por Jorge de Souza | maio 15, 2024
No início da tarde de 10 de setembro de 2015, como habitualmente fazia, o americano Keith Davis, de 41 anos, observava a transferência de peixes do pesqueiro taiwanês Chung Kuo 818 para o barco-mãe MV Victoria 168, no qual ele prestava serviço, então parado a cerca de 450 milhas da costa do Equador.
O tempo estava bom, o mar calmo, a operação era rotineira e Davis acompanhava o transbordo dos peixes de uma das amuradas do convés do MV Victoria 168 – que, mais tarde, levaria para terra firme o fruto do trabalho dos demais barcos, liberando-os assim para seguir pescando no mar aberto.
Por volta as 15 horas, a operação foi encerrada e o americano, também como de hábito, foi chamado à cabine de comando, para assinar os formulários que atestavam o correto transbordo dos peixes de um barco para outro – um procedimento de praxe.
Mas não foi mais encontrado.
Dez minutos antes, um dos tripulantes do pesqueiro taiwanês disse ter visto o Davis assistindo à operação.
Em seguida, porém, como registraria o capitão do MV Victoria 168 no seu diário de bordo, ninguém mais o localizou no barco.
Também de acordo com o capitão do pesqueiro, durante três dias, intensas buscas foram realizadas no mar.
Mas sem nenhum sinal de Davis.
Começava ali um mistério, que nunca teve uma explicação satisfatória.
O que aconteceu com Keith Davis?
Davis era um observador profissional de pesca – uma profissão bem pouco conhecida, mas fundamental para coibir abusos, determinar cotas para as empresas de pesca e manter sadios os estoques de seres vivos nos mares do mundo.
Cabe aos observadores de pesca fiscalizar e recolher dados dos cardumes capturados pelos grandes barcos pesqueiros, a fim de impedir a sobrepesca e outras irregularidades.
Como a captura de espécies ameaçadas e, como é comum nos barcos asiáticos, a ocultação de barbatanas de tubarões – uma iguaria para os chineses, mas cuja captura é proibida, pois os animais são devolvidos ainda vivos ao mar, sem condições de nadar –, em meio a outros peixes, nos porões das embarcações.
O problema é que essa fiscalização é feita, pelos observadores de pesca, dentro das próprias embarcações em que eles atuam, o que os transformam em intrusos indesejados, quase sempre sem nenhum apoio das empresas pesqueiras, que, a contragosto, são obrigadas pela regulamentação a recebê-los em seus barcos.
Isso torna os observadores de pesca extremamente vulneráveis e, com frequência, hostilizados pelas tripulações.
Um trabalho solitário, incômodo para quem está sendo fiscalizado e, por isso mesmo, extremamente perigoso.
Mas Keith Davis adorava o que fazia.
Aventureiro e idealista, ele já atuava como observador de pesca há mais de 15 anos, e sabia que sua atividade envolvia muitos riscos, até por ser feita no mar aberto, onde não existem controles, muito menos câmeras de segurança.
Além disso, seu único meio de comunicação com o mundo exterior durante as longas jornadas no mar – às vezes, com meses de duração – eram eventuais e-mails que trocava com seus supervisores, a partir do computador do capitão do barco, quase sempre o único com acesso à internet na embarcação.
E estas mensagens poderiam ser facilmente monitoradas.
Por isso, Davis desenvolvera uma série de códigos secretos, a fim de relatar irregularidades nas atividades dos barcos.
Sua última mensagem enviada do MV Victoria 168 dizia apenas: “A transportadora…” – como se tivesse sido interrompida, censurada ou fizesse parte de uma mensagem cifrada.
Davis embarcou para sua missão no MV Victoria 168, prevista para durar entre dois e três meses ao largo da costa oeste do Equador, no dia 5 de agosto de 2015.
E desapareceu pouco mais de um mês depois.
Dias antes, ele postara na internet um vídeo anônimo que mostrava quatro homens à deriva no mar, sendo executados a tiro por tripulantes de um barco pesqueiro.
O vídeo ilustrava bem os riscos que as atividades no vazio do alto mar embutiam, e a impunidade quase sempre reinante nesses casos – a ponto de aqueles executores não terem tido o menor receio de filmar o múltiplo assassinato que cometiam.
No caso do desaparecimento de Davis, não foi muito diferente.
Embora tenha havido uma investigação policial, quando o barco retornou ao Panamá, dez dias depois (tempo suficiente para a tripulação se livrar de qualquer coisa que a incriminasse), ela não chegou à conclusão alguma.
A combinação de entraves diplomáticos (Davis era americano, a tripulação do MV Victoria 168, em sua maioria, indonésios, e o barco era registrado no Panamá), com a falta de empenho da Polícia panamenha (que preferiu ficar com a versão do capitão do pesqueiro, de que Davis se desequilibrou e caiu no mar, sem ser visto por ninguém – embora fosse dia claro e o tempo estivesse bom), resultou em quase arquivamento do caso, apesar de ele, oficialmente, estar aberto até hoje.
E nem mesmo descobertas posteriores mudaram este cenário.
Tempos depois, no computador pessoal de Davis, a Polícia encontrou dois vídeos, gravados pelo celular da vítima e escondidos dentro de outros arquivos.
Um deles, gravado no dia 29 de agosto – 12 dias antes de o americano sumir -, mostrava dois chineses chegando pelo mar a bordo de outro pesqueiro, e embarcando no MV Victoria 168.
Já o outro vídeo, bem curto e feito uma semana antes da chegada daqueles estranhos, exibia apenas o que parecia ser as costas de uma mulher dentro do barco – embora, oficialmente, não houvesse mulher alguma na tripulação.
Quem eram aqueles chineses? E aquela mulher misteriosa?
A suspeita dos amigos de Davis e outros observadores de pesca passou a ser a de que o MV Victoria 168 estaria envolvido em algo bem mais sério do que simples irregularidades no manejo dos cardumes – e o americano teria descoberto isso.
A principal suspeita era o tráfico internacional de pessoas, já que a costa do Equador era um conhecido ponto de desembarque de imigrantes ilegais, em busca de chegar aos Estados Unidos.
Barcos de pesca asiáticos poderiam estar trazendo pessoas e as transferindo, em alto mar, para o MV Victoria 168.
Antes disso, em outra jornada, em outro barco, Davis já havia feito fotos de homens que não faziam parte das tripulações dormindo nos corredores a bordo.
O americano, porém, nunca levou as denúncias adiante, porque isso não fazia parte do escopo do seu trabalho.
Mas, talvez, os tripulantes do MV Victoria 168 (ou aqueles dois estranhos chineses) não conhecessem este traço da sua personalidade, e tenham optado por não correrem riscos, após o americano ter visto o que não deveria.
Tempos depois, o MV Victoria 168 mudou de nome, para Kai Hang 168, e o caso caiu de vez no esquecimento.
Acidente, suicídio ou assassinato?
Com o inquérito inconclusivo até hoje, ninguém sabe o que, de fato, aconteceu com o abnegado Keith Davis, um biólogo idealista, que acreditava cegamente que, impedindo os abusos na pesca comercial, estava ajudando a construir um mundo melhor.
E cujo corpo jamais foi encontrado.
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por Jorge de Souza | maio 7, 2024
militar holandês Dolfijn, então ali atracado.
E o animal seguiu frequentando o local por dias a fio, embora a centenas de quilômetros do seu habitat natural, as frias águas do Ártico.
Até que um dia, com a partida do submarino, o animal, uma jovem fêmea com uma peculiar mancha rosa no focinho, desapareceu da região – para reaparecer dias depois, a centenas de quilômetros dali, em uma marina da cidade de Oslo, capital da Noruega, onde manteve o mesmo hábito de escalar os cascos dos barcos a fim de tomar longos banhos de sol.
Não haveria nenhum problema nisso, não fosse o fato de que, com cerca de 600 quilos de pura gordura, a rechonchuda morsa passou a danificar os barcos, perfurando os estofados e arrancando blocos de espuma com suas presas salientes, e chegou mesmo a afundar os menores, com seu peso de três dígitos.
Com isso, aquela morsa se tornou uma dor de cabeça para os donos de barcos e uma atração turística para os visitantes da marina, que passaram a chegar em números cada vez maiores, para ver de perto um animal que deveria estar no Polo Norte, não nas águas da Europa – culpa, ao que tudo indicava, do aquecimento global, que impactara o seu habitat natural.
Com o aumento da popularidade da atrevida morsa que adorava se aboletar sobre os barcos, sem dar a mínima para o que acontecia com eles depois disso, o animal ganhou até nome, escolhido através de votação pelos espectadores de um canal norueguês de televisão: Freya, a deusa nórdica do amor e da beleza.
Com a chegada do verão europeu, quando todos os noruegueses saem de casa para aproveitar os raros momentos de sol, a popularidade de Freya explodiu de vez.
Todos os dias, centenas de curiosos – invariavelmente acompanhados de crianças – passaram a ser aproximar cada vez mais de Freya, que parecia não se incomodar com todo aquele assédio, embora continuasse sendo um animal selvagem e potencialmente perigoso, caso decidisse investir contra as pessoas.
E isso passou a preocupar o governo norueguês, temeroso de que pudesse ocorrer algum incidente.
Através do Ministério da Pesca, órgão ao qual competem todas as questões ligadas ao mar na Noruega, o governo norueguês passou a orientar as pessoas para que não se aproximassem da cada vez mais adorada morsa, ao mesmo tempo em que torcia para que ela repetisse o que havia feito na Holanda, e fosse embora.
Mas, com tantos barcos da marina a sua disposição, e fartura de peixes na região, tudo o que Freya queria era continuar por ali.
Foi assim por semanas, até que o ministro norueguês da pesca, Frank Bakke-Jensen, cada vez mais incomodado com a presença de Freya nos arredores de Oslo, decidiu fazer algo para acabar de vez com aquele – literalmente – grande problema, antes que ele virasse um.
E a decisão que ele tomou chocou não só os noruegueses, mas também o resto do mundo.
Após consultar alguns veterinários – que lhe disseram justamente o que ele queria ouvir, embora sem muita convicção -, Bakke-Jensen mandou que o animal fosse abatido, alegando que Freya poderia estar estressada com tantos visitantes, e que isso poderia gerar um comportamento perigoso do animal.
Em vez de controlar e punir as pessoas que teimassem em se aproximar da morsa, o ministro preferiu acabar com ela, como se Freya fosse culpada pela fama que angariara – uma decisão tão abjeta, que ensejou protestos no mundo inteiro.
Não adiantou.
Na noite de 13 de agosto de 2022, uma lancha se aproximou do barco sobre o qual Freya dormia, e quatro atiradores dispararam à queima roupa contra o animal, que morreu na hora.
Nem sequer dardos anestésicos foram usados antes dos disparos, porque os técnicos do ministério alegaram que isso poderia provocar a morte de Freya por afogamento, caso ela decidisse tentar escapar pela água – e a sua remoção com vida para outro local fora considerada inviável, por conta do peso do animal.
Até o dono do barco sobre o qual Freya foi abatida, já então devidamente destruído pelo animal, classificou o ato como “assassinato”.
No dia seguinte, frente à enxurrada de protestos mundo afora, o próprio primeiro ministro da Noruega – país que é um dos três únicos que ainda caça baleias, por exemplo – saiu em defesa do seu subordinado, argumentando que havia sido a “decisão correta”, e que “às vezes, é necessário tomar medidas impopulares” – como a de eliminar os animais com os quais não se consegue lidar.
Foi uma decisão, no mínimo, precipitada – para não dizer cruel. Cedo ou tarde, a morsa Freya acabaria por abandonar voluntariamente o mar de Oslo, em busca de novos pontos de alimentação e descanso. Mas o governo norueguês decidiu não esperar, e colocou em prática a mais radical e controversa das soluções.
Já os fãs noruegueses de Freya, após serem surpreendidos com a sumária execução da morsa, decidiram protestar de forma bem mais civilizada: criaram uma campanha para arrecadar fundos e mandaram construir, ao custo de US$ 25 000, uma escultura em bronze em tamanho natural do animal, que, desde abril de 2023, passou a decorar um dos píeres da Marina Kongen, em Oslo, onde ela foi morta, embora jamais tivesse feito nada contra ninguém.
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por Jorge de Souza | abr 30, 2024
No primeiro dia de fevereiro de 1960, o radar do navio patrulha Murature, da Armada Argentina, detectou a presença de um submarino nas águas do Golfo Nuevo, no litoral sul daquele país.
Como não havia nenhuma informação sobre a presença de um submarino atuando na região, o navio tentou um contato.
Mas não teve resposta.
Novas tentativas foram feitas e igualmente ignoradas.
Frente àquele estranho silêncio, os militares decidiram agir com mais veemência.
Bombas de alerta foram lançadas na água.
Mas o misterioso submarino permaneceu mudo, debaixo d´água, embora facilmente detectável.
Chegaram, então, aviões militares.
Do alto, eles viram o intruso navegando, lentamente, a baixa profundidade.
Mas não conseguiram identificá-lo.
A caçada, estilo gato e rato, durou dois dias.
No terceiro, o submarino tentou escapar do cerco argentino.
Mas foi perseguido e se abrigou nas profundezas.
Continuou, porém, na região, como indicava o radar do Murature.
Enquanto isso, o governo argentino consultou os Estados Unidos, já que eram tempos da Guerra Fria com a Rússia.
Mas os americanos negaram que o submarino fosse deles.
E os russos, também.
Ao mesmo tempo, surgiram rumores de que um certo casal havia recolhido um mergulhador morto no litoral de Puerto Madryn, cidade próxima das águas que estavam sendo frequentadas por aquele sinistro intruso.
Seria um dos tripulantes do submarino em alguma missão secreta que não deu certo?
Isso nunca foi comprovado.
Nem mesmo se o tal casal existiu de fato.
Dezessete dias depois de ter sido avistado pela primeira vez, o tal submarino permanecia em águas argentinas – uma ousadia que beirava o deboche, já que a Armada Argentina empenhava cada vez mais barcos e aviões naquela patética busca, que apenas repetia o que já havia ocorrido ali mesmo, nas águas do Golfo Nuevo, dois anos antes.
Em maio de 1958, outro submarino não identificado havia invadido o mar territorial argentino e se escondido naquela região, ensejando uma complexa ação dos militares argentinos, que o teriam caçado, com bombas de profundidade, por um par de dias.
Até que manchas de óleo surgiram na superfície, sugerindo que o tal submarino tivesse sido alvejado e afundado.
Mas, talvez, fosse apenas um estratagema do intruso, para despistar os argentinos e fugir.
Nunca se soube o que aconteceu, nem que submarino era aquele.
O mesmo ocorreu em fevereiro de 1960: um dia, o tal submarino não identificado sumiu dos radares e não mais foi detectado.
Uma semana depois, as buscas foram encerradas – supostamente após um sigiloso novo contato do governo russo com o argentino.
Mas não ficou só nisso.
Logo depois, o presidente dos Estados Unidos visitou a Argentina.
Para muitos, aquela visita teve a ver com o enigma do misterioso submarino, que, até hoje, oficialmente, ninguém sabe qual foi, nem o que estava fazendo naquela obscura baía argentina, em fevereiro de 1960.
Ainda assim, a Armada Argentina comemorou o fato como sendo uma vitória, porque alegou que sua missão era a de “proteger o mar argentino contra invasores”.
Mesmo sem saber quem eram eles.
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por Jorge de Souza | mar 26, 2024
Nos anos que se seguiram ao fim da Guerra do Vietnã e a ascensão dos comunistas ao poder naquele país asiático, milhares de vietnamitas se lançaram ao mar a bordo de qualquer coisa que flutuasse, na esperança de serem resgatados por navios que passassem e levados para outros países.
Eram os “Boat People”, como ficaram conhecidos os desesperados vietnamitas que não buscavam navegar para lugar algum (até porque não tinham barcos para isso), mas apenas tentavam uma chance de virarem refugiados.
Para isso, eles avançavam até o alto-mar, muitas vezes com suas famílias inteiras, e por lá ficavam, dias à fio, tentando sensibilizar os comandantes dos navios a parar e resgatá-los, o que garantiria a ida do grupo para outro país, fosse ele qual fosse – quase sempre, a mesma nação do dono do navio, porque os regulamentos internacionais determinam que quem socorre alguém no mar fica automaticamente responsável por aquela pessoa.
E isso não agradava nem os países, nem os donos das cargas dos navios, porque atrasava as viagens.
Cientes do problema, a grande maioria dos comandantes dos navios em travessias pela região passou a ignorar a presença daqueles pobres coitados no mar, mesmo quando, no auge do desespero, eles erguiam crianças e clamavam por ajuda.
Mas, felizmente, nem todos os comandantes eram tão insensíveis assim.
E um deles, o brasileiro Charles França de Araújo e Silva, comandante do também brasileiro navio petroleiro José Bonifácio, acabaria virando uma espécie de herói justamente por esta virtude.
Em 1979, quando retornava do Japão para o Brasil, a tripulação do José Bonifácio avistou um daqueles barcos de candidatos a refugiados à deriva, na costa vietnamita, e avisou o comandante França.
Em circunstâncias normais, ele também nada faria, porque, além de frequentes, os “Boat People” representavam uma grande dor de cabeça política, já que seus resgates implicavam em relações diplomáticas entre países.
Mas, era época dos tufões no Mar da China e um deles se aproximava rapidamente da região.
Após consultar a meteorologia, o comandante brasileiro pegou um binóculo e examinou atentamente o barco que implorava por ajuda – um precário casco aberto de madeira, com cerca de duas dezenas de pessoas, incluindo um bebê de colo.
Eles não teriam a menor chance de sobreviver frente ao que estava por vir.
Foi quando o comandante França decidiu mandar as favas o bom senso e colocar em prática a mais nobre das virtudes dos homens do mar: a solidariedade.
Deu ordem para o navio reduzir a marcha, dar meia volta e resgatar aquelas pessoas, antes que fosse tarde demais.
Entre o dilema político de tornar o Brasil responsável por aqueles vietnamitas ou cumprir o dever humanitário de não deixar pessoas entregue à própria sorte, o comandante França optou, acertadamente, pela segunda hipótese.
Mas não seria uma tarefa nada fácil, porque, com 334 metros de comprimento, o José Bonifácio era um navio gigantesco – o maior que já navegou sob bandeira brasileira, em todos os tempos.
Tão difícil quanto a decisão do comandante foram as manobras que precisaram ser feitas para o navio parar totalmente e resgatar aquelas pessoas no mar, porque qualquer movimento errado poderia resultar na destruição do próprio barco dos refugiados.
O José Bonifácio passou a navegar em círculos, cada vez mais fechados, até que a velocidade diminuísse gradualmente e permitisse a parada total dos motores – uma tarefa extremamente complexa para um navio com o tamanho de três campos de futebol.
A manobra consumiu mais de uma hora, mas foi bem-sucedida.
E na hora certa.
Duas horas depois de o grupo ser resgatado, o tufão que vinha se aproximando varreu o mar com brutal ferocidade.
Se não tivessem sido socorridos a tempo, todas aquelas pessoas teriam morrido.
Depois de receberem água, comida e peças roupas dos tripulantes do navio, os vietnamitas, 24 pessoas ao todo, mais do que a tripulação do próprio petroleiro, contaram a sua história.
Eles já estavam no mar há três dias e quatro noites, sem comer nem beber, após terem conseguido driblar a patrulha costeira do Vietnã, que tentava impedir a força que os vietnamitas fugissem do país.
O sonho do grupo, que era liderado pelo jovem pescador Vo Van Phuog, de 21 anos, e sua namorada Nguyen Thi Kim Dung, de 20, era ser resgatado por um navio americano, porque assim eles acabariam sendo levados para os Estados Unidos, praticamente o único país que já tinham ouvido falar, por conta da guerra.
Mas o único navio que parou para socorrê-los foi um petroleiro brasileiro, graças a bravura e destreza do comandante França.
Após o resgate, os vietnamitas foram levados para Cingapura, onde o navio fez escala.
Lá, com a ajuda da ONU, desembarcaram e seguiram para um campo de refugiados, enquanto aguardavam a autorização do governo brasileiro para a imigração legal, já que a lei determina que um país que resgata refugiados fica automaticamente responsável por eles.
Um mês depois – e logo após o José Bonifácio retornar ao Brasil -, os 24 vietnamitas resgatados pelo comandante França também desembarcaram no país, de avião, com passagens pagas pela ONU, que ainda ofereceu ajuda financeira por um ano para eles se estabelecerem em solo brasileiro.
E nunca mais nenhum deles quis sair daqui.
Todos os refugiados resgatados pelo petroleiro José Bonifácio viraram cidadãos brasileiros e aqui constituíram famílias – além de darem origem a primeira comunidade vietnamita do Brasil, depois acrescida por outras levas de refugiados, também resgatados no mar por navios brasileiros.
Entre eles, o casal líder daqueles primeiros vietnamitas, Phuog e Nguyen, aqui autorebatizados “Fu” e “Sonia”, hoje ainda vivos, e donos de um pequeno restaurante de comida vietnamita em São Paulo, o Miss Saigon, considerado o melhor o melhor do gênero na cidade – que eles tocam junto com os três filhos, todos nascidos no Brasil.
Até a morte do comandante França, em 2013, Phuog e o seu salvador conversavam periodicamente, e o imigrante sempre terminava as conversas agradecendo, uma vez mais, o resgate.
Mesmo assim, o comandante do José Bonifácio jamais aceitou ser chamado de herói, porque considerava que havia tomado apenas uma decisão humanitária.
Este, porém, nunca foi o sentimento dos primeiros integrantes da comunidade vietnamita brasileira.
Para eles, o futuro só existiu graças àquele nobre gesto de um comandante, que, por isso mesmo, fez história na Marinha Mercante do Brasil.
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por Jorge de Souza | mar 19, 2024
Nas primeiras horas da manhã de 5 de outubro de 2023, quando navegava em solitário com seu veleiro Jambo, a cerca de 1 000 milhas da costa brasileira, após ter partido da ilha de Fernando de Noronha com destino à África do Sul, o velejador alemão Martin Daldrup, de 59 anos, sentiu um estrondo no casco do seu barco.
Navegador experiente, ele rapidamente saiu da cabine e olhou ao redor, para tentar descobrir no que havia batido, mas nada viu na superfície do mar que pudesse explicar aquele impacto.
Mas logo percebeu que o leme do veleiro não estava mais respondendo aos comandos do piloto automático.
Martin, então, voltou correndo para a cabine, a fim de checar o mecanismo interno do leme do seu Bavaria 34, cujo acesso era feito por baixo do assoalho do camarote de popa.
Mas para isso foi preciso, primeiro, esvaziá-lo, já que ele vinha sendo usado como depósito de comidas e equipamentos para aquela longa travessia.
O alemão passou a arremessar para fora da cabine tudo o que obstruía o acesso ao mecanismo, mas logo interrompeu a operação: já havia água sob os seus pés – sinal de que o barco estava sendo inundado pelo mar.
Ele ainda tentou conter a inundação, acionando todas as bombas de sucção que tinha.
Mas não adiantou: em questão de segundos, a água já estava na altura das suas canelas.
Não havia mais o que fazer.
Em vez de gastar tempo tentando evitar que o barco afundasse, era preciso se apressar para salvar a própria vida.
Com certa serenidade, embora o momento fosse propício para o puro pânico, Martin pôs em prática o que sempre exercitara mentalmente: o abandono do barco.
Pegou o passaporte, o telefone via satélite, um localizador pessoal portátil, uma bolsa de emergência – que mantinha sempre pronta, com água e alimentos, para situações como aquela -, e voltou ao convés.
Ali, lançou ao mar e disparou a injeção de ar em uma balsa salva-vidas inflável, pulando para dentro dela em seguida.
Depois, já na balsa – por força do hábito de quem passara os últimos anos registrando as travessias que fazia com seu veleiro para o bem-sucedido canal de vídeos que mantinha na internet -, Martin, mais conhecido como “Martin Jambo” nas redes sociais, fez aquele que seria o último registro fotográfico do seu veleiro, já bastante adernado pelo peso da água que entrava furiosamente por baixo do casco.
E ficou olhando o seu barco ser gradativamente engolido pelo oceano, até que desapareceu por completo.
Entre o instante do impacto e completo naufrágio do barco, pouco mais de cinco minutos havia se passado.
A bordo da pequena balsa salva vidas, Martin respirou fundo e ficou conjecturando sobre o que poderia ter causado o seu acidente.
Colisão com uma baleia que estivesse dormindo rente à superfície?
Sim, era possível: baleias em repouso nem sempre detectam a aproximação silenciosa de um veleiro.
E a época do ano, início da primavera, era favorável a presença maciça delas na costa brasileira.
Mas o fato de não ter avistado nenhuma movimentação na superfície, ao sair da cabine para tentar descobrir no que havia batido, fez o alemão concluir que aquele não havia sido o motivo do naufrágio do seu barco.
Restou, então, apenas a segunda hipótese: colisão com um contêiner caído ao mar, mas não totalmente afundado – esta, sim, uma hipótese bem mais provável.
Apesar da impossibilidade eterna de comprovar a veracidade deste fato, Martin adotou a colisão com um contêiner como sendo a única explicação possível para o seu infortúnio.
E aceitou, resignado, a perda do barco.
Martin, no entanto, comemorou muito – como, aliás, já havia feito com a esposa, ao telefone – o fato de ter sobrevivido ao naufrágio, embora agora estivesse praticamente no meio do Atlântico, muito longe de qualquer naco de terra firme.
E dentro de uma frágil balsa inflável.
Mas – de novo – ele não se desesperou.
Ativou o seu localizador pessoal, pegou o telefone via satélite e ligou para a esposa, na Alemanha, pedindo que ela acionasse o serviço de resgaste do seu país – que, por sua vez, contatou a Marinha do Brasil.
Como o alemão estava muito distante da costa brasileira, a solução foi acionar os navios que porventura estivessem na região, a fim de efetuar o resgate do velejador.
Mas não havia nenhum navio por perto.
Só no dia seguinte, o cargueiro com bandeira das ilhas Antígua e Barbuda Alanis, que estava a mais de 500 milhas de distância do náufrago quando recebeu o pedido de ajuda da Marinha Brasileira, chegou ao local e resgatou o velejador – que, apesar de bem preparado para aquela situação, subiu a bordo dando graças a Deus pela sua salvação, e garantindo que, mesmo sabendo que seria resgatado, passara a pior noite de sua vida, sacudindo o tempo todo na balsa, molhado e com muito frio.
No navio, Martin foi recebido com uma calorosa recepção, mas informado de que, de acordo com os protocolos marítimos, teria que seguir viagem com o cargueiro, até o seu porto final, na África do Sul – coincidentemente, o mesmo destino para o qual ele seguia com seu veleiro, quando bateu no quer que tenha sido, no meio do oceano.
Três semanas depois, o velejador alemão desembarcou – são e salvo, mas um tanto amargurado -, no porto sul-africano de Saldanha, onde sua aliviada esposa já o aguardava.
Ele, afinal, chegara à África do Sul pelo mar.
Mas não com a embarcação que desejava ter completado aquela longa travessia.
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