualquer terra firme para a autonomia limitada dos helicópteros de socorro.
A solução foi lançar víveres no mar, próximos a balsa, e pedir para Aaron aguardar o resgate, que teria que ser feito pelo mar.
Mas o remador sequer pode alcançar os objetos, porque o tal tubarão continuava rondando ameaçadoramente a balsa, cada vez mais murcha, por sinal.
Do avião, o piloto avisou o centro de operações de buscas sobre o inesperado achado (procuravam por duas pessoas, mas acharam uma terceira, que nada tinha a ver com o caso), e alguns navios que navegavam na região foram orientados a recolher o náufrago.
Mesmo assim, a embarcação que estava mais próxima, o cargueiro Baker Spirit, levou cerca de 30 horas para chegar ao local.
Aaron, por fim, foi resgatado e seguiu viagem, no próprio navio, até o Havaí, onde desembarcou dias depois, são e salvo – bem como David e seu filho, que só ficaram sabendo das complexas operações de buscas por eles no mar, e do salvamento do remador que o “sumiço” deles involuntariamente gerou, quando chegaram à Samoa.
Por fim, salvaram-se todos os “desaparecidos”.
Que, afinal, jamais estiveram perdidos.
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por Jorge de Souza | ago 27, 2024
Na manhã de 3 de outubro de 1955, o Joyita, um ex-iate de luxo transformado em barco cargueiro, partiu do porto de Apia, capital de Samoa, no Pacífico Sul, com destino ao arquipélago de Tokelau, distante cerca de 270 milhas náuticas.
Levava 25 pessoas e um carregamento de mantimentos que seriam trocados por cocos, na viagem de volta.
Mas nunca chegou lá.
Pouco mais de um mês após a data em que deveria ter atracado no seu destino – e quando já era dado como perdido -, o Joyita reapareceu misteriosamente à deriva, semi-submerso, numa região a centenas de milhas da sua rota original.
E sem ninguém a bordo.
Nunca mais se teve notícias dos seus ocupantes.
Sumiram todos, engolidos por um mistério que até hoje intriga os habitantes da região e que está entre os maiores enigmas do Pacífico.
E sobram motivos para isso.
Para os supersticiosos, o Joyita já nasceu amaldiçoado. ]
Foi construído para ser o iate particular do ex-diretor de filmes de Hollywood na década de 1930 Roland West, que logo após o barco ficar pronto, trocou a mulher pela jovem atriz Thelma Todd – e foi em homenagem a ela que o barco fora batizado de Joyita – “Pequena Jóia”, em espanhol.
Mas o romance durou pouco e terminou em tragédia.
Em 1935, Thelma foi encontrada morta dentro de um carro, intoxicada com os gases do escapamento do motor, num episódio jamais esclarecido.
As suspeitas recaíram sobre Roland, que resolveu sumir dos holofotes – mesmo não tendo nada sido provado contra ele.
O Joyita, então, foi vendido a um empresário da Califórnia, que acabaria entregando o iate ao governo americano, porque, durante a Segunda Guerra Mundial, diversos barcos particulares foram requisitados para ajudar nos combates.
Com isso, o ex-iate de luxo virou barco-patrulha e quase foi a pique durante o ataque japonês ao porto de Pearl Harbour.
Após a guerra, o iate que fora transformado em barco de guerra foi vendido para uma empresa do Havaí e virou um pesqueiro.
Para isso, recebeu revestimento interno com grossas placas de cortiça, a fim de ganhar capacidade de refrigeração, e, como consequência disso, ficou, também, praticamente à prova de naufrágios, o que mais tarde seria decisivo para alimentar o mistério que cercaria o seu tumultuado destino.
Tempos depois, durante uma viagem de pesca à Samoa, o Joyita (o nome do barco jamais mudou, apesar dos diversos donos que teve) sofreu uma pane no sistema de refrigeração e foi levado para Apia, de onde nunca mais saiu.
Lá, o barco acabou sendo vendido a um capitão inglês, chamado Thomas Miller, que estava interessado em criar um serviço de transporte de cocos entre as ilhas do Pacífico Sul.
Em 1955, ele conseguiu um bom frete entre Samoa e as Ilhas Tokelau, e partiu.
Foi a última viagem do comandante Miller, do Joyita e de outras 24 pessoas que estavam a bordo naquela enigmática viagem.
Além da carga de 44 sacos de farinha, 15 de açúcar, 11 de arroz e 460 sacos vazios, que seriam usados para trazer polpa seca de coco na volta, o Joyita também recebeu alguns passageiros, entre eles dois empresários locais que levavam boa soma em dinheiro para pagar os cocos que trariam de Tokelau, e sete habitantes do distante arquipélago, incluindo uma mulher e duas crianças.
No total, 25 pessoas – que nunca mais foram vistas.
A partida foi marcada para o dia 2 de outubro, mas não começou nada bem.
Como um mau presságio, tão logo o Joyita partiu do porto, os seus motores pararam de funcionar, por conta do precário estado de manutenção do barco.
O Joyita ficou à deriva, quase foi parar nos arrecifes que circundam a ilha e voltou ao porto rebocado, para reparos.
No dia seguinte, Miller partiu novamente, com os paióis repletos de mantimentos e cinco vezes mais combustível do que o necessário para aquela travessia, prevista para durar apenas dois dias.
Mas, apesar dos tanques abarrotados, o Joyita não chegou a Tokelau. Nem a porto algum.
E jamais se soube por quê.
Caso navegasse na velocidade habitual, o barco deveria chegar a Tokelau na manhã de terça-feira, 5 de outubro.
Mas, na noite de quarta-feira, três dias após ter partido, não havia nenhum sinal do barco.
Os habitantes da ilha estranharam o atraso e comunicaram o fato às autoridades, que, no dia seguinte, iniciaram as buscas, com um avião, apesar do mau tempo que se formou na região.
Durante uma semana, a despeito da longa tempestade, uma equipe de busca vasculhou a rota prevista e não encontrou nada.
Dias depois, o Joyita foi oficialmente dado como perdido – fruto, deduziu a equipe de buscas, da violenta tormenta, que o teria afundado.
Só que, quase um mês depois, veio a surpresa.
E teve início o mistério que se tornou eterno.
Na manhã de 10 de novembro, quase um mês após o fim do inquérito que investigou o caso, o capitão de um pesqueiro que navegava a mais de 500 milhas da suposta rota do barco desaparecido encontrou um grande casco à deriva.
Era o Joyita.
Só que não havia ninguém a bordo.
Embora parcialmente inundado e com a casaria danificada, como se houvesse se chocado com outro barco, ou sido massacrado na tempestade, o ex-iate ainda flutuava, graças apenas a tal camada interna de cortiça que revestia o casco.
Mas era impossível saber se aquela inundação havia ocorrido antes (o que poderia ter levado a tripulação a abandonar prematuramente a embarcação, pressupondo um naufrágio na tempestade) ou depois do sumiço dos ocupantes do Joyita, quando o barco seguramente passou dias à deriva.
A princípio, a ausência do bote salva-vidas indicava que a tripulação havia abandonado o barco e partido em busca de terra firme.
Mas logo veio a informação de que o Joyita havia partido sem um bote de apoio, justamente porque o capitão Miller sabia que ele era insubmergível, por conta da cortiça.
Começaram, então, as dúvidas.
E a primeira, foi a mais óbvia de todas: por que os tripulantes do Joyita teriam abandonado o barco, repleto de combustível e mantimentos, se seria infinitamente mais seguro permanecer a bordo do que se lançar ao mar sem nenhum recurso?
Para aumentar ainda mais o mistério, nenhum pedido de socorro vindo do Joyita fora recebido por nenhum outro barco da região.
E, ao ser encontrado, tampouco havia algum registro de problemas no seu diário de bordo – embora tenha ficado claro que o Joyita havia enfrentado um novo defeito mecânico, pois havia sinais de tentativas de consertos na sua casa de máquinas.
Mas, ainda que o barco tivesse ficado à deriva, por pane nos motores, por que os seus ocupantes o abandonariam, se havia provisões a bordo suficientes para uma longa espera por socorro?
A única resposta plausível é que, talvez, eles não tivessem abandonado o barco e sim sido tirados de lá à força.
Contribuiu para esta teoria um fato igualmente intrigante: a carga do barco, apesar de volumosa, havia desaparecido, bem como o dinheiro que os dois empresários levavam para comprar as mercadorias da volta – embora, neste caso, eles pudessem simplesmente ter levado o dinheiro embora, apesar de a bagagem de todos os tripulantes ter permanecido no Joyita.
O sumiço da carga, do dinheiro e dos ocupantes do barco, sem falar na estranha avaria na casaria, apontaram na direção de um possível ataque de piratas.
E as suspeitas recaíram sobre barcos japoneses que costumavam pescar na região.
Especialmente depois que uma faca, com a inscrição de que fora feita no Japão, foi encontrada no convés do Joyita.
Mas nada também foi provado.
Já outra teoria pregou que pudesse ter havido a combinação de duas situações: o abandono do barco avariado pela tripulação (que teria buscado abrigo em uma das muitas ilhas da região, mas, no caminho, sucumbido na tempestade) e o posterior saque da carga por oportunistas que encontraram o Joyita sem ninguém a bordo.
Também se especulou que, talvez, o próprio capitão Miller tivesse outros planos naquela travessia, como roubar o dinheiro dos empresários, se livrar do restante da tripulação e fugir com o Joyita para o Havaí, onde vivia sua noiva, o que explicaria ter abastecido o barco com cinco vezes mais combustível do que o necessário para ir e voltar à Tokelau.
Mas, talvez, ele apenas pretendesse vender mais caro o combustível excedente na ilha para onde seguia, ganhando assim algum dinheiro.
O mais provável, no entanto, é que os tripulantes do Joyita não tenham abandonado o barco de maneira voluntária, porque, quem conheceu o falido capitão Miller, garantia que ele jamais faria isso – já que o barco era tudo o que tinha.
Com isso, a tese de morte da tripulação causada pelo barco à deriva durante a tempestade, ou assassinato coletivo por piratas, que teriam abordado o barco de maneira violenta (daí os danos na casaria), saqueado a carga e atirado os ocupantes do Joyita ao mar, tornou-se a mais aceita.
Embora igualmente jamais comprovada.
A história do ex-iate que protagonizou uma tragédia ignorada segue com o final em aberto, gerando um mistério que tende a ser eterno.
Gostou desta história?
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Manoel Júnior, leitor
“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor
“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | jun 25, 2024
No início do século 19, quando todas as viagens entre Europa e Estados Unidos só podiam ser feitas pelo mar, uma vez que os aviões ainda não tinham sido inventados, alguns donos de empresas marítimas inglesas decidiram criar uma espécie de prêmio, a ser dado ao navio de transporte de passageiros que fizesse a travessia entre os dois continentes com a maior velocidade – mas não necessariamente o que a fizesse em menos tempo, porque isso dependeria das diferentes rotas escolhidas.
Era pura jogada de marketing – claro -, numa época em que isso nem havia sido inventado.
O objetivo era atrair passageiros, usando a capacidade de navegar rápido dos seus barcos, na época, ainda com cascos de madeira e movidos a vapor, com grandes pás laterais em vez de hélices.
O prêmio escolhido foi simbólico, inspirado nas corridas de cavalo: uma flâmula azul (“Blue Ribbon”, em inglês), que, no entanto, só foi utilizada na sua forma física, pendurada no mastro principal, no início do desafio, sendo depois substituída por um troféu.
Já a disputa – no fundo, uma corrida de grandes navios transatlânticos de um lado a outro do oceano, com centenas de pessoas a bordo -, dividida em dois percursos: o de ida, no sentido leste-oeste, entre Inglaterra e Estados Unidos, contra o fluxo da Corrente do Golfo, e o de volta, a favor dela, portanto, mais veloz.
Como a regra também determinava que apenas as empresas que oferecessem serviços regulares – e não esporádicos – de travessia do Atlântico Norte poderiam participar da disputa, o primeiro navio a se inscrever foi o Great Western, da companhia inglesa do mesmo nome, seguido pelo Sirius, da British & American Company, duas das maiores da época.
Em 4 de abril de 1838, o Sirius partiu do porto irlandês de Cork, com destino a Nova Jersey, disposto a navegar o mais rápido possível e se tornar o primeiro detentor do prêmio.
E conseguiu, depois de chegar a queimar partes do próprio barco para alimentar as caldeiras e assim aumentar sua velocidade.
Dezoito dias depois, o Sirius chegou aos Estados Unidos, com uma média horária de 8,03 nós (14,8 km/h), durante toda a travessia – o primeiro recorde da Blue Ribbon.
Mas a alegria da British & American Company durou pouco.
No dia seguinte, o Great Western, que havia zarpado do porto inglês de Avonmouth quatro dias após o Sirius deixar a Irlanda, tocou o porto de Nova York e derrubou a marca do concorrente, com pouco mais de meio nó acima de velocidade média: 8,66 nós – cerca de 15 km/h.
O recorde do Sirius durou apenas um dia.
Mas a disputa e a repercussão que isso teve no mercadp, levou as outras empresas a investirem na agilidade de seus navios, para que eles ficassem cada vez mais velozes – mesmo que isso implicasse em recorrer também a velas, para ajudar a impulsioná-los.
Logo, todas as empresas marítimas que exploravam a rota Europa-Estados Unidos queriam ter aquela flamula azul tremulando no mastro de seus barcos, um incontestável atestado de que não havia outro navio tão veloz na travessia do Atlântico Norte.
Isso significava mais passageiros interessados em viajar nele.
Portando, além de prestígio, mais dinheiro.
Ao longo dos primeiros cinco anos de existência da Blue Ribbon, o Great Western dominou a disputa, tornando-se, inclusive, o primeiro navio a superar a marca de 10 nós (18,5 km/h) de velocidade média – um espanto para a época.
Mas, depois disso, a posse do cobiçado prêmio passou a ser domínio quase que exclusivo das duas maiores empresas do setor, as inglesas Cunard e White Star, esta particularmente famosa, já que lançaria, alguns anos depois, o Titanic, que, apesar de igualmente veloz, privilegiava o luxo, não a velocidade, embora também ambicionasse a Blue Ribbon – só não teve tempo de conquistá-la, porque afundou antes de terminar sua primeira viagem.
Quando isso aconteceu, a posse da Blue Ribbon já havia adquirido um caráter também político – virou uma espécie de competição paralela de poder entre a Inglaterra e os demais países da Europa, pelo status de possuir o navio de passageiros mais veloz do mundo.
A rivalidade se acirrou ainda mais quando a Alemanha anunciou, no final da segunda metade do século 19 (quando os navios transatlânticos já utilizavam hélices e cascos de aço, o que fez a velocidade da travessia dar um salto, passando dos 20 nós (37 km/h) de média) que entraria na disputa pela fita azul com o seu principal transatlântico: o Deutschland – que não só conquistou a flamula logo em seguida, como a manteve por três anos, na primeira década do Século 20.
Preocupado com o sucesso alemão em um setor – a navegação transatlântica para a América – que a Inglaterra sempre havia dominado, o governo inglês decidiu financiar a construção de dois super-transatlânticos para a empresa Cunard: o Lusitania e o Mauretania.
Em 1906, eles foram lançados. E o sucesso foi imediato.
O Lusitania (que, mais tarde, seria afundado por um submarino alemão na Segunda Guerra Mundial, gerando uma catástrofe, que, para muitos, levou os Estados Unidos a entrar no conflito) conquistou a Blue Ribbon logo no ano seguinte.
Mas, dois anos depois, a perdeu para o Mauretania, que manteve o prêmio por nada menos que 20 anos, consolidando a supremacia dos navios da Cunard – bem como da Inglaterra, dona de 25 dos 35 transatlânticos que tiveram a honra de ostentar a Blue Ribbon, ao longo da sua história.
Apesar da supremacia inglesa, o início do Século 20 foi a fase áurea da disputa pela Blue Ribbon, com transatlânticos italianos, americanos e franceses entrando também na disputa.
Mais do que um simples prêmio pela performance excepcional, a Blue Ribbon indicava que o seu possuidor era um navio superior aos demais.
Em todos os aspectos. Inclusive na sofisticação.
Dois deles fizeram história por isso.
O primeiro foi o transatlântico francês Normandie, considerado “o mais glamouroso de todos os tempos”.
O outro, o igualmente majestoso Queen Mary, um dos navios mais icônicos da Inglaterra.
Em meados da década de 1930, eles protagonizaram um empolgante duelo pela posse do título de mais veloz do Atlântico.
O Normandie conquistou isso logo na sua viagem inaugural, em maio de 1935, chegando à Nova York com a estupenda média horária de 29,9 nós – pouco mais de 55 km/h.
Mas perdeu o recorde para o Queen Mary no ano seguinte, quando o transatlântico inglês quebrou a barreira do 30 nós.
Um ano depois, em julho de 1937, o Normandie recuperou a Blue Ribbon, cruzando da Inglaterra para os Estados Unidos à uma velocidade média de 30,5 nós.
Mas o Queen Mary resgatou, novamente, a honra inglesa no ano seguinte, com 31 nós – e fez o mesmo no caminho de volta, quando ultrapassou sua própria marca.
Ano após ano, aqueles dois estupendos transatlânticos foram superando um ao outro, até que um incêndio, em fevereiro de 1942, quando estava atracado no porto de Nova York, sendo preparado para o transporte de tropas para os campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, provocou o fim do Normandie.
Por mais dez anos, a Fita Azul do Atlântico ficou em posse do Queen Mary, que também fora requisitado para o transporte de tropas na guerra, mas voltara à linha regular após isso.
Mas, em julho de 1952, apesar do declínio nas travessias oceânicas causado pelo surgimento dos voos comerciais Europa e Estados Unidos, sua marca foi trucidada pelo último grande transatlântico a operar regularmente a rota entre Inglaterra e Nova York: o ágil navio americano USS United States, que alcançou a impressionante média horária de 34,5 nós (perto de 64 km/h).
E ele foi ainda mais rápido na volta, com 35,5 nós, ou quase 66 km/h.
Nenhum outro navio jamais havia navegado tão rápido nas águas do Atlântico Norte.
Como, pelos critérios da Blue Ribbon, só participariam da disputa navios de passageiros de linhas regulares entre Europa e Estados Unidos, o recorde estabelecido pelo USS United States, em 1952, ficou para sempre, porque esse tipo de viagem já não existe mais – o que também decretou o fim do prêmio em si.
Restou apenas o termo “Fita Azul”, usado até hoje para premiar os barcos mais velozes em competições náuticas.
De lá para cá, porém, travessias ainda mais velozes do Atlântico Norte ocorreram.
Mas nenhuma feita por um gigantesco transatlântico abarrotado de passageiros, em uma improvável corrida oceânica, como a posse da cobiçada Blue Ribbon fez acontecer.
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