por Jorge de Souza | nov 19, 2024
Vinte anos atrás, o mergulhador uruguaio Héctor Bado encontrou no fundo do Rio da Prata os destroços do couraçado alemão Graf Spee, afundado no início da Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante nos arredores do porto de Montevidéu, onde ele buscara abrigo ao ser cercado pelos inimigos ingleses.
Em seguida, financiado por dois empresários uruguaios, os irmãos Alfredo e Felipe Etchegaray, o mergulhador sacou dos destroços a parte mais emblemática daquele navio, que, de certa forma, passou a fazer parte da História do Uruguai: uma grande águia de bronze de quatro toneladas, com as asas abertas e a suástica nazista presa em suas garras, que decorava a proa do cruzador, na época o mais poderoso da Marinha Alemã.
Foi quando começou uma novela que, até hoje, 20 anos depois, ainda não terminou – e que virou uma dor de cabeça judicial e diplomática até para o governo uruguaio.
O que fazer com aquela águia – símbolo do poder nazista -, que desde então está guardada dentro de uma caixa de madeira em um depósito da Armada uruguaia?
Aparentemente, ninguém no governo sabe, embora os empresários que financiaram o resgate da icônica imagem não tenham dúvidas sobre o que deve ser feito com a emblemática águia:
“O governo uruguaio tem que honrar o contrato que assinou conosco, enviar ou vender a peça para uma entidade cultural e nos pagar metade do que ela vale”, diz Alfredo Etchegaray, um conhecido relações públicas e milionário uruguaio, que diz ter investido uma pequena fortuna para retirar o objeto intacto do fundo do rio.
“O melhor destino para a imagem seria ir para um museu aqui mesmo, em Montevidéu, já que a Alemanha sempre pressionou o governo uruguaio para que a águia não saísse do Uruguai, porque é um tema que incomoda aos alemães até hoje”, diz Etchegaray, que acrescenta: “Mas também não me agrada a ideia que ela seja vendida para um colecionador qualquer, porque, em mãos erradas, poderia servir de objeto de culto para grupos neonazistas”, diz.
E quanto vale a águia de bronze do Graf Spee?
“Difícil dizer, porque é um objeto histórico. Mas estimo uns 60 milhões de dólares”, diz Etchegaray, que sempre foi contestado, tanto no direito que alega ter sobre 50% do valor da peça, quanto no que diz que ela vale, pelo governo uruguaio, que, no entanto, não sabe o que fazer com a batata quente que tem nas mãos.
O problema é que, desde que a águia foi içada do fundo do rio, o governo uruguaio, que pela lei tem direito a tudo o que há submerso nas águas territoriais do país, vem sendo pressionado tanto por Etchegaray, que quer receber o que diz ter direito por contrato, quanto pela Alemanha, que gostaria que o assunto fosse esquecido, e até pela comunidade judaica, dividida em duas vertentes contrárias.
Enquanto uma parte da comunidade judaica uruguaia quer que a águia vá para um museu adequado (Etchegaray diz já ter recebido propostas tanto do Museu do Holocausto de Washington quanto de Israel, mas não cabe a ele negociar, e sim ao governo uruguaio), outra preferiria que ela fosse simplesmente destruída, “como uma forma simbólica de deixar os horrores do nazismo no passado”, como defende o ex-presidente do Comitê Central Israelita, Ernesto Kreimerman.
“Nenhum símbolo do poder nazista foi conservado intacto”, defende Kreimerman. “Até o bunker de Berlin foi posto abaixo”, diz.
Mas Etchegaray e o próprio governo uruguaio são radicalmente contra essa medida extrema.
“A águia merece ter um destino acadêmico e cultural e a criação de um museu sobre o naufrágio do Graf Spee, em Montevidéu, financiado pela Alemanha, que quer que ela fique no nosso país, seria perfeito”, diz o empresário, antevendo aí a melhor forma de receber o dinheiro que diz ter a receber do governo.
O governo uruguaio, no entanto, alega que Etchegaray não cumpriu o contrato integralmente, porque retirou apenas as partes que lhe interessava do naufrágio e não promoveu a remoção de todos os escombros, que até hoje complicam a navegação nas imediações do porto de Montevidéu.
Anos atrás, porém, Etchegaray conseguiu uma vitória.
A Justiça uruguaia ordenou que o Ministério da Defesa, que tem a guarda da peça, promovesse a venda da águia do Graf Spee num prazo de 90 dias e pagasse a parte que ele tem direito (o mergulhador Héctor Bado, que achou o objeto, morreu dois anos atrás, sem nada receber por ele).
O governo, então, recorreu da sentença.
Mas, depois, às vésperas do fim do prazo dado pela Justiça para a venda do objeto, o governo uruguaio anunciou que “estava negociando com Etchegaray”, e que, de comum acordo entre as partes, o prazo havia sido suspenso, temporariamente.
E assim está até hoje, com uma pergunta que ninguém sabe a resposta: o que fazer com o objeto símbolo de um dos maiores navios nazistas da Segunda Guerra Mundial?
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por Jorge de Souza | ago 8, 2024
Era uma manhã de sábado de setembro de 2018, início de outono no Hemisfério Norte – mas ainda não frio o bastante para impedir que aqueles dois amigos, o americano Isaac Rocha, de 16 anos de idade, e o brasileiro, radicado nos Estados Unidos, Arthur Medici, de 26, entrassem no mar da praia de Newcomb Hollow, em Cape Cod, no estado americano de Massachusetts, para surfar.
Eles já tinham estado naquela praia na véspera, e surfado até que a noite chegasse.
Mas aquele sábado prometia ainda emoções.
As ondas estavam com boa formação e vinham uma atrás das outras, com fartura.
Os dois vestiram suas roupas de borracha, proteção necessária contra a temperatura da água, e correram para a beira d´água.
Assim que pisou na areia, no entanto, o brasileiro Arthur, nascido e criado em Vila Velha, no litoral Espírito Santo, mas há anos vivendo nos Estados Unidos, onde estudava engenharia, parou, fitou as ondas, olhou para Isaac – que logo se tornaria seu cunhado, já que ele tinha pedido a irmã do amigo em casamento – e disparou:
– Essa é a vida que eu quero ter. Surfar para sempre!”.
Mas, para ele, aquele “sempre” duraria pouco.
Bem pouco.
Minutos depois, quando Isaac pegou sua melhor onda, se afastou momentaneamente do amigo, para em seguida começar a remar de volta para o “outside” (a faixa de mar logo após a arrebentação das ondas, onde os surfistas ficam sentados sob suas pranchas, à espera da melhor ondulação), uma agitação anormal na água, no exato local onde o brasileiro estava, a algumas dezenas de metros de distância, chamou a sua atenção.
Em meio a explosão de espumas brancas, Isaac viu a calda de um grande animal saindo do mar e batendo forte na água, enquanto o amigo desaparecia da superfície.
Era um grande tubarão branco – o mais feroz da espécie.
E ele havia acabado de abocanhar a perna submersa de Arthur Medici, e o arrastado para o fundo.
O mergulho foi rápido.
Tão logo o animal percebeu que a perna do rapaz, revestida por aquela roupa preta de borracha, não era uma foca – seu alimento predileto na região -, o soltou.
Mas o estrago já estava feito.
Arthur emergiu já envolto em uma grande mancha vermelha de sangue e inconsciente.
Isaac nadou até ele, agarrou o amigo e, a despeito das ondas quebrando sobre suas cabeças com irritante persistência, o arrastou até a praia, onde um grupo de banhistas – que também havia testemunhado o terrível espetáculo – correu para ajudar.
Arthur seguia desacordado, com a coxa direita dilacerada, da qual jorrava um turbilhão de sangue.
Mas parecia vivo.
Enquanto um dos banhistas ligava para o serviço de emergências, Isaac arrancou a cordinha que atava o seu calcanhar à prancha e a amarrou em volta da virilha da perna destruída do amigo, a título de torniquete.
Mas não adiantou muito.
Arthur já havia perdido quase todo o sangue do corpo.
Quando o socorro chegou à praia, minutos depois, o coração do brasileiro já havia praticamente parado de bater, porque não havia mais sangue em quantidade para ele bombear.
Os procedimentos de ressuscitamento começaram ali mesmo, e se repetiram a cada minuto, até o hospital mais próximo, onde a ambulância chegou, meia hora depois.
Isaac foi junto, sentado no banco do passageiro, torcendo para que o amigo resistisse.
Mas não deu tempo.
Arthur chegou ao hospital já morto.
O próprio Isaac, aos prantos, avisou as duas famílias – especialmente, sua irmã, prestes a se casar com Arthur.
Em seguida, começaram os trâmites para transportar o corpo do jovem de volta à sua cidade natal – uma cara operação, que exigiu que a família do brasileiro recorresse até a uma vaquinha na internet, para custear as despesas.
Um mês depois, os surfistas de Newcomb Hollow se reuniram para prestar uma homenagem ao brasileiro morto.
Eles remaram até o outside, fizeram um círculo com suas pranchas, deram as mãos e um deles disse algumas palavras.
Foi a primeira e – até hoje – última vez que Isaac Rocha entrou no mar daquela praia.
Na saída da cerimônia, ele ficou sabendo o que tanto ele quanto Arthur deveriam ter sabido, antes de entrarem no mar, naquele sábado de setembro de 2018: que, semanas antes, um homem de 61 anos, que nadava um pouco antes da linha de arrebentação das ondas, também havia sido atacado por um grande tubarão branco.
Mas, com um ferimento menor, sobreviveu, após dois dias em coma e 12 litros de sangue injetados em seu corpo.
Artur não teve a mesma sorte.
Coube ao brasileiro, a triste honra de ter se tornado a primeira vítima fatal de um ataque de tubarões brancos em Cape Cod em quase um século.
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por Jorge de Souza | jul 22, 2024
Dois meses atrás, a chegada ao porto de Sendai, no norte do Japão, da viagem inaugural do novo navio Kangei Maru foi saudada com muita festa – porque ele chegou trazendo 15 baleias mortas.
O motivo da comemoração foi o “sucesso” da primeira expedição do mais novo navio caça-baleias do Japão, construído pela empresa baleeira Kyodo Senpaku.
Convocados, funcionários da empresa ficaram perfilados junto ao porto, agitando bandeiras, enquanto o navio desembarcava sua infame carga: contêineres inteiros com pacotes já embalados de carne do que, dias antes, foram 15 baleias da espécie Bryde, capturadas no mar territorial do Japão – um dos três únicos países do mundo que ainda caça baleias, juntamente com a Islândia e a Noruega.
Quinze dias antes, o Kangei Maru – orgulhosamente construído pela Kyodo Senpaku para ser o maior navio baleeiro da história do Japão – havia zarpado do porto de Tóquio para sua primeira expedição de caça, cercado de expectativas.
Ao retornar, com uma dezena e meia de vítimas (média de uma baleia morta por dia), confirmou o seu extraordinário poder de trucidar cardumes de baleias, já que sua captura ultrapassou as 250 toneladas de carne em uma viagem que era apenas experimental.
Quatro dias depois, ele partiu de novo, para mais uma expedição de caça no mar japonês.
“Estamos felizes em capturar baleias, e muito orgulhosos deste navio”, disse aos jornalistas, na véspera da partida, o presidente da Kyodo Senpaku, Hideki Tokoro.
“As baleias estão no topo da cadeia alimentar dos mares. Elas se alimentam de criaturas que impedem que os peixes cresçam, a fim de alimentar os homens. Precisamos abater baleias para manter o equilíbrio do ecossistema”, disse Tokoro na ocasião, entre outras asneiras – como a de que a carne de baleia pode impedir a queda de cabelo e até curar alguns tipos de câncer.
“Capturar baleias faz parte da cultura japonesa, e sua carne dá segurança alimentar aos japoneses”, acrescentou Tokoro, cuja empresa vem tentando reverter a diminuição no consumo de carne de baleia pelos japoneses com agressivas campanhas de marketing, que incluem pagar para influenciadores digitais divulgar o alimento, e instalar máquinas de venda automática de sashimis e filets de baleia em pontos movimentados de Tóquio.
Felizmente, não tem dado certo, e o consumo só vem diminuindo.
Especialmente entre os mais jovens – mesmo caso da Islândia, que já cogita parar de caçar baleias, por ser uma atividade hoje economicamente pouco rentável.
Mas a suspeita é que a Noruega continue capturando mais baleias do que o Japão e a Islândia juntos.
No Kangei Mari, a caça é feita com canhões de arpões explosivos de alta precisão (quando eles não conseguem dar cabo do animal, disparos com rifles entram em ação), embora, dada suas gigantescas dimensões, a vocação natural do navio seja a de receber e processar baleias que são capturadas por outros barcos menores, para que eles sigam caçando no mar por mais tempo.
É um navio-mãe – embora sua função seja para tirar vidas e não gerá-las.
Uma autêntica indústria flutuante de processamento de carne de baleia.
Ou um “matadouro”, na versão dos ambientalistas.
Em breve, o Kangei Maru também será equipado com drones de última geração, capazes de detectar, do alto, cetáceos que estejam a mais de 100 quilômetros de distância.
Além disso, o Kangei Maru tem uma autonomia que lhe permite navegar até o lado oposto do planeta, como a Antártica, maior reduto de baleias do mundo, e onde o seu antecessor, o Nisshin Maru, da mesma empresa, atuou durante anos.
Foi justamente por não concordar em parar de caçar baleias nas águas do Continente Gelado que o Japão (que vinha capturando baleias sob o falso argumento de estar fazendo “investigação científica”) deixou de fazer parte da Comissão Baleeira Internacional, em 2019.
Com isso, ficou legalmente livre para capturá-las em suas águas territoriais, como vem fazendo desde então.
Agora, o governo japonês está tentando aumentar a quantidade de espécies que podem ser capturadas, incluindo na lista as baleias-comuns, o segundo maior animal do mundo, atrás apenas das baleias azuis, já que o novo navio tem capacidade para puxá-las do mar.
E ninguém pode fazer nada para impedi-los.
Menos ainda agora, com o seu novo e poderoso navio, que neste exato instante está em algum ponto do mar do Japão, matando baleias, em mais uma se suas abomináveis expedições.
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por Jorge de Souza | jul 16, 2024
Cerca de 300 quilômetros mar adentro da costa da Nova Escócia, no litoral leste do Canadá, existe uma ilha traiçoeira que atormenta os navegadores desde que ela foi descoberta, ainda no tempo das caravelas.
Seu nome já diz muito sobre o lugar: Sable Island, ou “Ilha de Areia”, numa mistura entre francês e inglês, como é frequente entre os canadenses.
Mas é o seu apelido que melhor define aquela ilha: “Cemitério do Atlântico Norte” – porque, ao longo dos tempos, mais de 350 embarcações, apenas entre as conhecidas, acabaram os seus dias naquele infame obstáculo no meio do mar.
O que torna Sable Island tão macabramente famosa é uma perversa combinação de fatores climáticos e geográficos.
A ilha – uma comprida e fina faixa de areia, com cerca de 44 quilômetros de extensão, praticamente rente ao mar e quase imperceptível à média distância – fica na confluência de três poderosas correntes marítimas – o que, de certa forma, ajuda a explicar a sua própria existência, pelo acúmulo de areia trazido pelas correntezas.
Além disso, ela fica bem na rota das tempestades que costumam assolar a costa atlântica da América do Norte, e constantemente envolvida por densos nevoeiros, fruto do encontro dos ventos mais quentes trazidos pela Corrente do Golfo com o ar gelado que vem da Corrente de Labrador, no sentido oposto – uma combinação bombástica, sobretudo pela habitual visibilidade precária na região.
Os nevoeiros em Sable Island são tão frequentes quanto poderosos.
Eles costumam aniquilar a visibilidade – que não raro é reduzida para míseros metros diante da proa dos barcos -, encobrem totalmente a ilha, e ocorrem, em média, cerca de 125 dias por ano – quase um terço do calendário anual.
Quando surgem, quase sempre levam dias – ou semanas – para dissipar.
Da perversa combinação de mau tempo frequente com um quase invisível banco de areia no meio do oceano – e com ramificações submersas, a baixa profundidade -, veio a macabra fama de Sable Island.
Para piorar ainda mais o cenário, a ilha está localizada próxima às principais e mais movimentadas rotas de navegação de embarcações que fazem a travessia do Atlântico, entre a Europa e a América do Norte, e, justamente pela confluência das correntes marítimas, em uma das áreas mais piscosas do mundo, o que lhe rende uma intensa e permanente movimentação de barcos pesqueiros, sobretudo europeus, em busca dos fartos cardumes que habitam a região.
E, quanto mais barcos, maiores as possibilidades de acidentes e naufrágios – felizmente, algo cada vez mais raro em Sable Island, graças à tecnologia.
O último deles foi o Merrimac, um moderno veleiro de 40 pés, que acabou destruído na grande praia que rodeia da ilha pelas ondas, durante a madrugada de 27 julho de 1999.
Mas, no passado, quando a navegação era feita por meio de equipamentos primitivos, como os sextantes, que exigiam tempo bom e dias claros para serem operados com alguma precisão, a rotina em Sable Island era o oposto disso.
Ao longo de toda a ilha, os encalhes e naufrágios se sucediam de tal forma que ela acabou ganhando outro tipo de desgraça: os saqueadores de náufragos – oportunistas inescrupulosos, que, em vez de socorrer às vítimas dos naufrágios, priorizavam o saque da carga que os navios acidentados transportavam, e, por vezes, até as atacavam, a fim de também roubar o que tivessem de valioso no corpo.
A História registra rumores de que, aproveitando-se da precariedade da visibilidade na região, os saqueadores chegavam a atrair deliberadamente os navios para os bancos de areia submersos, com tochas de fogo simulando faróis – benefício que a ilha só passou a ter no final do século 19, quando os acidentes já haviam produzido milhares de vítimas.
Há, também, registros de abusos cometidos pelos próprios funcionários do governo canadense ali alocados, em estações de salvamento, encarregados de prestar ajuda aos náufragos.
Em alguns casos, foi comprovado que eles exigiam algum tipo de pagamento das vítimas pelo fornecimento de comida e abrigo, até que o socorro chegasse ou fossem levados embora por outros barcos que passassem.
No final do século 18, os donos da escuna cargueira Growler foram obrigados a comprar, dos funcionários da ilha, parte da carga que o próprio barco transportava, já que eles alegavam que a haviam resgatado dos restos do naufrágio – portanto, no seu entendimento, haviam se tornado donos das mercadorias.
Mas o pior foi o que aconteceu em 1800, com as vítimas do naufrágio da escuna Francis.
Os corpos das vítimas que foram dar na praia foram saqueados, para a retirada de joias e anéis, e alguns sobreviventes assassinados, pelo mesmo motivo.
Depois disso, o governo canadense decidiu implantar Abrigos de Refúgio – com víveres para os náufragos – e Postos de Salvamento, alguns deles equipados com uma novidade para a época: as armas Lyle, uma espécie de lançador de cabos, cuja função era conectar os navios encalhados nos bancos de areia com a ilha, por meio de uma espécie de tirolesa, pela qual os sobreviventes deslizavam até a praia.
Mas nem isso impediu a pior de todas as barbáries na dramática história de Sable Island: a colisão (causada pelo denso nevoeiro) do vapor francês La Bourgogne com a escuna inglesa Cromartyshire, em 4 de julho de 1898.
Na tentativa de evitar o naufrágio, o capitão do La Bourgogne tentou encalhar o navio na praia, mas o máximo que conseguiu foi desencadear uma selvagem operação de abandono da embarcação, com passageiros e tripulantes espancando-se mutuamente, na disputa por um lugar nos botes salva-vidas.
No final do caos instalado, mais de 500 pessoas estavam mortas.
E, entre os sobreviventes, apenas uma mulher – todas as demais, bem como as crianças que viajavam no vapor, que seguia de Nova York com destino à França, foram impedidas pelos homens de embarcarem nos botes.
Muitos deles, tripulantes do próprio navio, que trataram apenas de salvar a própria pele.
Com os avanços nos instrumentos de navegação e a implantação de faróis automáticos em toda a ilha, os naufrágios em Sable Island – hoje, uma Reserva Natural protegida por lei no Canadá, já que abriga uma das maiores colônias de focas cinzentas do Atlântico -, praticamente estancaram.
Mas o principal símbolo da ilha – manadas de cavalos selvagens, que sobrevivem graças a uma espécie de gramínea que brota em certas partes da ilha – permanece o mesmo do passado.
Porque os seus antecedentes também chegaram ali por conta dos naufrágios em massa de Sable Island, no passado.
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por Jorge de Souza | jun 25, 2024
No início do século 19, quando todas as viagens entre Europa e Estados Unidos só podiam ser feitas pelo mar, uma vez que os aviões ainda não tinham sido inventados, alguns donos de empresas marítimas inglesas decidiram criar uma espécie de prêmio, a ser dado ao navio de transporte de passageiros que fizesse a travessia entre os dois continentes com a maior velocidade – mas não necessariamente o que a fizesse em menos tempo, porque isso dependeria das diferentes rotas escolhidas.
Era pura jogada de marketing – claro -, numa época em que isso nem havia sido inventado.
O objetivo era atrair passageiros, usando a capacidade de navegar rápido dos seus barcos, na época, ainda com cascos de madeira e movidos a vapor, com grandes pás laterais em vez de hélices.
O prêmio escolhido foi simbólico, inspirado nas corridas de cavalo: uma flâmula azul (“Blue Ribbon”, em inglês), que, no entanto, só foi utilizada na sua forma física, pendurada no mastro principal, no início do desafio, sendo depois substituída por um troféu.
Já a disputa – no fundo, uma corrida de grandes navios transatlânticos de um lado a outro do oceano, com centenas de pessoas a bordo -, dividida em dois percursos: o de ida, no sentido leste-oeste, entre Inglaterra e Estados Unidos, contra o fluxo da Corrente do Golfo, e o de volta, a favor dela, portanto, mais veloz.
Como a regra também determinava que apenas as empresas que oferecessem serviços regulares – e não esporádicos – de travessia do Atlântico Norte poderiam participar da disputa, o primeiro navio a se inscrever foi o Great Western, da companhia inglesa do mesmo nome, seguido pelo Sirius, da British & American Company, duas das maiores da época.
Em 4 de abril de 1838, o Sirius partiu do porto irlandês de Cork, com destino a Nova Jersey, disposto a navegar o mais rápido possível e se tornar o primeiro detentor do prêmio.
E conseguiu, depois de chegar a queimar partes do próprio barco para alimentar as caldeiras e assim aumentar sua velocidade.
Dezoito dias depois, o Sirius chegou aos Estados Unidos, com uma média horária de 8,03 nós (14,8 km/h), durante toda a travessia – o primeiro recorde da Blue Ribbon.
Mas a alegria da British & American Company durou pouco.
No dia seguinte, o Great Western, que havia zarpado do porto inglês de Avonmouth quatro dias após o Sirius deixar a Irlanda, tocou o porto de Nova York e derrubou a marca do concorrente, com pouco mais de meio nó acima de velocidade média: 8,66 nós – cerca de 15 km/h.
O recorde do Sirius durou apenas um dia.
Mas a disputa e a repercussão que isso teve no mercadp, levou as outras empresas a investirem na agilidade de seus navios, para que eles ficassem cada vez mais velozes – mesmo que isso implicasse em recorrer também a velas, para ajudar a impulsioná-los.
Logo, todas as empresas marítimas que exploravam a rota Europa-Estados Unidos queriam ter aquela flamula azul tremulando no mastro de seus barcos, um incontestável atestado de que não havia outro navio tão veloz na travessia do Atlântico Norte.
Isso significava mais passageiros interessados em viajar nele.
Portando, além de prestígio, mais dinheiro.
Ao longo dos primeiros cinco anos de existência da Blue Ribbon, o Great Western dominou a disputa, tornando-se, inclusive, o primeiro navio a superar a marca de 10 nós (18,5 km/h) de velocidade média – um espanto para a época.
Mas, depois disso, a posse do cobiçado prêmio passou a ser domínio quase que exclusivo das duas maiores empresas do setor, as inglesas Cunard e White Star, esta particularmente famosa, já que lançaria, alguns anos depois, o Titanic, que, apesar de igualmente veloz, privilegiava o luxo, não a velocidade, embora também ambicionasse a Blue Ribbon – só não teve tempo de conquistá-la, porque afundou antes de terminar sua primeira viagem.
Quando isso aconteceu, a posse da Blue Ribbon já havia adquirido um caráter também político – virou uma espécie de competição paralela de poder entre a Inglaterra e os demais países da Europa, pelo status de possuir o navio de passageiros mais veloz do mundo.
A rivalidade se acirrou ainda mais quando a Alemanha anunciou, no final da segunda metade do século 19 (quando os navios transatlânticos já utilizavam hélices e cascos de aço, o que fez a velocidade da travessia dar um salto, passando dos 20 nós (37 km/h) de média) que entraria na disputa pela fita azul com o seu principal transatlântico: o Deutschland – que não só conquistou a flamula logo em seguida, como a manteve por três anos, na primeira década do Século 20.
Preocupado com o sucesso alemão em um setor – a navegação transatlântica para a América – que a Inglaterra sempre havia dominado, o governo inglês decidiu financiar a construção de dois super-transatlânticos para a empresa Cunard: o Lusitania e o Mauretania.
Em 1906, eles foram lançados. E o sucesso foi imediato.
O Lusitania (que, mais tarde, seria afundado por um submarino alemão na Segunda Guerra Mundial, gerando uma catástrofe, que, para muitos, levou os Estados Unidos a entrar no conflito) conquistou a Blue Ribbon logo no ano seguinte.
Mas, dois anos depois, a perdeu para o Mauretania, que manteve o prêmio por nada menos que 20 anos, consolidando a supremacia dos navios da Cunard – bem como da Inglaterra, dona de 25 dos 35 transatlânticos que tiveram a honra de ostentar a Blue Ribbon, ao longo da sua história.
Apesar da supremacia inglesa, o início do Século 20 foi a fase áurea da disputa pela Blue Ribbon, com transatlânticos italianos, americanos e franceses entrando também na disputa.
Mais do que um simples prêmio pela performance excepcional, a Blue Ribbon indicava que o seu possuidor era um navio superior aos demais.
Em todos os aspectos. Inclusive na sofisticação.
Dois deles fizeram história por isso.
O primeiro foi o transatlântico francês Normandie, considerado “o mais glamouroso de todos os tempos”.
O outro, o igualmente majestoso Queen Mary, um dos navios mais icônicos da Inglaterra.
Em meados da década de 1930, eles protagonizaram um empolgante duelo pela posse do título de mais veloz do Atlântico.
O Normandie conquistou isso logo na sua viagem inaugural, em maio de 1935, chegando à Nova York com a estupenda média horária de 29,9 nós – pouco mais de 55 km/h.
Mas perdeu o recorde para o Queen Mary no ano seguinte, quando o transatlântico inglês quebrou a barreira do 30 nós.
Um ano depois, em julho de 1937, o Normandie recuperou a Blue Ribbon, cruzando da Inglaterra para os Estados Unidos à uma velocidade média de 30,5 nós.
Mas o Queen Mary resgatou, novamente, a honra inglesa no ano seguinte, com 31 nós – e fez o mesmo no caminho de volta, quando ultrapassou sua própria marca.
Ano após ano, aqueles dois estupendos transatlânticos foram superando um ao outro, até que um incêndio, em fevereiro de 1942, quando estava atracado no porto de Nova York, sendo preparado para o transporte de tropas para os campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, provocou o fim do Normandie.
Por mais dez anos, a Fita Azul do Atlântico ficou em posse do Queen Mary, que também fora requisitado para o transporte de tropas na guerra, mas voltara à linha regular após isso.
Mas, em julho de 1952, apesar do declínio nas travessias oceânicas causado pelo surgimento dos voos comerciais Europa e Estados Unidos, sua marca foi trucidada pelo último grande transatlântico a operar regularmente a rota entre Inglaterra e Nova York: o ágil navio americano USS United States, que alcançou a impressionante média horária de 34,5 nós (perto de 64 km/h).
E ele foi ainda mais rápido na volta, com 35,5 nós, ou quase 66 km/h.
Nenhum outro navio jamais havia navegado tão rápido nas águas do Atlântico Norte.
Como, pelos critérios da Blue Ribbon, só participariam da disputa navios de passageiros de linhas regulares entre Europa e Estados Unidos, o recorde estabelecido pelo USS United States, em 1952, ficou para sempre, porque esse tipo de viagem já não existe mais – o que também decretou o fim do prêmio em si.
Restou apenas o termo “Fita Azul”, usado até hoje para premiar os barcos mais velozes em competições náuticas.
De lá para cá, porém, travessias ainda mais velozes do Atlântico Norte ocorreram.
Mas nenhuma feita por um gigantesco transatlântico abarrotado de passageiros, em uma improvável corrida oceânica, como a posse da cobiçada Blue Ribbon fez acontecer.
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“Um achado! Devorei numa só tacada”.
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“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | jun 18, 2024
Em meados de 1955, o navio cargueiro Lloyd Nicaragua atracou no porto do Rio de Janeiro, vindo da Europa, com uma carga no mínimo inusitada: uma enorme baleia jubarte morta, mas conservada dentro de um tanque de formol.
O animal havia sido capturado – e morto – anos antes, na costa do Marrocos, e desde então vinha sendo mantido intacto, graças a imersão no milagroso produto químico.
Mas, ao contrário do poderia parecer, o destino do cadáver daquele cetáceo não era nenhum centro de pesquisa, museu ou instituto da vida marinha: eram os shows em praça pública, nas principais cidades do Brasil.
Os eventos, largamente propagandeados em anúncios de jornal e cartazes espalhados pelas ruas, consistiam em exibir o gigantesco animal, que media quase 20 metros de comprimento e pesava 60 toneladas, no tal tanque e, depois, com a ajuda de um guindaste, extraí-lo daquela piscina de formol, para que as pessoas pudessem tocá-lo.
Foi um tremendo sucesso. Apesar da morbidez do espetáculo.
O intuito era convencer o ingênuo público de que aquela “baleia-gigante” era a lendária Moby Dick, embora o fictício animal do livro de Herman Melville fosse um cachalote, não uma baleia jubarte, e aquela obra tenha sido escrita no século 19.
Mesmo assim, muita gente acreditou.
E até quem sabia do caráter apelativo do evento, foi ver de perto o gigantesco animal morto.
Afinal, não era todo dia que se via uma baleia de verdade, bem ao alcance das mãos, no centro de metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo.
O patético espetáculo foi especialmente concorrido na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, por conta de um lance oportunista: o time de futebol da cidade, o Santos Futebol Clube, tinha uma baleia como símbolo, mas muitos dos seus torcedores jamais haviam visto uma ao vivo – ou, no caso, morta.
Mas isso pouco importava.
Durante dias, uma multidão lotou a principal praça do centro da cidade para tocar o corpanzil gelado do animal, que, em seguida, perambulou por outras cidades brasileiras.
Até que, de tanto ser retirado do tanque para ser tocado pelas pessoas, o cadáver da infeliz baleia começou a apodrecer e a exalar mal cheiro, o que afugentou os visitantes.
Quando isso aconteceu, foi simplesmente descartado em um aterro sanitário, sem sequer ser doado para um centro de pesquisa.
E só após encher os bolsos dos organizadores do bizarro espetáculo.
Imagem: Reprodução jornal A Tribuna, Santos
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