O lendário “barco da lata” que fez a alegria dos cariocas

O lendário “barco da lata” que fez a alegria dos cariocas

O verão carioca de 1988 foi marcado por um fato curioso, que fez a alegria de muitos freqüentadores das praias do Rio de Janeiro: a chegada, pelo mar, de latas cheias de maconha, no que ficou conhecido como o “Verão da Lata” – e virou até letra de música na época.

Tudo começou quando o pequeno barco cargueiro panamenho Solana Star partiu de Cingapura, com destino a Miami, em agosto de 1987, com uma carga de 22 toneladas de maconha disfarçada dentro de latas que imitavam alimentos em conservas.

Alertada pelo departamento anti-drogas dos EUA, que monitorava secretamente o avanço do barco, a Polícia Federal do Brasil entrou em ação e abordou o cargueiro, quando ele passava ao largo da cidade do Rio de Janeiro.

Mas, antes que isso acontecesse, com problemas mecânicos que fatalmente o obrigariam o barco a fazer uma escala não prevista no porto da cidade, a tripulação do Solana Star já havia atirado ao mar toda a sua carga proibida – para alegria especialmente dos surfistas, que viram chegar às praias cariocas latas e mais latas cheias de maconha, como se fossem presentes de Iemanjá.

Das cerca de 15 000 latas que o barco transportava, apenas pouco mais de 2 500 foram recuperadas pela Polícia nas praias cariocas.

As demais serviram para embalar animadas festas na cidade, além de transformar a expressão “Da lata” em sinônimo de coisa boa, já que a maconha transportada pelo barco era da mais alta qualidade.

Quando a polícia brasileira abordou o Solana Star, bem diante da cidade do Rio de Janeiro, nada mais encontrou a bordo.

Com isso, nem sua tripulação foi presa.

Só o barco foi confiscado, apesar dos protestos do armador, que dizia nada saber sobre a tal carga.

A euforia carioca com as latas de maconha do Solana Star durou meses, mas o destino do barco foi bem menos glorioso.

Retido durante dois anos pela Polícia e depois leiloado, ele virou barco de pesca e foi rebatizado Tunamar.

Mas adernou, emborcou e afundou logo na sua primeira viagem como barco pesqueiro, na altura de Arraial do Cabo, no litoral norte do Rio de Janeiro, ao que tudo indica por excesso de peso.

Depois de fazer a alegria dos maconheiros do Rio de Janeiro, o Tunamar (ex-Solana Star) hoje alegra os mergulhadores que o visitam no fundo mar, em busca de diversão e – quem sabe? – alguma lata esquecida no casco.

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A vida e tragédias de uma família que sempre viveu no mar

A vida e tragédias de uma família que sempre viveu no mar

O norueguês Per (que todos chamavam de Peter) Tangvald nunca foi uma pessoa convencional.

Muito menos um velejador dentro dos padrões habituais.

Quando comprava um barco, por exemplo, a primeira coisa que fazia era retirar o motor e jogá-lo fora, porque dizia que motores acabavam com o romantismo dos veleiros – além de ocuparem espaço, serem barulhentos e extremamente fedorentos.

Também substituía o banheiro por um simples balde, porque pregava que ninguém deveria ter a bordo algo que não pudesse consertar com facilidade – e privadas eram uma permanente fonte de problemas para ele.

Para Peter Tangvald, não fazia sentido ter em um veleiro nada além do que os antigos barcos a vela possuíam no passado – nem motor, nem baterias, eletricidade, muito menos qualquer coisa que lembrasse vagamente tecnologia.

Ele navegava apenas com um sextante, guiava-se pelas estrelas e não dava a mínima bola para conforto – embora fosse filho de um rico empresário.

Era um velejador purista e um aventureiro nato. E, também, um mulherengo incorrigível.

Ao longo de sua vida, quase toda passada no mar (entre outras façanhas, deu duas voltas ao mundo navegando com barcos que não tinham nada além do básico), Peter teve incontáveis companheiras e casou-se nada menos que sete vezes – e, de certa forma, também levou quase todas as suas esposas para o mar, o que, inclusive, explicava o por que de tantos casamentos.

Com duas delas, Peter teve filhos, nascidos e criados a bordo do barco no qual moravam.

Mas, tragicamente, perdeu ambas em acidentes no mar, tornando-se assim, também, duplamente viúvo e responsável por criar, sozinho, os dois filhos: Thomas, nascido em 1976, e Carmen, oito anos e um novo casamento depois.

A paixão de Peter por barcos extremamente básicos só não era maior do que pelas mulheres.

Na primeira vez em que buscou companhia para navegar, após se separar de sua primeira esposa (a única que ele não conseguiu convencer a viver no mar, e que, por isso mesmo, logo virou “ex”), o norueguês deixou claro que teria que ser uma mulher, sem esconder suas segundas intenções.

“Se eu estivesse satisfeito em dormir sozinho no barco, teria procurado um homem como tripulante”, explicava às eventuais candidatas, com uma desconcertante franqueza machista.

E uma delas aceitou.

Mas não por muito tempo.

Não demorou muito e Lillemor, segunda esposa do velejador, abandonou o barco no início de uma viagem de volta ao mundo, quando ainda estavam no Caribe, após antever a precariedade da vida que levariam dali em diante.

Peter não se importou com a decisão da esposa e, ali mesmo, na Ilha de Santa Lucia, conheceu Bjula, uma magnetisante filha de uma feiticeira local, que impôs apenas uma condição para seguir viagem com ele: que Peter jamais removesse uma pequena argola que ela mesma, com uma agulha enferrujada, enfiou em sua orelha, feito brincos de um pirata – e que ele manteve até o fim da vida.

Já a união dos dois durou quase nada.

E nem chegaram a partir juntos, para realizar o sonho de Peter de dar a volta ao mundo.

Mas, Peter logo conheceu outra mulher: a francesa Simonne, uma professora que dava aulas na Martinica.

Apaixonada pelo norueguês, ela se licenciou do trabalho e seguiu com ele para o Taití, onde chegaram meses depois.

Simonne, no entanto, precisou retornar à Martinica, para mais um período na escola, deixando Peter sozinho na tentadoramente romântica Polinésia Francesa.

Foi o bastante para ele engatar um longo romance com uma nativa, e Simonne logo ficou sabendo.

Era o fim de mais um casamento.

Mas Peter não ficou solteiro por muito tempo.

Em seguida, outra francesa, Lydia, entrou na sua vida errante no mar.

Só que, desta vez, com consequências trágicas.

Três anos após dar a luz, em pleno oceano, ao primeiro filho de Peter, um menino chamado Thomas, Lydia foi assassinada, também no mar, por piratas filipinos, que tentaram assaltar o barco da família.

Peter só sobreviveu porque os bandidos, aparentemente, se sensibilizaram com a presença da criança a bordo e decidiram poupá-lo.

Mesmo assim, o norueguês foi recebido com certa desconfiança pela Polícia, ao retornar para terra firme sem a esposa a bordo.

Suspeitas (ou fantasmas da má sorte) voltariam a rondar Peter Tangvald no seu casamento seguinte, com a taiwanesa Ann, com quem ele teve seu segundo filho: a menina Carmen.

Durante uma travessia do Atlântico, Ann foi atingida pela retranca da vela do barco, caiu no mar e jamais foi encontrada.

A morte de mais uma esposa em circunstâncias difíceis de comprovar – e sob o eterno silêncio do mar – renderam a Peter um apelido nada lisonjeiro: Barba Negra dos Mares, embora ele fosse loiro feito um viking e nem de longe um assassino.

Ao contrário, o norueguês era pacífico feito um monge budista e um pai tão dedicado que decidiu criar, sozinho, no barco, os dois filhos – cada um de um casamento diferente, mas órfãos das respectivas mães, ambas mortas no mar.

Durante um par de anos, entre um namorico e outro, Peter fez longas navegações com suas duas crianças, chamando a atenção por onde passava tanto pela simplicidade dos seus barcos quanto pela curiosa tripulação infantil.

Isso atraiu a atenção também de Florence, uma canadense com quem Peter – adivinhe só! – se casou novamente, e com quem teve seu terceiro filho: outra menina, chamada Virgínia.

Mas ela pouco conviveu com os meios-irmãos no barco-casa da família, porque Florence, temendo ter o mesmo destino das duas esposas de Peter que a antecederam, não demorou e mudou de ideia sobre viver em um veleiro.

Ela, então, decidiu desembarcar – do barco e do casamento –, e foi viver no Canadá, com a filha.

Já Peter seguiu navegando com os outros dois filhos.

E foi quando o pior aconteceu.

Em 22 de julho de 1991, ao se aproximar da Ilha de Bonaire, no Caribe, o barco do norueguês, então um veleiro de dois mastros batizado L’Artemis de Pytheas, que ele mesmo construíra sob os mesmos princípios da extrema rusticidade, atropelou um recife de coral, possivelmente pela falta de um motor que permitisse mudar de direção a tempo, e afundou na hora, matando tanto o velejador, então com 66 anos de idade, quanto sua filha Carmen, de apenas sete.

O outro filho de Peter, Thomas, então com 15 anos de idade, nada sofreu, porque não estava a bordo no momento da colisão, e sim seguindo o pai, com um barquinho.

Thomas escapou com vida do avidente.

Mas viu o pai e a irmã também morrerem no mar, bem diante dele, tal qual já havia acontecido com sua mãe e uma de suas madrastas.

Era mais uma tragédia na família.

E isso, mais tarde, se repetiria com ele próprio.

Thomas Tangvald conseguiu a proeza de levar uma vida ainda menos convencional que a do pai.

A começar pelo fato de que nasceu no mar – literalmente.

Quando ele veio à luz, Peter e sua mãe, Lydia, navegavam no Estreito de Malaca, na costa da Malásia, e não deu tempo de buscar um local para o parto.

O nascimento aconteceu no próprio barco, com Peter se desdobrando entre a pilotagem do veleiro e o auxílio a parturiente.

Mas deu certo.

Problemas mesmo só surgiram semanas depois, quando o casal, agora acrescido de um novo tripulante, finalmente parou em um porto, no Sultanato de Brunei.

Temendo problemas legais, já que a criança ainda não tinha documento algum, Peter e Lydia esconderam o bebê, enquanto recebiam a bordo os agentes da imigração, a quem haviam declarado serem os únicos ocupantes do barco – até que Thomas começou a chorar na cabine.

A travessura rendeu uma ameaça de prisão ao casal, por mentir aos oficiais.

Mas acabou sendo relevada, graças ao próprio bebê, que não poderia ser levado para a prisão, muito menos ser mandado embora, sozinho no barco.

Rapidamente, Thomas mostrou ser um marinheiro nato – e ainda mais purista do que seu pai na arte de navegar.

Só dormia na cabine de proa, onde todos os barcos balançam bem mais, e, ainda criança, aprendeu os princípios da navegação estelar, guiando-se no mar apenas pelos astros e estrelas no céu.

Só de vez em quando ia para alguma escola, nas escalas temporárias que o pai fazia, aqui e ali.

Frequentou nada menos que 15 delas, nos seus primeiros anos de vida.

Mesmo assim, quando Peter morreu e Thomas foi viver temporariamente com um casal de amigos de seus pais, na Inglaterra, formou-se com facilidade tanto em matemática quanto na complexa área dos fluídos dinâmicos, tema que particularmente lhe interessava, por causa dos barcos.

E tão logo se formou, construiu ele próprio um pequeno veleiro – sem motor, obviamente – e com ele atravessou, sozinho e sem nenhum equipamento de navegação, o Atlântico.

Tinha, então, apenas 22 anos de idade.

Em Porto Rico, onde fincou âncora por algum tempo, Thomas (que, tal qual o pai, era um apaixonado por primitivas embarcações regionais) comprou um velho casco de madeira e decidiu transformá-lo na sua nova casa.

Construiu uma acanhada cabine, batizou o barco de “Oasis”, e foi viver nele, com sua jovem esposa, que conhecera lá mesmo, e um filho recém-nascido.

Mais tarde, ao se interessar pelas embarcações usadas pelos pescadores no Nordeste brasileiro, decidiu que se mudaria para o Brasil.

Em março de 2014, Thomas embarcou no Oasis com a mulher, já novamente grávida, e o filho pequeno, e navegou até a Guiana Francesa, de onde partiu, desta vez sozinho, rumo à ilha de Fernando de Noronha, onde pretendia se estabelecer com a família.

O objetivo da viagem era conhecer a ilha e voltar para buscar a mulher e o filho.
Mas Thomas não chegou à Fernando de Noronha.

Em algum ponto entre a Guiana Francesa e a costa brasileira, ele desapareceu, juntamente com o seu barco.

Tal qual seu pai e sua mãe, Thomas também morreu no mar, mas em circunstâncias ainda mais dramáticas, porque nenhum vestígio, nem dele nem do barco, foi encontrado.

No blog que ele mantinha na Internet, seu último post foi sobre a engenhosidade dos saveiros da Bahia, que ele sonhava conhecer de perto.

Não deu tempo.

A peculiar vida de Thomas Tangvald no mar terminou como a do seu pai: com mais uma tragédia, a bordo de um barco pra lá de rústico.

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O misterioso bote da ilha que nunca foi habitada

O misterioso bote da ilha que nunca foi habitada

A Ilha Bouvet, no extremo sul do Atlântico, é uma das mais isoladas e inóspitas porções de terra do planeta – além de ser a ilha desabitada mais remota do mundo.

A localidade mais próxima dela fica a mais de 1 600 quilômetros de distância, e é uma igualmente erma península da Antártica, onde também não vive ninguém.

Nem terra propriamente dita a Ilha Bouvet tem.

Só lavas vulcânicas, permanentemente cobertas de gelo e neve.

A ilha também fica fora de qualquer rota de navegação, e bem distante de todas elas, razão pela qual não costuma ser visitada por nenhum barco.

Daí a surpresa dos técnicos de uma empresa de pesquisa encarregada de fazer a instalação de estações meteorológicas naquela ilha deserta, quando ali chegaram, em 1964, e deram de cara com um bote salva-vidas de madeira, em relativo bom estado, fincado na única praia de Bouvet.

Perto dele, havia dois remos, um galão vazio, mas nenhum vestígio de quem os teria usado ou conduzido aquele misterioso barco até a ilha.

Teria ele sido usado por algum náufrago, já que não havia outro motivo para alguém ir até aquele fim de mundo, ainda mais a remo?

Se sim, por que aquele suposto náufrago não usara o próprio bote, devidamente emborcado, como abrigo contra as inclemências climáticas da Ilha?

Aquele bote fincado na praia de uma ilha desabitada não fazia o menor sentido.

Intrigados, os pesquisadores foram embora, mas registraram o estranho achado no diário de bordo do navio inglês que os havia levado até Bouvet, o HMS Protector – e o fato se espanhol pela comunidade marítima.

Dois anos depois, outra expedição da mesma empresa voltou à ilha, para implantar a tal estação meteorológica, e – surpresa! – nem o bote nem os remos nem o galão estavam mais na única praia de Bouvet.

Como aquele bote que ninguém nunca soube de onde veio – e com quem a bordo? – sumiu da praia onde estava encalhado, é um enigma que dura até hoje, apesar de algumas teorias a respeito.

Nunca se soube ao certo a origem (nem o fim) daquele misterioso bote salva-vidas encontrado em Bouvet.

Mas, como nenhuma ossada humana jamais foi achada na ilha, a teoria do náufrago que teria chegado remando, após seu barco ter afundado no sul do Atlântico, passou a ser questionada, embora a neve abundante da ilha pudesse ter facilmente encoberto seus despojos.

 

A mais provável explicação veio anos depois, quando ficou comprovado que, dez anos antes da chegada dos técnicos do HMS Protector à Bouvet, uma equipe científica russa havia visitado a ilha, a bordo do navio de pesquisa Slava-9, e alguns membros desembarcaram, com a ajuda de um pequeno barco, a fim de vasculhar a área.

Mas, surpreendidos por uma das costumeiras tempestades de Bouvet, teriam ficado presos na ilha.

Durante dois dias, o grupo teria tentado retornar ao navio.

Mas não conseguiram.

O capitão da operação teria decidido, então, enviar um helicóptero, aeronave que começava a ser usadas em pesquisas científicas na Antártica, e que o navio transportava, para retirar o grupo, deixando, porém, na ilha o bote usado para o desembarque.

Esta é a explicação mais aceita até hoje para o maior dos mistérios de Bouvet.

Mas, e o sumiço posterior do bote, dos remos e do galão?

Para essa questão, a única explicação é que, por conta de outra tempestade, após a partida dos ingleses, o barco teria afundado e os remos e o galão levados pela correnteza para o alto mar, onde nunca mais foram encontrados – algo ali fácil de acontecer, porque não existe nada perto da esquecida Ilha Bouvet.

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O veleiro que foi dado como perdido, mas surgiu centenas de milhas depois

O veleiro que foi dado como perdido, mas surgiu centenas de milhas depois

Em 9 de fevereiro de 2013, uma fortíssima tempestade de inverno se abateu sobre o mar da costa nordeste dos Estados Unidos, gerando ondas de seis metros de altura e ventos que passavam dos 100 km/h.

No meio dela, estava o veleiro Wolfhound, com quatro irlandeses a bordo: Declan Hayes, Morgan Crowe, Tom Mulligan e Alan McGettigan – este, dono do barco e um velejador famoso na Irlanda, onde sempre participava de regatas, representando o aristocrático Royal Irish Yacht Club.

Mas, naquele dia, McGettigan não estava competindo.

Apenas levava para casa, na Irlanda, seu novo barco, que comprara nos Estados Unidos: um bonito veleiro da marca Swan, de 48 pés, avaliado em cerca de meio milhão de dólares.

A primeira perna da longa jornada até o outro lado do Atlântico começara em Connecticut, iria até as Ilhas Bermudas, centenas de milhas náuticas adiante, e fora prevista para ser feita durante uma janela favorável de tempo, entre as frequentes tormentas de inverno na região.

Mas a meteorologia mudou no meio da travessia e pegou o grupo de surpresa.

Por conta da tempestade, que chegou de maneira tão violenta quanto inesperada, o barco de McGettigan sofreu nada menos que três emborcamentos no mar.

O último deles, nas primeiras horas da manhã daquele 9 de fevereiro, danificou o motor e o sistema de energia do barco, embora, milagrosamente, não tenha afetado o mastro do veleiro.

Assustado com aquela sequência de capotamentos, e temeroso do que ainda poderia vir pela frente, McGettigan tomou uma decisão tão drástica quanto – como ficaria comprovado, mais tarde – precipitada: acionou o equipamento automático de pedido de socorro, e, junto com seus companheiros, se preparou para abandonar o barco no mar, quando estavam a cerca de 70 milhas de distância das ilhas Bermudas.

Tão logo o pedido de socorro chegou à base da Guarda Costeira Americana, uma equipe de resgate embarcou em um avião Hercules, um dos poucos da corporação com autonomia para ir e voltar tão longe da costa, e partiu em busca do veleiro sinistrado.

Embora o dia já tivesse amanhecido, as condições de visibilidade eram mínimas, por causa da tempestade.

Mesmo assim, após um par de horas voando em círculos, a equipe de resgate localizou o veleiro no mar.

Mas não teve como içar seus ocupantes, já que estavam em um avião, não em um helicóptero.

O máximo que a equipe pode fazer foi, com base nas coordenadas de localização do veleiro, acionar dois navios cargueiros que estavam relativamente próximos, a fim de realizar o resgate dos quatro irlandeses.

A operação foi difícil, por conta da força dos ventos e das ondas, durou quase seis horas, mas, por fim, o cargueiro grego Tetien Trader conseguiu embarcar os velejadores, e seguiu viagem, para a Europa, onde eles desembarcaram, duas semanas depois.

Já o veleiro Wolfhound foi deixado à deriva no mar, com a certeza de, com a intensidade daquela tormenta, e sem ninguém para comandá-lo, logo afundaria.

McGettigan tinha certeza disso.

Mas ele estava enganado.

Nove semanas depois, quando até a companhia seguradora já havia dado o barco como perdido e providenciava o pagamento do seguro, o explorador, cineasta e velejador americano Matt Rutherford, retornava de uma expedição oceânica, quando avistou o que parecia ser um veleiro parado no meio do mar, já que suas velas estavam estranhamente arriadas.

Intrigado, tentou fazer contato pelo rádio.

E não teve nenhuma resposta.

Decidiu, então, se aproximar para ver se havia algum movimento a bordo.

Nada.

O passo seguinte de Rutherford foi embarcar naquele estranho, mas bonito veleiro, apesar do temor de que encontrasse algo sinistro a bordo, como um cadáver – preocupação que deixou clara ao gravar um vídeo entrando no barco.

Dentro dele, porém, Rutherford só encontrou a habitual desordem que costuma acometer os barcos que são abandonados às pressas, frente a uma emergência, como havia sido o caso do veleiro de McGettigan – cujo nome, pintado em letras garrafais na popa, não deixava a menor dúvida.

Era ele: o Wolfhound.

Mas o mais impressionante é que o barco estava em perfeito estado, com o mastro ainda intacto, e jazia, placidamente flutuando, a mais de 800 milhas de distância das Ilhas Bermudas, a despeito de ter sido abandonado bem próximo a elas, apenas pouco mais de 60 dias antes.

Em pouco mais de dois meses, empurrado apenas pelos ventos e correntezas, o Wolfhound navegara mais de 700 milhas náuticas, o que era algo igualmente extraordinário.

Rutherford tentou rebocar o barco e levá-lo para os Estados Unidos.

Mas, após menos de 50 milhas, concluiu que seria impossível.

Novamente, então, deixou o Wolfhound à deriva no mar, após notificar a Guarda Costeira – que, por sua vez, avisou McGettigan, que, no entanto, não teve como resgatar o barco.

O que aconteceu com o veleiro do irlandês depois disso é um mistério guardado a sete chaves pelo oceano.

Mas é praticamente certo que, em algum momento, ele afundou, já que nunca mais foi avistado.

No entanto, dois meses atrás, o sombrio passado do Wolfhound voltou à tona, com a divulgação, na internet, do espetaculoso vídeo que Matt Rutherford gravou ao abordar o veleiro abandonado no mar, quase dez anos antes – fato que gerou pesadas críticas, já que as imagens (que bombaram nas redes sociais) não revelam quando elas foram feitas.

Por que Rutherford levou tanto tempo para divulgar o vídeo?

Ele não respondeu.

Uma das hipóteses é que tenha sido por respeito ou homenagem a Alan McGettigan, já que o irlandês morrera apenas um mês antes, em novembro do ano passado, de causas naturais.

Mas nem a morte poupou o famoso velejador irlandês das pesadas críticas que recebeu dez anos atrás, quando, ao abandonar seu barco no mar, ignorou uma das mais elementares lições que os velhos marinheiros têm para dar: aquela que prega que, se o barco estiver em bom estado (como estava o Wolfhound, ao ser abandonado, e como comprovou mais tarde, ao ser encontrado), o lugar mais seguro será sempre a bordo dele.

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O barco que fez a própria sepultura

O barco que fez a própria sepultura

No passado, não só o volume, mas também o armazenamento e até o tipo de carga transportada desempenhava um papel relevante na capacidade de navegação dos barcos.

Um carregamento inadequado poderia selar o destino da embarcação.

Foi o que aconteceu com o cargueiro inglês Cairnsmore, em 26 de setembro de 1883, quando tentou penetrar na sempre difícil barra do Rio Columbia, na costa oeste americana, onde a combinação de fortes correntezas, canais estreitos e ventos quase sempre bem fortes sempre foi responsável por centenas de naufrágios – até hoje.

Abarrotado com 7 500 barris de cimento e com a visibilidade comprometida por um denso nevoeiro, o navio perdeu agilidade nas manobras e encalhou na foz do traiçoeiro rio.

Sabendo que não teria como tirar a pesada embarcação de lá naquele instante, a tripulação decidiu pedir ajuda ao vapor Queen of the Pacific, que vinha logo atrás do Cairnsmore.

Eles, então, passaram para o outro barco e seguiram para terra firme, programando retornar no dia seguinte, para o resgate.

E voltaram – mas só para descobrir que, por um insólito motivo, seria impossível remover o barco.

Em contato com a água que invadira os porões durante o encalhe, o cimento que o Cairnsmore transportava endureceu e transformou o casco inteiro do navio em uma espécie de fundação enterrada na areia, selando para sempre o destino do cargueiro – que acabou sepultado no próprio jazigo que construiu.

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