por Jorge de Souza | fev 3, 2025
A segunda metade do século 19 marcou a transição dos barcos a vela para os navios a vapor.
Mas, durante bom tempo, muitas embarcações, receosas de uma mudança tão radical na forma de navegar, usaram os dois sistemas simultaneamente, navegando ora com o vento, ora a motor.
No Brasil, um dos primeiros barcos a incorporar a novidade das caldeiras (sem, no entanto, abrir mão dos mastros) foi a corveta Vital de Oliveira, da Marinha Brasileira.
Ela ainda usava casco de madeira, mas já estava equipada com um engenho auxiliar de propulsão mecânica – uma novidade e tanto na época.
Por esse motivo, em 1879, quando a corporação decidiu empreender aquela que seria a primeira circum-navegação do planeta feita por uma embarcação com bandeira brasileira (oficialmente, não havia sequer registros de que algum cidadão brasileiro já tivesse feito isso), o navio escolhido para aquela viagem foi a Vital de Oliveira, então a melhor e mais moderna embarcação brasileira.
O objetivo da viagem era treinar novos marinheiros e demonstrar o poderio da Marinha do Brasil para o restante do continente sulamericano.
O comando do barco foi entregue ao capitão-de-fragata Julio de Noronha, que selecionou uma tripulação de quase 100 homens para aquela longa viagem, prevista para durar mais de um ano.
Mesmo com o advento do motor, a velocidade média dos barcos continuou sendo praticamente a mesma de antes, porque não era possível levar a bordo um estoque de carvão que permitisse navegar a motor o tempo todo, muito menos na velocidade máxima.
A Vital de Oliveira partiu do porto do Rio de Janeiro em 19 de novembro de 1879, e, ao longo da viagem, foi derrubando fronteiras.
Tornou-se, entre outros feitos, o primeiro navio brasileiro a atravessar o então recém-construído Canal de Suez.
Mas, por outro lado, enfrentou acidentes que quase transformaram aquela travessia na primeira grande tragédia náutica nacional.
No pior deles, seis marinheiros morreram durante a travessia do Pacífico, vítimas de beribéri, uma doença causada pela falta de vitamina B no organismo.
O problema foi causado por um interminável nevoeiro, que acompanhou o navio por metade do percurso e umidificou — e apodreceu — os alimentos a bordo.
No mesmo trecho, outros três marinheiros morreram vítimas de um tipo de acidente bastante corriqueiro naqueles tempos, a queda no mar.
A primeira perda aconteceu na chegada do barco à França, quando um marinheiro caiu do mastro e sumiu no mar.
A escala francesa teve um objetivo também diplomático: embarcar uma missão brasileira que dali seguiria até a China, a fim de tentar convencer os chineses a imigrarem para o Brasil, para substituir a mão de obra escrava, recém-proibida no país, e que acabou não dando em nada.
Da China, a Vital de Oliveira seguiu adiante e chegou ao Japão, já do outro lado do mundo.
Como acontecia em todos os portos por onde passava, a escala do navio brasileiro no Japão foi longa e repletas de cerimônias e homenagens.
Afinal, nunca um barco oficial brasileiro passara por lá.
Mas, em seguida, veio o pior trecho da viagem: a travessia do Pacífico.
E as mortes causadas pela comida apodrecida.
Ao chegar a São Francisco, do outro lado do oceano, outros 16 marinheiros brasileiros tiveram que ser hospitalizados por causa de infecções contraídas na travessia, e por lá ficaram.
O navio, então, seguiu para Acapulco, na costa do México, onde outro susto quase virou uma nova tragédia: um terremoto atingiu a cidade durante a escala do barco na cidade.
Até que, 15 meses depois de ter partido do Brasil, a Vital de Oliveira finalmente retornou ao Rio de Janeiro, trazendo 25 homens a menos na tripulação, mas com um grande feito no currículo: o de ter se tornado o primeiro barco brasileiro a dar uma volta do mundo navegando.
Desde então, o nome Vital de Oliveira nunca mais deixou de ser usado em alguma embarcação da corporação.
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por Jorge de Souza | jan 18, 2025
A Ilha Gardiners, bem na pontinha da ilha de Long Island, vizinha a Nova York, é considerada uma das propriedades mais fechadas e exclusiva dos Estados Unidos, já que há quase quatro séculos pertence à mesma família: os Gardiners, que batizam a própria ilha.
Foi nela que, no final do século 17, o legendário pirata Capitão Kidd sabidamente escondeu frutos dos seus saques, que, possivelmente, ao serem encontrados séculos depois, só fizeram aumentar a fortuna dos centenários donos do local.
Mas ninguém pode entrar na ilha – só parentes ou convidados especiais dos Gardiners.
Mas a Ilha Gardiners tem outra peculiaridade, além da sua exclusividade: uma exótica linhagem de gatos, originários da distante Ilha de Malta, que foram parar ali graças a um naufrágio.
Tudo começou quando a escuna Maria Louisa, que tinha uma gata da espécie maltese a bordo, naufragou perto da ilha, no dia de Natal de 1812.
A bichana, que acabaria sendo batizada com o mesmo nome do barco, sobreviveu ao naufrágio e foi resgatada por um funcionário da família dona da ilha, que possuía outro gato.
E a união daqueles dois animais deu início a uma das mais puras linhagens felinas dos Estados Unidos, já que, por ser uma ilha particular com acesso proibido há séculos, os descendentes daquela gata náufraga jamais se misturaram com os de outras espécies, o que fez com que as características fossem mantidas nos seus descendentes até hoje.
Graças a um naufrágio, a Ilha Gardiners se tornou exclusiva até nos animais que a habitam.
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por Jorge de Souza | dez 19, 2024
O menino nigeriano Eyitope Aiyegbusi tinha um sonho: ser jogador de futebol.
Mas, órfão de pai desde os três anos de idade, doado pela mãe (que não tinha condições de cria-lo) a uma amiga que vivia pior ainda na Libéria, sem comida nem dinheiro para nada, o seu futuro estava seriamente comprometido.
Mas ele tinha fé em Deus, herança da mãe religiosa, e decidiu ir embora, em busca de uma vida menos sofrida e mais esperançosa.
Aos sete anos de idade, Eyitope passou a perambular, sozinho, pela África, dormindo nas ruas, fugindo da Polícia (porque não tinha autorização para viajar) e comendo apenas o que alguém lhe desse.
Passou pelo Quênia, Tanzânia e Moçambique.
Até que chegou à África do Sul, onde foi preso, por falta de documentos.
Levado pela Polícia, passou dois meses detido – mesmo sendo apenas um garoto.
A delegada que o deteve queria saber se ele estava envolvido na venda de drogas. Eyitope, que sobrevivia lavando pratos e dormindo nas ruas de Johanesburgo, contou sua história.
A policial se sensibilizou, o soltou e fez ainda mais por aquele garoto solitário: deu um jeito de conseguir documentos (forjados), que passaram a atestar que ele era de Serra Leoa (e não da Nigéria, já que não tinha nenhum documento) e se chamava “Gofu Felix Corleoma” – nome que passou a ser o seu.
Com isso, Eyitope passou a ter, ao menos, tinha um documento.
E agradeceu a Deus por isso.
Mas a vida nas ruas de Johanesburgo também não lhe dava perspectivas de futuro, muito menos como jogador de futebol.
Foi quando Eyitope (agora Gofu), decidiu ir embora, de novo, desta vez não apenas de país, mas da África.
Conseguiu que um amigo lhe comprasse uma passagem de trem até o porto de Durban, e ali colocou o seu plano em prática: embarcar em um navio, para tentar a vida em outro canto do mundo.
Como clandestino.
Com apenas uma garrafa de água e um punhado de açúcar no bolso – único “alimento” que teria enquanto estivesse escondido dentro de algum navio -, Gofu foi para o porto e escolheu aleatoriamente o cargueiro de bandeira panamenha (mas tripulação chinesa), Aldebaran II, que estava sendo carregado com engradados de comida através de um guindaste, e se agarrou nos fardos.
Içado, embarcou sem que ninguém o visse.
Era a noite de 16 de dezembro de 2000, e começava ali a nova vida de Gofu.
Que, no entanto, quase a perdeu por isso.
Uma vez a bordo, Gofu se esgueirou pelo convés e entrou na primeira porta que viu.
Ela dava em uma escada, que o levou aos porões do navio.
Ali, ele se escondeu debaixo de uma pilha de cordas e ficou aguardando a partida do cargueiro, que, para sua sorte – que também não tinha a menor ideia de para onde aquele navio seguiria – aconteceu naquela mesma noite.
Durante uma semana, Gofu permaneceu escondido no porão do navio, sobrevivendo apenas da garrafa de água e do açúcar que tinha no bolso.
Mas, quando a fome apertou, decidiu se entregar, já que também sabia que estava longe da África, de onde tanto queria fugir.
Quando viu passar um tripulante, saiu do esconderijo e pediu ajuda.
O sujeito, um grego que falava um pouco de inglês, único não chinês da tripulação, ficou estupefato e avisou o comandante do navio, Yao Ren Fun – que, depois de interrogar o garoto, mandou que ele fosse colocado em uma espécie de cela, com grades de ferro, que havia no porão do navio. Gofu estava preso.
Mas agora, ao menos, sendo alimentado.
E ele agradeceu novamente a Deus por isso.
O nigeriano passou uma semana trancado naquela cela, enquanto o navio navegava, rumo aos Estados Unidos.
Mas ele não sabia para onde estava indo.
Tampouco o que lhe aguardava em seguida.
Na madrugada do último dia do ano, 31 de dezembro, o Aldebaran II estancou no meio do mar e Gofu foi acordado, retirado da cela e levado para o convés, por um tripulante chinês.
Lá, encontrou o comandante Yao Ren Fun, que lhe ordenou pular do navio – uma forma de se livrar daquele problema, já que, pelas leis, os próprios navios são responsáveis por eventuais passageiros clandestinos.
Gofu se desesperou e se agarrou a grade do convés, enquanto alguns tripulantes tentavam atirá-lo à força no mar.
Mas o máximo que conseguiu foi receber um colete salva-vidas (cujo nome do navio foi retirado, para não deixar pistas) e um tonel vazio, a título de balsa, ao qual foi amarrado.
E foi atirado ao mar.
Mesmo não sabendo nadar.
Uma vez na escuridão do mar, vendo o navio ir embora e bebendo muita água, Gofu passou a rezar.
Pedia a Deus que o tirasse daquela situação, ou o fizesse morrer rápido, para não sofrer demais.
Foi uma noite traumática e interminável.
Quando o dia amanheceu, o último do ano 2000 – enquanto o mundo se preparava para celebrar, com muita festa, a chegada do século 21 -, a situação de Gofu ficou pior ainda: alguns peixes passaram a bicar sua pele, gerando doloridas feridas.
Mas isso não o angustiava tanto quanto não saber por quanto tempo ainda viveria.
Agarrado ao tonel, no meio do oceano, sem nenhum barco ou terra à vista, ele chorava, enquanto conversava mentalmente com Deus e pedia uma salvação.
E ela veio, horas depois.
Na tarde daquele dia, pai e dois filhos, pescadores do litoral do Rio Grande do Norte, discutiam se retornariam para terra firme para a festa de fim de ano, ou continuariam pescando, quando um deles, contrariado, saiu da cabine para espairecer do lado de fora do barco.
Ao fazer isso, viu um tambor flutuando na água.
E decidiu pegá-lo, porque haveria de ter alguma utilidade.
Apesar do pai ser contra aquela ideia, um dos filhos aproximou o barco daquele tonel à deriva.
E viu que, agarrado a ele, havia um garoto negro, àquelas alturas já quase afogado.
Após quase 12 horas no mar, Gofu estava milagrosamente salvo, embora isso contrariasse todas as probabilidades.
Para ele, fruto inequívoco da vontade de Deus
Resgatado – mas sem entender uma palavra do que aqueles pescadores diziam, sequer onde estava -, Gofu foi levado para a praia de Tibau do Sul, no litoral do Rio Grande do Norte, e de lá encaminhado à Polícia – quando, enfim, entendeu que estava no Brasil, a “Terra do Futebol”, esporte que ele tanto amava.
Na sua cabeça, aquilo também só poderia ser obra de Deus.
E ele teve absoluta certeza disso quando, dias depois, foi procurado pela Arquidiocese da Igreja Católica de Natal, cujo arcebispo, Dom Heitor de Araújo Sales, ouvira a notícia do incrível resgate de Gofu no mar, e decidiu ajuda-lo.
Mais que isso, o religioso – a quem Gofu passou a chamar de “pai” – resolveu “adota-lo” de certa forma, oferecendo casa e apoio jurídico, para que ele permanecesse legalmente no Brasil.
Tempos depois, Gofu conseguiu cidadania brasileira, baseado no argumento de que não tinha mais sequer uma pátria para chamar se sua.
Em Natal, Gofu também conseguiu realizar o sonho de jogar futebol, embora não por muito tempo.
Após duas temporadas atuando em pequenos times locais, casou, teve duas filhas e decidiu procurar empregos mais sólidos.
Trabalhou como sapateiro, vigia noturno, porteiro de escola, e o que mais lhe oferecessem, sempre agradecendo a Deus por tudo, especialmente por estar vivo.
Pouco antes disso, a Polícia Federal brasileira ficou sabendo que o navio do qual Gofu fora atirado ao mar faria uma parada no porto de Itaqui, em São Luiz, no Maranhão, e determinou que sua tripulação fosse interrogada.
O próprio Gofu fez a identificação dos envolvidos: nove chineses, incluindo o comandante Yao Ren Fun.
A princípio, ele negou que aquilo tivesse acontecido.
Mas, depois, ao cair em contradição com o que disse outro suspeito, imputou a decisão de lançar o clandestino ao mar ao subcomandante Yang Yu Bin, que, no entanto, era seu subordinado.
No seu depoimento, o comandante do Albebaran II também alegou que havia aproximado o navio da costa, para que Gofu “pudesse nadar até uma praia”.
Mas foi contradito pelos registros de navegação do próprio navio, que mostraram que, naquela noite, o cargueiro navegava a 55 quilômetros da costa.
Com base nisso, os envolvidos foram presos preventivamente, acusados de tentativa de homicídio.
Mas não passaram muito tempo na cadeia.
Logo, foram soltos, passaram a responder ao processo em liberdade, saíram do país e nunca mais voltaram.
Ninguém foi punido pela atrocidade cometida contra aquele garoto, que só não morreu porque – como sempre disse – “Deus não permitiu”.
Mesmo assim, Gofu não guardou mágoas dos seus algozes.
Ao contrário, cada vez mais religioso, vivendo até hoje em Natal em uma casa da Arquidiocese local, diz que gostaria de reencontrar o comandante chinês, não para se vingar, mas para pedir desculpas por ter invadido o seu navio.
E também pedir que ele não fizesse aquilo com outras pessoas.
“Deus nos ensinou a amar o próximo”, diz. “Rezo todos os dias por ele”.
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por Jorge de Souza | dez 5, 2024
No início de julho de 2020, o navio graneleiro japonês Wakashio zarpou, vazio, do porto de Cingapura, com destino ao Brasil, onde receberia um carregamento de grãos no porto catarinense de Imbituba.
Mas aquela viagem terminou na metade do caminho, quando sua tripulação, com a anuência do capitão indiano Sunil Nandeshwar, decidiu aproximar o navio da principal ilha do arquipélago Mauricio, no Oceano Índico, a fim de captar sinais de telefonia que lhes permitissem se comunicar com amigos e familiares.
No dia 25 de julho, o grande cargueiro, com 299 metros de comprimento, começou a se aproximar da ilha.
Ao mesmo tempo, teve início uma festinha de aniversário de um dos tripulantes, para a qual até o comandante fora convidado.
Ele, então, delegou ao segundo oficial Hitihanillage Tilakaratna a responsabilidade de conduzir o navio durante aquela passagem ao largo da ilha, instruindo, porém, que ela deveria ocorrer “a cerca de cinco milhas da costa”.
Em seguida, o comandante foi para a festa, levando com ele também o “vigia” do turno, tripulante que, de acordo com os protocolos de segurança, deveria permanecer sempre na ponte de comando.
Quase uma hora depois, o comandante, já visivelmente embriagado, retornou à ponte de comando, mas nem chegou a conversar com seu imediato, porque ele estava ocupado.
O comandante deu apenas meia-volta e retornou à festa, onde permaneceu, bebendo e conversando alegremente com seus subordinados.
Até que um violento baque fez tremer todo o casco do navio: o Wakashio havia colidido com a barreira de corais que rodeia a ilha principal de Mauricio e encalhado.
Quando ficou claro que apenas os motores do navio não dariam conta de tirar o cargueiro daquela situação, o comandante do Wakaskio comunicou o fato às autoridades marítimas da ilha e pediu ajuda.
O socorro veio rápido e removeu todos os 20 tripulantes do navio, que nada sofreram no episódio – bem como o enorme cargueiro, que, a princípio, permaneceu apenas cravado no fundo arenoso da barreira de corais.
Como não havia nenhuma carga a bordo, não houve preocupação em esvaziar o navio, a fim de evitar danos ambientais à região.
E, talvez, nada mesmo de ruim acontecesse, não fosse a combinação da imprevisibilidade da natureza com o descaso.
Em 15 de agosto de 2020 – 20 dias após o encalhe e algumas tentativas frustradas de remover o cargueiro da bancada de corais na qual jazia espetado –, uma tempestade fez o mar subir barbaramente e grandes ondas passaram a açoitar o navio inerte.
Logo, o seu casco passou a ser retorcido e a exibir rachaduras, até que se partiu ao meio, feito um brinquedo.
Foi quando começaram os verdadeiros problemas causados pelo Wakashio.
Com o rompimento do casco, cerca de 1 000 toneladas de óleo diesel que estavam nos tanques de combustível do navio vazaram para o mar, contaminando a até então impecável barreira de corais das Ilhas Mauricio, um paradisíaco arquipélago com belas praias e forte apelo turístico.
Para piorar ainda mais o quadro, o acidente ocorreu bem próximo a um santuário ecológico, repleto de animais marinhos.
Nos dias subsequentes, peixes, tartarugas, golfinhos e até baleias começaram a chegar, mortos, às praias da ilha.
O vazamento afetou uma área de cerca de 30 quilômetros quadrados – o pior desastre ambiental da história das Ilhas Mauricio.
E só não foi ainda pior, porque moradores voluntários da ilha trataram de instalar, eles próprios, barreiras improvisadas nos recifes de corais, usando fardos de palha revestidos com tecidos, depois que ficou clara a inépcia do governo local para lidar com o problema.
“Como nunca tivemos um desastre ambiental, não estávamos suficientemente preparados para lidar com um problema dessa magnitude”, admitiu o Ministro do Meio Ambiente das Ilhas Mauricio, diante dos protestos que tomaram ruas da capital, pedindo, inclusive, a renúncia do Primeiro Ministro – que também foi acusado de reprimir a mídia local, para que os fatos não fossem divulgados na sua totalidade.
Para os ambientalistas, a inépcia do governo, que nada fez para retirar o óleo que havia no navio, apesar da crítica posição em que ele se encontrava, fora uma “tragédia anunciada”.
Mesmo assim, o governo mauriciano se limitou a decretar, burocraticamente, “situação de emergência” e, com base nisso, cobrou uma indenização de 34 milhões de dólares ao Japão, já que o navio pertencia a uma empresa japonesa – ou seja, do limão, os políticos da ilha resolveram fazer uma limonada, e lucrar com o caso.
Quando a tempestade passou, a proa do navio partido ao meio, que se soltara com a tormenta, foi rebocada para alto-mar e ali afundou, uma semana depois.
Já a popa seguiu encravada no recife, vazando paulatinamente ainda mais óleo, o que gerou outra tragédia – esta, ainda pior que o vazamento tóxico.
No dia 31 de agosto, durante uma tentativa de remoção do que restara do navio (que, por fim, teve que ser demolido ali mesmo, aumentando ainda mais a contaminação do mar), um dos rebocadores que participava da operação colidiu com uma barcaça, causando a morte de três tripulantes e o desaparecimento de um quarto.
Foi uma tragédia dentro da outra.
Ao final do processo, os responsáveis pelo Wakashio foram julgados e condenados pela justiça das Ilhas Mauricio a 16 meses de prisão: o comandante, por ter bebido e não percebido que o navio saíra completamente do rumo; e o segundo oficial, que conduzia o navio no instante do acidente, que admitiu não ter consultado o ecobatímetro (aparelho que mede a profundidade, o que indicaria o avanço do navio na direção das rasas águas no entorno da ilha), nem se oposto à não presença do vigia na ponte de comando, como manda o regulamento marítimo.
Por fim, o inquérito concluiu que “houve falta de vigilância do segundo oficial” e “negligência e excesso de confiança do capitão no seu subordinado”.
E tudo porque, enquanto o navio avançava implacavelmente em direção da ilha, o encarregado de conduzir o navio estava distraído, falando ao celular.
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por Jorge de Souza | nov 29, 2024
No final do ano passado, um experiente velejador sul-africano, de passagem pela costa do Rio Grande do Norte, decidiu fazer uma escala para repor suprimentos no Iate Clube de Natal e descansar um pouco.
Ao chegar lá, encontrou, ancorado diante do clube, um barco que lhe chamou a atenção: um bonito veleiro da marca Hansen, que ele conhecia bem: o Mischief, que pertencia a uma empresa de aluguel de barcos na distante Croácia.
Só que o veleiro estava com outro nome (Albina) e outra bandeira (da Rússia).
Intrigado, o velejador entrou em contato com a empresa dona do veleiro e revelou o achado.
Foi quando os donos do barco finalmente ficaram sabendo do paradeiro daquele veleiro, avaliado em cerca de 600 mil euros, que havia sido furtado mais de um ano antes, no distante litoral da Croácia.
Toda aquela história havia começado em julho de 2022, quando o veleiro Mischief (“Travessura”, em português) partiu do porto de Kastela, no litoral croata, para um suposto cruzeiro de uma semana pela região, alugado por um comandante da Letônia, que estava acompanhado de um marinheiro russo, que usava um passaporte português.
De Kastela, os dois seguiram para a turística ilha de Korcula, onde o veleiro ficou parado por uma semana.
Até que, com a chegada à Korcula de uma brasileira acompanhada de um casal também da Letônia (a incidência de cidadãos de países da antiga União Soviética, como Lituânia, Letônia e a própria Rússia nesta caso não era mera coincidência), o veleiro foi levado embora, para um destino incerto.
Antes disso, porém, o tal capitão letão que havia alugado o veleiro em seu nome (mas, segundo ele, como simples comandante contratado para aquele cruzeiro de uma semana com alguns “clientes”), dava queixa de “roubo do barco”, como subterfúgio para se eximir do envolvimento direto no desaparecimento do veleiro.
O que aconteceu em seguida, não se sabe em detalhes até hoje.
Mas é certo que o barco passou um tempo escondido em algum canto do mar Mediterrâneo, muito possivelmente no litoral da Tunísia, sendo adulterado, antes de reaparecer com outro nome no casco (“Albina”), outro documento igualmente falso até no modelo original do barco (que era um veleiro Hansen 588, mas constava como sendo um modelo 575), e outra nacionalidade (a russa), em uma marina da cidade de Smir, no Marrocos.
De lá, após uma curta estada, o veleiro cruzou o Atlântico rumo ao Brasil, mas já com outra tripulação: um capitão russo, acompanhado apenas por um tripulante da Lituânia.
O destino registrado foi o Rio de Janeiro.
Mas o veleiro não seguiu para lá.
Na altura do litoral de Pernambuco, o barco estancou, a fim de cumprir a função pela qual havia sido roubado: receber um carregamento de mais de 3,5 toneladas de cocaína, que seria levado do Brasil para a Europa.
A operação só não deu certo porque, na véspera, a Marinha do Brasil interceptara na região um barco de apoio carregado com 3,6 toneladas de cocaína, que seria transbordada para o veleiro.
Os dois tripulantes trataram de fugir, e esconderam o veleiro no Iate Clube de Natal.
Em seguida, foram embora do país, deixando o barco sob os cuidados de uma terceira integrante da quadrilha, uma jovem mulher da Letônia, que chegara pouco antes ao Brasil.
A princípio, a polícia brasileira chegou a cogitar a possibilidade de que tudo não passava de um simples caso de furto de um barco valioso, orquestrado por uma quadrilha especializada nesse tipo de crime.
Ou que o barco poderia ter sido usado apenas para trazer algo ilegal para o Brasil, e aqui descarregado o seu conteúdo, antes de ser levado para o iate clube potiguar.
Mas logo ficou claro que o motivo era outro: o tráfico internacional de drogas, do Brasil para o exterior.
Acionada pela empresa proprietária do barco – que ficara sabendo do paradeiro do veleiro através daquele improvável velejador sul-africano –, a polícia brasileira encontrou no interior da embarcação, além do manual do modelo original com as três primeiras páginas arrancadas – justamente as que continham o nome do proprietário, outro claro indício de que fora furtado –, a tal mulher letã, que fora incumbida de cuidar do barco.
Dentro do veleiro, a polícia também achou, escondido, um telefone celular com farta comunicação em russo, que passou a ser decifrado, a fim de tentar entender como funcionaria aquela que poderia ter sido uma das maiores operações de tráfico de cocaína do Brasil para a Europa.
E que só não foi levada a contento porque outro barco foi apreendido pouco antes de transferir a droga para o veleiro surrupiado, e pelo improvável fato de que, mais tarde, aquele veleiro croata seria identificado por um velejador sul-africano de passagem pela capital do Rio Grande do Norte.
Uma dupla dose de sorte para a polícia e os donos do barco, e de azar para os traficantes.
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por Jorge de Souza | nov 19, 2024
Vinte anos atrás, o mergulhador uruguaio Héctor Bado encontrou no fundo do Rio da Prata os destroços do couraçado alemão Graf Spee, afundado no início da Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante nos arredores do porto de Montevidéu, onde ele buscara abrigo ao ser cercado pelos inimigos ingleses.
Em seguida, financiado por dois empresários uruguaios, os irmãos Alfredo e Felipe Etchegaray, o mergulhador sacou dos destroços a parte mais emblemática daquele navio, que, de certa forma, passou a fazer parte da História do Uruguai: uma grande águia de bronze de quatro toneladas, com as asas abertas e a suástica nazista presa em suas garras, que decorava a proa do cruzador, na época o mais poderoso da Marinha Alemã.
Foi quando começou uma novela que, até hoje, 20 anos depois, ainda não terminou – e que virou uma dor de cabeça judicial e diplomática até para o governo uruguaio.
O que fazer com aquela águia – símbolo do poder nazista -, que desde então está guardada dentro de uma caixa de madeira em um depósito da Armada uruguaia?
Aparentemente, ninguém no governo sabe, embora os empresários que financiaram o resgate da icônica imagem não tenham dúvidas sobre o que deve ser feito com a emblemática águia:
“O governo uruguaio tem que honrar o contrato que assinou conosco, enviar ou vender a peça para uma entidade cultural e nos pagar metade do que ela vale”, diz Alfredo Etchegaray, um conhecido relações públicas e milionário uruguaio, que diz ter investido uma pequena fortuna para retirar o objeto intacto do fundo do rio.
“O melhor destino para a imagem seria ir para um museu aqui mesmo, em Montevidéu, já que a Alemanha sempre pressionou o governo uruguaio para que a águia não saísse do Uruguai, porque é um tema que incomoda aos alemães até hoje”, diz Etchegaray, que acrescenta: “Mas também não me agrada a ideia que ela seja vendida para um colecionador qualquer, porque, em mãos erradas, poderia servir de objeto de culto para grupos neonazistas”, diz.
E quanto vale a águia de bronze do Graf Spee?
“Difícil dizer, porque é um objeto histórico. Mas estimo uns 60 milhões de dólares”, diz Etchegaray, que sempre foi contestado, tanto no direito que alega ter sobre 50% do valor da peça, quanto no que diz que ela vale, pelo governo uruguaio, que, no entanto, não sabe o que fazer com a batata quente que tem nas mãos.
O problema é que, desde que a águia foi içada do fundo do rio, o governo uruguaio, que pela lei tem direito a tudo o que há submerso nas águas territoriais do país, vem sendo pressionado tanto por Etchegaray, que quer receber o que diz ter direito por contrato, quanto pela Alemanha, que gostaria que o assunto fosse esquecido, e até pela comunidade judaica, dividida em duas vertentes contrárias.
Enquanto uma parte da comunidade judaica uruguaia quer que a águia vá para um museu adequado (Etchegaray diz já ter recebido propostas tanto do Museu do Holocausto de Washington quanto de Israel, mas não cabe a ele negociar, e sim ao governo uruguaio), outra preferiria que ela fosse simplesmente destruída, “como uma forma simbólica de deixar os horrores do nazismo no passado”, como defende o ex-presidente do Comitê Central Israelita, Ernesto Kreimerman.
“Nenhum símbolo do poder nazista foi conservado intacto”, defende Kreimerman. “Até o bunker de Berlin foi posto abaixo”, diz.
Mas Etchegaray e o próprio governo uruguaio são radicalmente contra essa medida extrema.
“A águia merece ter um destino acadêmico e cultural e a criação de um museu sobre o naufrágio do Graf Spee, em Montevidéu, financiado pela Alemanha, que quer que ela fique no nosso país, seria perfeito”, diz o empresário, antevendo aí a melhor forma de receber o dinheiro que diz ter a receber do governo.
O governo uruguaio, no entanto, alega que Etchegaray não cumpriu o contrato integralmente, porque retirou apenas as partes que lhe interessava do naufrágio e não promoveu a remoção de todos os escombros, que até hoje complicam a navegação nas imediações do porto de Montevidéu.
Anos atrás, porém, Etchegaray conseguiu uma vitória.
A Justiça uruguaia ordenou que o Ministério da Defesa, que tem a guarda da peça, promovesse a venda da águia do Graf Spee num prazo de 90 dias e pagasse a parte que ele tem direito (o mergulhador Héctor Bado, que achou o objeto, morreu dois anos atrás, sem nada receber por ele).
O governo, então, recorreu da sentença.
Mas, depois, às vésperas do fim do prazo dado pela Justiça para a venda do objeto, o governo uruguaio anunciou que “estava negociando com Etchegaray”, e que, de comum acordo entre as partes, o prazo havia sido suspenso, temporariamente.
E assim está até hoje, com uma pergunta que ninguém sabe a resposta: o que fazer com o objeto símbolo de um dos maiores navios nazistas da Segunda Guerra Mundial?
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