Em dezembro do ano passado, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte, de 51 anos, precisou desistir da inédita travessia que vinha fazendo do oceano Pacífico a nado por um problema que não teve nada a ver com sua capacidade para encarar aquele desafio monumental: seu barco de apoio quebrou e a travessia teve que ser abortada, quando Lecomte, que havia partido do Japão, já havia cumprido dois terços do caminho e se aproximava do Havaí.

Na ocasião, apesar da decepção, o nadador não saiu da água totalmente frustrado, porque um novo projeto brotara em sua mente justamente enquanto ele nadava: voltar a nadar no Pacífico, mas numa área específica, a da maior concentração de lixo plástico do mundo, que fica ali mesmo.

“Enquanto eu nadava, vi tanto plástico no mar que conclui que a melhor maneira de ajudar a chamar a atenção das pessoas para a gravidade desse problema seria atravessar o maior lixão oceânico do planeta”, disse o nadador, ao apresentar o seu novo projeto.

E foi isso que Lecomte fez.

Em 14 de junho último, ele partiu do Havaí, do mesmo ponto onde terminou precipitadamente sua épica jornada anterior no Pacífico, com o objetivo de atravessar, a nado, a área que é tida como a de maior concentração de lixo e resíduos plásticos de todos os oceanos.

Lecomte queria sentir o problema, literalmente, na pele.

“Na travessia do Pacífico, cansei de esbarrar em peças plásticas na superfície e ver grandes emaranhados de redes de pesca abandonados no meio do mar e é isso que nossa expedição irá registrar e tentar mensurar”, disse Lecomte antes de começar sua bisonha travessia, que foi acompanhada de perto pelo veleiro Icebreaker, onde foram dez voluntários e pesquisadores do projeto.

“Nossa missão não era recolher lixo, porque para isso seriam necessários grandes navios, mas sim mensurar o problema, através de medições da quantidade de micropartículas de plásticos a cada captura que fazemos com uma espécie de rede que levamos no barco”, explicou o nadador.

Entre outros absurdos, Lecomte e equipe encontraram escovas de dente no meio do oceano, incontáveis tampinhas de garrafas, um cesto de lavanderia coberto de cracas (sinal de que estava no mar há muitos anos), diversas boias de barcos e uma dezena de redes de pesca abandonadas, as chamadas “redes fantasmas”, que, mesmo desativadas, continuam capturando peixes e demais seres marinhos que nelas se enroscam.

Também capturaram um dourado, que, ao ser aberto, revelou pedacinhos de plástico no estômago.

Logo no primeiro dia, quando Lecomte ainda nadava em águas havaianas, sua equipe encontrou uma grande rede de pesca abandonada, e a captura de amostra da água revelou 95 partículas de microplástico em apenas meia hora – número que, depois, subiria para perto de 500 partículas, na parte mais crítica do chamado “Lixão do Pacífico”.

Segundo pesquisadores, a cada ano, oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar no oceano Pacífico, levados pelos rios. Mas o que é visto boiando na superfície representa apenas 1% disso.

“99% dos resíduos plásticos que poluem os mares estão submersos ou transformados em micropartículas, que se tornam fatais para os seres marinhos ao serem ingeridas”, diz o cientista ambiental Markus Eriksen. “O que vemos na superfície é só a pontinha do iceberg”.

Mesmo assim, Eriksen é otimista. “Ainda dá tempo de fazer algo e reverter este quadro. Mas é preciso agir rápido e convencer as pessoas de todo o planeta de que sempre que elas descartam lixo fora dos locais apropriados, ele vai parar inevitavelmente no mar, levado pelas enchentes, pelas tubulações e pelos rios. Este hábito precisa mudar”.

Os mais pessimistas, no entanto, veem a questão com outros olhos, bem mais alarmantes.

Segundo eles, em 2050 (portanto, daqui há apenas 31 anos), haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos.

Dados ainda mais catastróficos estimam que, atualmente, já exista perto de dois trilhões de artefatos de lixo plástico nos oceanos, ou 250 para cada habitante do planeta.

A razão pela qual essa monumental quantidade de plástico se concentra naquele ponto específico do Pacífico tem a ver com as correntes marítimas.

Ali, diversas correntes se encontram e ficam dando voltas sem parar, no chamado Giro do Pacífico, uma espécie de corrente marítima circular.

Por conta dessa característica, aquela parte do Pacífico virou uma espécie de ralo, concentrando a sujeira do oceano, sobretudo o plástico, que leva décadas para começar a se degradar na água.

Uma garrafa de plástico lançada ao mar na costa da Califórnia irá chegar ao litoral do Japão, do outro lado do Pacífico, num prazo estimado entre três e cinco anos. E após outro período igual a esse, retornará ao mesmo ponto, dando início a um novo giro. E assim indefinidamente.

Por ficar eternamente girando no oceano, o ciclo do lixo no Pacífico não termina nunca. E o plástico, que compõe a grande maioria dele, praticamente também não. “O plástico foi feito para desafiar a natureza”, lamenta um ambientalista da equipe de Lecomte.

Esta perversa característica das correntes marítimas da região foi descoberta, por acaso, em 1990, quando um navio deixou cair um container com 65 000 pares de tênis no meio do Pacífico.

Embora o container tenha espalhado sua carga no mar, nenhum tênis jamais chegou à costa, por conta das correntes circulares. E estão lá até hoje.

Segundo a oceanógrafa Sarak Royer, da Universidade do Havaí, plásticos que foram parar no mar quando do início da popularização deste material, na década de 1950, ainda seguem boiando no Pacífico ou (o que é pior) transformados em micropartículas, com efeito letal para os seres marinhos.

“É como se o ar que respiramos estivesse impregnado de partículas toxicas”, compara a oceanógrafa. “É isso o que a humanidade está fazendo com os peixes, baleias e tartarugas, ao permitir que o lixo plástico chegue ao mar”.

“Na travessia, coletamos dados para a criação do primeiro levantamento realmente prático da poluição marinha causada pelo plástico”, explicou o nadador, cuja equipe também aplicou sinalizadores de GPS nos objetos maiores que encontrou no mar.

“Também queremos saber exatamente como o lixo navega no Pacífico”, diz Lecomte, que tem no currículo outras façanhas incríveis, como a travessia do Atlântico, também a nado, em 1998.

Na ocasião, contudo, seu feito foi bastante questionado, porque, enquanto ele descansava no barco de apoio, a embarcação seguia navegando, o que não mais aconteceu na tentativa de travessia do Pacífico – que se transformou numa mistura de aventura com experimento científico.

Segundo pesquisadores, a cada ano, oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar no Pacífico, levados pelos rios que nele deságuam. E o que é visto boiando na superfície representa apenas 1% disso.

“99% dos resíduos plásticos que poluem os mares estão submersos ou transformados em micro partículas, que são fatais para os seres marinhos ao serem ingeridas”, diz o cientista ambiental Markus Eriksen. “O que vemos na superfície é só a pontinha do iceberg”.

Mesmo assim, Eriksen é otimista. “Ainda dá tempo de fazer algo e reverter este quadro. Mas é preciso agir rápido e convencer as pessoas de todo o planeta de que sempre que elas descartam lixo fora dos locais apropriados, ele vai parar no mar, levado pelas enchentes, pelas tubulações e pelos rios. Este hábito precisa mudar”.

Dados ainda mais catastróficos estimam que já existam nos oceanos perto de dois trilhões de artefatos plásticos, ou 250 para cada habitante do planeta.

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