por Jorge de Souza | fev 14, 2023
Em 9 de fevereiro de 2013, uma fortíssima tempestade de inverno se abateu sobre o mar da costa nordeste dos Estados Unidos, gerando ondas de seis metros de altura e ventos que passavam dos 100 km/h.
No meio dela, estava o veleiro Wolfhound, com quatro irlandeses a bordo: Declan Hayes, Morgan Crowe, Tom Mulligan e Alan McGettigan – este, dono do barco e um velejador famoso na Irlanda, onde sempre participava de regatas, representando o aristocrático Royal Irish Yacht Club.
Mas, naquele dia, McGettigan não estava competindo.
Apenas levava para casa, na Irlanda, seu novo barco, que comprara nos Estados Unidos: um bonito veleiro da marca Swan, de 48 pés, avaliado em cerca de meio milhão de dólares.
A primeira perna da longa jornada até o outro lado do Atlântico começara em Connecticut, iria até as Ilhas Bermudas, centenas de milhas náuticas adiante, e fora prevista para ser feita durante uma janela favorável de tempo, entre as frequentes tormentas de inverno na região.
Mas a meteorologia mudou no meio da travessia e pegou o grupo de surpresa.
Por conta da tempestade, que chegou de maneira tão violenta quanto inesperada, o barco de McGettigan sofreu nada menos que três emborcamentos no mar.
O último deles, nas primeiras horas da manhã daquele 9 de fevereiro, danificou o motor e o sistema de energia do barco, embora, milagrosamente, não tenha afetado o mastro do veleiro.
Assustado com aquela sequência de capotamentos, e temeroso do que ainda poderia vir pela frente, McGettigan tomou uma decisão tão drástica quanto – como ficaria comprovado, mais tarde – precipitada: acionou o equipamento automático de pedido de socorro, e, junto com seus companheiros, se preparou para abandonar o barco no mar, quando estavam a cerca de 70 milhas de distância das ilhas Bermudas.
Tão logo o pedido de socorro chegou à base da Guarda Costeira Americana, uma equipe de resgate embarcou em um avião Hercules, um dos poucos da corporação com autonomia para ir e voltar tão longe da costa, e partiu em busca do veleiro sinistrado.
Embora o dia já tivesse amanhecido, as condições de visibilidade eram mínimas, por causa da tempestade.
Mesmo assim, após um par de horas voando em círculos, a equipe de resgate localizou o veleiro no mar.
Mas não teve como içar seus ocupantes, já que estavam em um avião, não em um helicóptero.
O máximo que a equipe pode fazer foi, com base nas coordenadas de localização do veleiro, acionar dois navios cargueiros que estavam relativamente próximos, a fim de realizar o resgate dos quatro irlandeses.
A operação foi difícil, por conta da força dos ventos e das ondas, durou quase seis horas, mas, por fim, o cargueiro grego Tetien Trader conseguiu embarcar os velejadores, e seguiu viagem, para a Europa, onde eles desembarcaram, duas semanas depois.
Já o veleiro Wolfhound foi deixado à deriva no mar, com a certeza de, com a intensidade daquela tormenta, e sem ninguém para comandá-lo, logo afundaria.
McGettigan tinha certeza disso.
Mas ele estava enganado.
Nove semanas depois, quando até a companhia seguradora já havia dado o barco como perdido e providenciava o pagamento do seguro, o explorador, cineasta e velejador americano Matt Rutherford, retornava de uma expedição oceânica, quando avistou o que parecia ser um veleiro parado no meio do mar, já que suas velas estavam estranhamente arriadas.
Intrigado, tentou fazer contato pelo rádio.
E não teve nenhuma resposta.
Decidiu, então, se aproximar para ver se havia algum movimento a bordo.
Nada.
O passo seguinte de Rutherford foi embarcar naquele estranho, mas bonito veleiro, apesar do temor de que encontrasse algo sinistro a bordo, como um cadáver – preocupação que deixou clara ao gravar um vídeo entrando no barco.
Dentro dele, porém, Rutherford só encontrou a habitual desordem que costuma acometer os barcos que são abandonados às pressas, frente a uma emergência, como havia sido o caso do veleiro de McGettigan – cujo nome, pintado em letras garrafais na popa, não deixava a menor dúvida.
Era ele: o Wolfhound.
Mas o mais impressionante é que o barco estava em perfeito estado, com o mastro ainda intacto, e jazia, placidamente flutuando, a mais de 800 milhas de distância das Ilhas Bermudas, a despeito de ter sido abandonado bem próximo a elas, apenas pouco mais de 60 dias antes.
Em pouco mais de dois meses, empurrado apenas pelos ventos e correntezas, o Wolfhound navegara mais de 700 milhas náuticas, o que era algo igualmente extraordinário.
Rutherford tentou rebocar o barco e levá-lo para os Estados Unidos.
Mas, após menos de 50 milhas, concluiu que seria impossível.
Novamente, então, deixou o Wolfhound à deriva no mar, após notificar a Guarda Costeira – que, por sua vez, avisou McGettigan, que, no entanto, não teve como resgatar o barco.
O que aconteceu com o veleiro do irlandês depois disso é um mistério guardado a sete chaves pelo oceano.
Mas é praticamente certo que, em algum momento, ele afundou, já que nunca mais foi avistado.
No entanto, dois meses atrás, o sombrio passado do Wolfhound voltou à tona, com a divulgação, na internet, do espetaculoso vídeo que Matt Rutherford gravou ao abordar o veleiro abandonado no mar, quase dez anos antes – fato que gerou pesadas críticas, já que as imagens (que bombaram nas redes sociais) não revelam quando elas foram feitas.
Por que Rutherford levou tanto tempo para divulgar o vídeo?
Ele não respondeu.
Uma das hipóteses é que tenha sido por respeito ou homenagem a Alan McGettigan, já que o irlandês morrera apenas um mês antes, em novembro do ano passado, de causas naturais.
Mas nem a morte poupou o famoso velejador irlandês das pesadas críticas que recebeu dez anos atrás, quando, ao abandonar seu barco no mar, ignorou uma das mais elementares lições que os velhos marinheiros têm para dar: aquela que prega que, se o barco estiver em bom estado (como estava o Wolfhound, ao ser abandonado, e como comprovou mais tarde, ao ser encontrado), o lugar mais seguro será sempre a bordo dele.
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por Jorge de Souza | fev 9, 2023
No passado, não só o volume, mas também o armazenamento e até o tipo de carga transportada desempenhava um papel relevante na capacidade de navegação dos barcos.
Um carregamento inadequado poderia selar o destino da embarcação.
Foi o que aconteceu com o cargueiro inglês Cairnsmore, em 26 de setembro de 1883, quando tentou penetrar na sempre difícil barra do Rio Columbia, na costa oeste americana, onde a combinação de fortes correntezas, canais estreitos e ventos quase sempre bem fortes sempre foi responsável por centenas de naufrágios – até hoje.
Abarrotado com 7 500 barris de cimento e com a visibilidade comprometida por um denso nevoeiro, o navio perdeu agilidade nas manobras e encalhou na foz do traiçoeiro rio.
Sabendo que não teria como tirar a pesada embarcação de lá naquele instante, a tripulação decidiu pedir ajuda ao vapor Queen of the Pacific, que vinha logo atrás do Cairnsmore.
Eles, então, passaram para o outro barco e seguiram para terra firme, programando retornar no dia seguinte, para o resgate.
E voltaram – mas só para descobrir que, por um insólito motivo, seria impossível remover o barco.
Em contato com a água que invadira os porões durante o encalhe, o cimento que o Cairnsmore transportava endureceu e transformou o casco inteiro do navio em uma espécie de fundação enterrada na areia, selando para sempre o destino do cargueiro – que acabou sepultado no próprio jazigo que construiu.
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Imagem: oregonencyclopedia.org/Chris Dewey
por Jorge de Souza | fev 9, 2023
Era tarde de domingo, 26 de maio de 1991, quando o veleiro Kangaroo, um dos primeiros modelos fabricados no Brasil – na época, também um dos maiores e mais modernos barcos a vela feitos no país – atracou na Marina Bracuhy, em Angra dos Reis, após o seu passeio inaugural.
O barco, ainda cheirando a novo, fora entregue naquela semana ao seu dono, um empresário de São Paulo, que desembarcou entusiasmado com o seu primeiro fim de semana a bordo do seu novo barco.
Mas mal sabia ele que seria o último…
Horas depois, a bordo daquele mesmo veleiro, começaria uma das mais ousadas peripécias náuticas que se tem notícia no Brasil, envolvendo um então jovem velejador carioca e dois amigos de última hora.
A história começou dois dias antes, quando, sem emprego, sem dinheiro, sem perspectiva de dias melhores, e em vias de ser despejado do quarto alugado onde morava, por falta de pagamento, o jovem velejador decidiu pôr em prática um plano tão maluco quanto fadado ao fracasso: furtar um veleiro e com ele fugir para a Austrália, onde tentaria ganhar a vida, mesmo entrando no país clandestinamente e, ainda por cima, com um barco roubado – o que, certamente, logo seria descoberto.
Mas ele não pensava assim.
Na opinião dele, por ser um país com uma costa enorme, seria fácil esconder um veleiro roubado na Austrália, até que ele juntasse dinheiro suficiente para indenizar o dono do barco – embora não soubesse exatamente como faria isso.
Tampouco imaginou o pesadelo que acabaria vivendo durante os mais de 40 dias que passou no meio do Atlântico, a caminho da África do Sul, onde pretendia fazer uma escala, com um barco que não conhecia e sem nenhum preparo prévio para aquela longa travessia.
O desespero e a impulsividade da juventude falaram mais alto.
E ele decidiu, de supetão, colocar o plano em prática.
O início do planejamento para aquela tresloucada travessia que ele queria fazer foi em uma mesa de bar, em Angra dos Reis.
Ali, ele listou, em um guardanapo, o que teria que levar na viagem: comida, combustível, cartas náuticas e roupas de frio.
Mas com qual dinheiro compraria tudo aquilo se não tinha nada no bolso?
Foi quando entrou no bar um antigo conhecido, então pescador na Ilha Grande.
O velejador começou a conversar com o amigo e logo contou o que pretendia fazer, pedindo algum dinheiro emprestado.
O amigo concordou em ajudá-lo, mas com uma condição: que fosse junto na viagem.
Depois de pensar por alguns instantes, ele aceitou a proposta.
Mas o problema é que, também o amigo não tinha dinheiro algum.
Ele, porém, lembrou do irmão, dono de uma velha motocicleta — quem sabe ele não toparia vendê-la?
No dia seguinte, o irmão foi consultado e, com certa facilidade, concordou em vender a moto para levantar algum dinheiro.
Mas sob outra condição: que ele também fosse na travessia.
Sem alternativa, o mentor do palno aceitou também.
Em questão de horas, o seu plano de navegar sozinho do Brasil até a Austrália com um veleiro surrupiado ganhou dois novos cúmplices.
Na manhã seguinte, enquanto o amigo saiu para comprar mantimentos com parte do dinheiro arrecadado com a venda da motocicleta, o velejador e o irmão foram até a maior marina da região, prospectar o barco que depois furtariam.
O objetivo era achar um veleiro em bom estado – e de bom tamanho, já que, agora, seriam três pessoas -, capaz de cruzar oceanos da maneira mais rápida possível, já que eles estariam fugindo.
Caminhando pelos trapiches da Marina Bracuhy, naquela época quase aberta ao público, o velejador viu um veleiro que cabia bem nos seus planos.
Era o novíssimo Kangaroo — “Canguru” em português, por ironia, nome do animal símbolo do país para onde eles pretendiam fugir com aquele barco.
E combinaram que fariam isso assim que o movimento habitual de fim de semana na marina terminasse.
Naquele mesmo dia, com outra parte do dinheiro, o velejador pegou um ônibus e foi para o Rio de Janeiro, a fim de comprar cartas náuticas para a travessia até à Austrália.
Achou apenas a da costa da África do Sul, que seria a primeira escala da longa viagem. Comprou, então, um mapa convencional, desses usados em livros de escola, para compensar a falta de cartas náuticas entre a África e a Austrália – não havia como aquilo dar certo…
O plano era cruzar o Atlântico até a Cidade do Cabo, depois contornar o litoral da África do Sul, cruzar o canal de Madagascar, subir até as Ilhas Seychelles e, de lá, num só bordo, alcançar o destino final.
Pelas contas nada precisas de Douglas, seriam quase 10 000 milhas náuticas e mais de dois meses no mar.
Arriscado?
Sim.
Mas ele não via outra forma de tentar mudar de vida rapidamente.
No domingo à noite, quando o movimento dos barcos de fim de semana já havia terminado, o velejador chegou à marina, na companhia de Thor.
Para chegar ao barco sem gerar suspeitas nos vigias, usou um velho truque: se fez passar pelo marinheiro da embarcação e chegou reclamando do patrão – “Onde já se viu, num domingo à noite, mandar levar o barco para o Rio de Janeiro?”.
A jogada foi um sucesso.
Não foi preciso sequer arrombar a portinhola da cabine, porque ela não estava trancada.
O velejador entrou no barco, acionou a chave geral, fez ligação direta no motor, mandou o amigo soltar os cabos e os dois partiram.
“Agora, não tem mais volta”, disse para o comparsa, entre nervoso e aliviado.
Mas, naquele dia, os dois não foram longe.
Logo pararam na vizinha Ilha Grande, onde o irmão do amigo os aguardava com os suprimentos, já que entrar na marina com muitos volumes levantaria suspeitas.
Ao chegarem lá, ficaram sabendo que o terceiro integrante do grupo não havia comprado combustível para o motor do barco, porque havia escassez de óleo diesel na ilha.
Também deram de cara com o pai dos dois jovens, que, intrigado com aquele bonito veleiro no humilde trapiche do casebre da família, perguntou para onde eles iriam.
“Vamos para a Bahia, entregar esse barco”, desconversou o filho mais velho. “Em 15 dias, voltamos”.
O idealizador daquele furto ficou preocupado com a falta de combustível tanto quanto com aquele comentário.
Sabia que a viagem que fariam não teria volta e que a família começaria a procurá-los – e acionar a polícia – após aquele prazo tão curto, o que, de fato, aconteceria mais tarde.
Já, na marina, a ausência do barco não chamou a atenção de ninguém.
Nem mesmo do dono do veleiro, que, depois daquele passeio de estreia, fora para casa pensando em voltar a navegar só bem mais adiante.
Naquela mesma noite, após o velejador apagar as três últimas letras do nome do barco no casco, que, com isso, passou a exibir apenas a palavra “Kanga”, os três partiram, rumo ao outro lado do Atlântico – uma longa, temerária e improvisada travessia, que qualquer navegador razoavelmente responsável julgaria, no mínimo, condenável.
Ainda mais com um barco estranho e furtado.
Mas ele não pensava assim.
Aos poucos, Angra dos Reis foi se tornando uma luzinha cada vez mais distante no horizonte e os três ganharam o mar aberto, sem, contudo, nenhum preparo, como ficaria claro mais tarde.
Para tentar saber em qual ponto do oceano estavam, eles contavam, apenas, com a ajuda de um arcaico SatNav, equipamento que estimava a posição do barco apenas a cada um par de horas.
E, para complicar ainda mais a navegação, o velejador optara por fazer a travessia até a África pelo temido paralelo 40 Sul, uma faixa oceânica abaixo dos dois continentes, dominada por temperaturas gélidas, mar grosso e fortíssimos ventos.
As duas primeiras semanas no mar foram de pura batalha.
Uma das mais intensas foi para tentar reparar as velas do barco com a mesma rapidez com que elas rasgavam, por conta da violência dos ventos.
Seu amigo passava a maior parte do tempo tentando costurá-las.
Mas nem materiais para isso eles tinham.
Usavam a agulha de uma seringa do kit de primeiros socorros do barco, e linhas extraídas do bordado com o nome do veleiro na capa da retranca.
Rapidamente, o que estava ruim foi ficando cada vez pior.
E o velejador, ali comandante do barco, adoeceu.
Sozinhos no comando do barco, os dois irmãos entraram em pânico.
Eles nada sabiam sobre navegação oceânica e não tinham ideia precisa sobre onde estavam.
Deitado, em repouso na cabine do barco, o velejador tentava orientá-los.
Mas só conseguiu retomar o comando do veleiro dias depois – justamente quando começou uma terrível calmaria.
E o pouco combustível que restava no tanque quase vazio do veleiro não deu nem para o começo da jornada a motor.
Sem vento nem motor para se locomover, o único jeito de seguir avançando foi remar – um de cada lado do casco, com remos improvisados, e o velejador atrás, tentando manter um rumo mais ou menos imaginário.
Navegaram assim por cerca de 100 milhas náuticas, vendo os dias passar numa velocidade inversamente proporcional ao estoque de água e comida a bordo.
Logo, começaram a ter que pescar e a captar água da chuva, para comer e beber – isso quando havia peixes e chuvas…
Já estavam numa situação de quase náufragos, quando surgiu um navio no horizonte.
O velejador correu para pegar e disparar um foguete sinalizador.
Mas logo descobriu que não havia nenhum a bordo.
Também não havia bote de apoio, de forma que qualquer abordagem teria que ser feita casco a casco — um perigo e tanto para um veleiro com casco de fibra de vidro contra um imenso navio de aço.
Ele, então, recorreu ao rádio, e com um inglês para lá de precário, tentou contato com o navio.
Queria um pouco de óleo diesel para o motor do barco, o que também garantiria carregar as baterias – fundamentais para fazer os equipamentos e o próprio motor funcionarem.
Por sorte, seu pedido foi entendido e atendido.
Ao passar perto do veleiro, o navio lançou ao mar dois galões de combustível.
E eles foram em frente.
Mas, com o longo confinamento, as animosidades entre os três foram se tornando cada vez mais frequentes.
Insultos, brigas, desconfianças e acusações passaram a fazer parte da rotina, tanto quanto a fome e a sede, já que água e comida logo se tornaram realmente escassas.
O ambiente a bordo ficou tão insuportável, que, em certa ocasião, o comandante perdeu a cabeça e tentou afundar o veleiro, cortando a mangueira de saída de água do casco, para que ele inundasse.
Foi contido pelos irmãos, mas a briga foi feia.
E ainda viria coisa pior pela frente.
Dias depois, os três tiveram um apavorante encontro com um dos mais impressionantes fenômenos da costa africana: as grandes ondas, que surgem sem nenhum aviso.
Em uma sequência delas, o Kangarro não afundou por muito pouco.
E ainda havia o frio congelante das altas latitudes do roteiro que Douglas havia escolhido.
Os três tremiam dia e noite, porque não tinham roupas apropriadas, apenas casacos convencionais, que viviam encharcados – bem como a própria cabine do barco. Quando o frio apertava, o comandante improvisava um casaco extra com a capa do timão do barco.
E se perguntava quando aquele suplício iria terminar?
Dias depois, quando já não havia mais água nem comida a bordo, ele avistou, durante a madrugada, o que pareciam ser luzes ao longe.
Com o passar das horas, elas foram ficando cada vez mais visíveis.
Quando o dia clareou, a silhueta da Cidade do Cabo, a segunda maior da África do Sul. se materializou lá longe.
Após mais de um mês no mar, o Kangaroo, finalmente, chegara ao outro lado do Atlântico.
Mas chegou com as velas rasgadas, alguns brandais quebrados, o mastro ligeiramente torto, a cabine encharcada e, de novo, sem combustível.
E com três homens torrados pelo sol e bem mais magros do que quando partiram.
Na maior marina da cidade, o comandante inventou que eles haviam perdido todos os mantimentos do barco em uma tempestade, e pediu ajuda.
Um dos donos da marina se sensibilizou com a história fictícia – contada em um inglês precário, mas que, por outro lado, impediu perguntas incômodas -, e decidiu ajudar os brasileiros, comprando comida e combustível para eles, além de não cobrar pela ancoragem.
Só assim eles puderam seguir viagem, margeando a costa sul-africana.
Quando, porém, estavam se aproximando da cidade de Durban, milhas adiante, foram interceptados por uma lancha da Guarda Costeira.
Era uma inspeção de rotina e o trio foi instruído a atracar no iate clube local.
Eles tremeram (será que já estavam sabendo do furto do veleiro?), mas obedeceram.
Em terra firme, uma vez mais, o mentor daquilo tudo manteve a mentira sobre a tempestade e narrou alguns detalhes da melancólica travessia do Atlântico – estes reais.
A história impressionou os guardas, que não implicaram nem com a falta de documentos do barco – que, de acordo com a farsa inventada por ele, haviam sido “perdidos quando a cabine do barco inundou”, durante a tal tormenta.
E quem haveria de duvidar que aquele barco, um tanto estropiado, não havia mesmo passado por maus bocados?
Sensibilizado, um dos sócios do clube onde ancoraram até os convidou para uma noite de farra nos bares da cidade.
De repente, tudo voltara a dar certo para os três basileiros.
Até que…
Na manhã seguinte, ainda sob a ressaca da noite anterior, os três decidiram partir rapidamente do clube, antes que alguém fizesse mais perguntas.
Antes disso, porém, como a despensa do Kangaroo já estava quase vazia de novo, um dos irmãos teve a infeliz ideia de invadir o barco ao lado, para roubar comida.
E foi flagrado pelos vigias, que acionaram a polícia.
Era o fim da aventura.
E do sonho do velejador de criar uma nova vida longe do Brasil.
Em vez da Austrália, ele e os dois irmãos foram parar numa cadeia da África do Sul, depois de contarem a história verdadeira por inteiro.
Ficaram presos por um ano, impedidos de receber ajuda até da Embaixada Brasileira – que, a estas alturas, também já sabia do furto do veleiro.
Os três só puderam retornar ao Brasil após cumprirem a pena pelo furto da comida no iate clube – o roubo do barco eles teriam que resolver com a polícia brasileira.
Na volta, foram indiciados, mas absolvidos pela Justiça brasileira, porque alegaram que já haviam sido presos na África do Sul, e não poderiam ser pagar duas vezes pelo mesmo delito – embora fosse outro…
Depois disso, cada um tomou o seu rumo, e trataram de esquecer o assunto.
Ao dono do barco, só restou recuperar e reformar o Kangaroo na África do Sul, e contratar uma tripulação para trazê-lo de volta ao Brasil, onde só chegou dois anos – e uma longa peripécia – depois.
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“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor
“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
Colaborou neste artigo Otto Aquino
por Jorge de Souza | jan 27, 2023
No início de agosto do ano passado, o rebocador holandês Alp Centre partiu do Rio de Janeiro levando a reboque aquele que já foi o maior navio militar brasileiro: o ex-porta-aviões São Paulo, que estava parado havia cinco anos.
Destino: um estaleiro em Aliaga, na Turquia, onde o imenso navio, de 266 metros de comprimento (cuja reforma, orçada em cerca de R$ 1 bilhão, fora considerada inviável) seria desmontado e transformado em sucata.
Seria…
Porque, dias depois, o governo turco proibiu a entrada do porta-aviões no país e ele teve que retornar ao Brasil, quando já estava do outro lado do oceano.
O motivo fora a quantidade não sabida de amianto, material tóxico e cancerígeno mundialmente condenado, que havia bordo do velho porta-aviões, embora um inventário feito no Brasil, antes da partida, tivesse atestado 9,6 toneladas, quantidade largamente contestada.
Desde então, o destino do ex-porta-aviões brasileiro se tornou uma encrenca ambiental e jurídica do tamanho do próprio navio.
E quem está por trás de tudo isso é um humilde morador da periferia de São Paulo, cuja ligação com o gigantesco porta-aviões é apenas afetiva: o ex-soldado da aeronáutica Emerson Miura, de 51 anos de idade.
Cinco anos atrás, ao saber que o porta-aviões seria leiloado para ser transformado em sucata, Miura, na época casado com a comerciária Simone Keiko, resolveu fazer algo para tentar salvar o navio, que ele conhecera uma única vez, durante uma visita pública, no Rio de Janeiro.
Criou, então (mas só no papel, porque lhe faltavam recursos para ir além disso) um instituto, que batizou de Foch-São Paulo (“Foch” era o antigo nome do porta aviões, antes de ser comprado da França, em 2000), cuja missão era a de tentar transformar o navio em um centro cultural e assim preservá-lo.
Recebido com desdém e desatenção pelas autoridades responsáveis pela embarcação – para os quais Miura não passava de “ingênuo sonhador” -, ele, até hoje, não conseguiu fazer decolar o seu projeto transformador.
Mas já conseguiu uma vitória difícil de se imaginar: a da volta do porta-aviões ao Brasil.
Emerson Miura mora quase de favor em uma pequena casa de um tio que morreu, em um subdistrito da Penha, na Zona Leste de São Paulo, não tem carro, anda de ônibus e ganha vida como massoterapeuta autônomo, atividade que lhe rende em torno de R$ 2 000,00 por mês – pouco mais que um salário mínimo e insuficiente para pagar todas as contas, razão pela qual o site do instituto que ele criou na Internet está fora do ar, há meses.
“Precisei cortar despesas”, explica Miura, que já foi office boy, escriturário e vendedor ambulante de perfumes.
Para completar o orçamento, quando a sorte ajuda e alguém encomenda, ele faz kirigamis, maquetes e modelagens em papel, técnica que aprendeu durante os 13 anos em que viveu no Japão, trabalhando como operário de fábrica, após uma breve passagem pela Aeronáutica, onde não ficou mais de um ano, como simples soldado.
Mesmo assim, até hoje, Miura nutre profunda admiração pela vida militar, a ponto de abraçar a causa do maior porta-aviões que o Brasil já teve.
Mas não foi só esse o motivo que fez o paulistano Miura se tornar o mais ferrenho e ativo defensor do porta-aviões brasileiro cujo destino ainda é incerto.
Houve, também, uma razão pessoal e emotiva ainda mais forte: a morte de sua esposa, que compartilhava com ele o mesmo desejo de ver o porta-aviões virar uma espécie de museu flutuante.
“Ela morreu de câncer, dois anos atrás, mas, antes, me pediu para seguir em frente e não desistir do projeto. É o que estou fazendo”, diz Miura, que, até hoje, sempre chora ao lembrar da esposa.
“Depois que minha esposa morreu, passei a me dedicar ainda mais a defesa do porta-aviões, porque era isso que ela queria que eu fizesse. Enquanto ele existir, lutarei pelo navio, também em memória dela”, diz Miura.
“Já me chamaram de tudo: romântico, sonhador, maluco. Não me importo. Luto por uma causa, que é a conservação de um bem público e a sua transformação em algo educativo, não em sucata”, explica.
“É uma oportunidade única de preservar o maior navio que o Brasil já teve”, finaliza.
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André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | jan 27, 2023
# Anteriormente chamado Foch, o ex-porta-aviões São Paulo foi comprado, usado, da França, em 2000, para substituir o lendário Minas Gerais, primeiro navio-aeródromo que o Brasil teve. Mas sua vida útil na corporação foi tão curta quanto problemática.
# Em 2017, após uma série de problemas – e de navegar apenas pouco mais de 200 dias, em 17 anos de atividade – foi desativado, porque sua reforma fora orçada em mais de R$ 1 bilhão. Em seguida, seu casco foi colocado à venda, para ser transformado em sucata, através de leilão.
# Por R$ 10,5 milhões (valor bem abaixo do que valia, segundo especialistas), a empresa turca Sok Denizcilikve Tic arrematou o casco e deu início aos preparativos para levá-lo para desmanche, em um estaleiro na Turquia.
# Durante o processo de venda, um pequeno grupo de aficionados pelo porta-aviões criou um instituto para tentar preservar o navio e impedir o seu desmanche. Mas, sem recursos, nada conseguiram.
# Concretizada a venda, a empresa compradora encomendou um inventário (obrigatório) do material que havia a bordo do velho porta-aviões. Mas só vistoriou 12% do navio, e informou 9,6 toneladas de amianto – 80 vezes menos do que havia em um porta-aviões idêntico ao São Paulo, quando ele foi desmanchado. Mesmo assim, o documento foi aceito pelas autoridades brasileiras e o Ibama expediu autorização de exportação do casco.
# No dia 4 de agosto do ano passado, um rebocador holandês, contratado pelo comprador do casco ao custo diário de cerca de US$ 40 000, partiu do Rio de Janeiro levando o ex-porta-aviões para a lenta travessia do Atlântico, até a Turquia.
# No mesmo dia, uma liminar expedida pela Justiça do Rio de Janeiro, a pedido de um grupo de opositores à venda do porta-aviões naquelas condições (valor questionável, falta de vistoria ambiental completa, desejo de transformá-lo em museu, etc), ordenou que o casco fosse trazido de volta ao porto, “para verificações”. Mas o comboio ignorou a ordem judicial e seguiu em frente.
# Acionada, a Marinha do Brasil nada fez para deter o comboio. E, quando se manifestou, foi para informar que ele “já havia saído do mar territorial brasileiro”, o que poderia ter sido evitado. Sem alçada em águas internacionais, a Justiça brasileira cancelou a liminar.
# Enquanto o comboio cruzava o Atlântico, o mesmo grupo que tentou impedir que o navio partisse, acionou os países por onde ele passaria, informando sobre a quantidade “não sabida” de amianto – material cujo transporte é proibido – que havia a bordo do velho casco.
# Pressionado por ambientalistas, a Turquia proibiu a entrada do comboio no país, quando ele já havia chegado do outro lado do Atlântico, um mês depois. Em seguida, o governo Gibraltar, por onde ele passaria, fez o mesmo. Começava ali a segunda parte do festival de absurdos que se transformou a venda do ex-porta-aviões brasileiro.
# Também pressionado, o Ibama voltou atrás e suspendeu a autorização de exportação que havia dado. Sem alternativa, o comboio teve que retornar ao Brasil – um fato inédito na história da navegação brasileira. Mas levou dias para acatar a ordem, desafiando as autoridades.
# Um mês depois (após uma epopeia de 14 000 km sendo puxado no mar), o casco do porta-aviões retornou ao Rio de Janeiro. Mas nem chegou a atracar. Por ordem da Marinha, foi mandado para o porto de Suape, em Pernambuco, a mais de 1 500 km de distância, para fazer vistorias previstas na lei, para embarcações que passaram muito tempo no mar.
# 15 dias depois, no início de outubro do ano passado, o comboio chegou a Suape, mas também não pode parar no porto, nem para fazer a vistoria, nem para retirar o amianto, única condição para ser aceito na Turquia. Atendendo a um pedido da Secretaria do Meio Ambiente do estado, a Justiça de Pernambuco proibiu a atracação, por temer a quantidade de material tóxico existente a bordo.
# Na chegada, o comboio recebeu ordens de ficar a cerca de 25 km da costa, navegando em círculos, já que o ex-porta-aviões não possui mais âncoras. E ali ficou até ontem, mais de três meses depois – e mais de cinco após ter começado sua saga, ao partir, rebocado, do Rio de Janeiro, em 4 de agosto do ano passado.
# 15 dias atrás, alegando que a parada do navio é responsabilidade das autoridades brasileiras, e prejuízos já acumulados de US$ 10 milhões (mesmo valor que pagou pelo porta-aviões), a empresa turca anunciou a “renúncia ao casco”, devolvendo-o a Marinha do Brasil. Que, no entanto, ignorou a decisão unilateral da empresa. “A venda foi feita”, disse a entidade.
# No final da semana retrasada, a Marinha do Brasil ordenou que o comboio fosse deslocado para bem longe da costa brasileira, por “risco de dano ambiental e comprometimento da navegação” no local onde estava, e enviou dois navios para escoltá-lo.
# Horas depois, no entanto, emitiu um comunicado, informando que estava “assumindo” a operação de reboque do ex-porta-aviões, liberando da função o rebocador holandês que havia sido contratado pela empresa que comprara o navio.
# Mas informou, também, que a responsabilidade pelo ex-porta-aviões seguiria sendo do comprador e que não permitiria mais que ele se aproxime da costa brasileira.
# Desde então, o comboio passou a navegar a 170 milhas da costa, rumo a um ponto específico do mar, dentro da Zona Econômica Exclusiva brasileira (que determina que o Brasil é responsável pelo meio ambiente marinho da área), onde o ex-porta-aviões deve ser afundado na madrugada desta quarta-feira, a despeito dos materiais tóxicos que sabidamente existem a bordo – um crime ambiental promovido pelo próprio órgão que deveria cuidar do mar brasileiro.
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