por Jorge de Souza | nov 19, 2024
Vinte anos atrás, o mergulhador uruguaio Héctor Bado encontrou no fundo do Rio da Prata os destroços do couraçado alemão Graf Spee, afundado no início da Segunda Guerra Mundial pelo seu próprio comandante nos arredores do porto de Montevidéu, onde ele buscara abrigo ao ser cercado pelos inimigos ingleses.
Em seguida, financiado por dois empresários uruguaios, os irmãos Alfredo e Felipe Etchegaray, o mergulhador sacou dos destroços a parte mais emblemática daquele navio, que, de certa forma, passou a fazer parte da História do Uruguai: uma grande águia de bronze de quatro toneladas, com as asas abertas e a suástica nazista presa em suas garras, que decorava a proa do cruzador, na época o mais poderoso da Marinha Alemã.
Foi quando começou uma novela que, até hoje, 20 anos depois, ainda não terminou – e que virou uma dor de cabeça judicial e diplomática até para o governo uruguaio.
O que fazer com aquela águia – símbolo do poder nazista -, que desde então está guardada dentro de uma caixa de madeira em um depósito da Armada uruguaia?
Aparentemente, ninguém no governo sabe, embora os empresários que financiaram o resgate da icônica imagem não tenham dúvidas sobre o que deve ser feito com a emblemática águia:
“O governo uruguaio tem que honrar o contrato que assinou conosco, enviar ou vender a peça para uma entidade cultural e nos pagar metade do que ela vale”, diz Alfredo Etchegaray, um conhecido relações públicas e milionário uruguaio, que diz ter investido uma pequena fortuna para retirar o objeto intacto do fundo do rio.
“O melhor destino para a imagem seria ir para um museu aqui mesmo, em Montevidéu, já que a Alemanha sempre pressionou o governo uruguaio para que a águia não saísse do Uruguai, porque é um tema que incomoda aos alemães até hoje”, diz Etchegaray, que acrescenta: “Mas também não me agrada a ideia que ela seja vendida para um colecionador qualquer, porque, em mãos erradas, poderia servir de objeto de culto para grupos neonazistas”, diz.
E quanto vale a águia de bronze do Graf Spee?
“Difícil dizer, porque é um objeto histórico. Mas estimo uns 60 milhões de dólares”, diz Etchegaray, que sempre foi contestado, tanto no direito que alega ter sobre 50% do valor da peça, quanto no que diz que ela vale, pelo governo uruguaio, que, no entanto, não sabe o que fazer com a batata quente que tem nas mãos.
O problema é que, desde que a águia foi içada do fundo do rio, o governo uruguaio, que pela lei tem direito a tudo o que há submerso nas águas territoriais do país, vem sendo pressionado tanto por Etchegaray, que quer receber o que diz ter direito por contrato, quanto pela Alemanha, que gostaria que o assunto fosse esquecido, e até pela comunidade judaica, dividida em duas vertentes contrárias.
Enquanto uma parte da comunidade judaica uruguaia quer que a águia vá para um museu adequado (Etchegaray diz já ter recebido propostas tanto do Museu do Holocausto de Washington quanto de Israel, mas não cabe a ele negociar, e sim ao governo uruguaio), outra preferiria que ela fosse simplesmente destruída, “como uma forma simbólica de deixar os horrores do nazismo no passado”, como defende o ex-presidente do Comitê Central Israelita, Ernesto Kreimerman.
“Nenhum símbolo do poder nazista foi conservado intacto”, defende Kreimerman. “Até o bunker de Berlin foi posto abaixo”, diz.
Mas Etchegaray e o próprio governo uruguaio são radicalmente contra essa medida extrema.
“A águia merece ter um destino acadêmico e cultural e a criação de um museu sobre o naufrágio do Graf Spee, em Montevidéu, financiado pela Alemanha, que quer que ela fique no nosso país, seria perfeito”, diz o empresário, antevendo aí a melhor forma de receber o dinheiro que diz ter a receber do governo.
O governo uruguaio, no entanto, alega que Etchegaray não cumpriu o contrato integralmente, porque retirou apenas as partes que lhe interessava do naufrágio e não promoveu a remoção de todos os escombros, que até hoje complicam a navegação nas imediações do porto de Montevidéu.
Anos atrás, porém, Etchegaray conseguiu uma vitória.
A Justiça uruguaia ordenou que o Ministério da Defesa, que tem a guarda da peça, promovesse a venda da águia do Graf Spee num prazo de 90 dias e pagasse a parte que ele tem direito (o mergulhador Héctor Bado, que achou o objeto, morreu dois anos atrás, sem nada receber por ele).
O governo, então, recorreu da sentença.
Mas, depois, às vésperas do fim do prazo dado pela Justiça para a venda do objeto, o governo uruguaio anunciou que “estava negociando com Etchegaray”, e que, de comum acordo entre as partes, o prazo havia sido suspenso, temporariamente.
E assim está até hoje, com uma pergunta que ninguém sabe a resposta: o que fazer com o objeto símbolo de um dos maiores navios nazistas da Segunda Guerra Mundial?
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por Jorge de Souza | ago 27, 2024
Na manhã de 3 de outubro de 1955, o Joyita, um ex-iate de luxo transformado em barco cargueiro, partiu do porto de Apia, capital de Samoa, no Pacífico Sul, com destino ao arquipélago de Tokelau, distante cerca de 270 milhas náuticas.
Levava 25 pessoas e um carregamento de mantimentos que seriam trocados por cocos, na viagem de volta.
Mas nunca chegou lá.
Pouco mais de um mês após a data em que deveria ter atracado no seu destino – e quando já era dado como perdido -, o Joyita reapareceu misteriosamente à deriva, semi-submerso, numa região a centenas de milhas da sua rota original.
E sem ninguém a bordo.
Nunca mais se teve notícias dos seus ocupantes.
Sumiram todos, engolidos por um mistério que até hoje intriga os habitantes da região e que está entre os maiores enigmas do Pacífico.
E sobram motivos para isso.
Para os supersticiosos, o Joyita já nasceu amaldiçoado. ]
Foi construído para ser o iate particular do ex-diretor de filmes de Hollywood na década de 1930 Roland West, que logo após o barco ficar pronto, trocou a mulher pela jovem atriz Thelma Todd – e foi em homenagem a ela que o barco fora batizado de Joyita – “Pequena Jóia”, em espanhol.
Mas o romance durou pouco e terminou em tragédia.
Em 1935, Thelma foi encontrada morta dentro de um carro, intoxicada com os gases do escapamento do motor, num episódio jamais esclarecido.
As suspeitas recaíram sobre Roland, que resolveu sumir dos holofotes – mesmo não tendo nada sido provado contra ele.
O Joyita, então, foi vendido a um empresário da Califórnia, que acabaria entregando o iate ao governo americano, porque, durante a Segunda Guerra Mundial, diversos barcos particulares foram requisitados para ajudar nos combates.
Com isso, o ex-iate de luxo virou barco-patrulha e quase foi a pique durante o ataque japonês ao porto de Pearl Harbour.
Após a guerra, o iate que fora transformado em barco de guerra foi vendido para uma empresa do Havaí e virou um pesqueiro.
Para isso, recebeu revestimento interno com grossas placas de cortiça, a fim de ganhar capacidade de refrigeração, e, como consequência disso, ficou, também, praticamente à prova de naufrágios, o que mais tarde seria decisivo para alimentar o mistério que cercaria o seu tumultuado destino.
Tempos depois, durante uma viagem de pesca à Samoa, o Joyita (o nome do barco jamais mudou, apesar dos diversos donos que teve) sofreu uma pane no sistema de refrigeração e foi levado para Apia, de onde nunca mais saiu.
Lá, o barco acabou sendo vendido a um capitão inglês, chamado Thomas Miller, que estava interessado em criar um serviço de transporte de cocos entre as ilhas do Pacífico Sul.
Em 1955, ele conseguiu um bom frete entre Samoa e as Ilhas Tokelau, e partiu.
Foi a última viagem do comandante Miller, do Joyita e de outras 24 pessoas que estavam a bordo naquela enigmática viagem.
Além da carga de 44 sacos de farinha, 15 de açúcar, 11 de arroz e 460 sacos vazios, que seriam usados para trazer polpa seca de coco na volta, o Joyita também recebeu alguns passageiros, entre eles dois empresários locais que levavam boa soma em dinheiro para pagar os cocos que trariam de Tokelau, e sete habitantes do distante arquipélago, incluindo uma mulher e duas crianças.
No total, 25 pessoas – que nunca mais foram vistas.
A partida foi marcada para o dia 2 de outubro, mas não começou nada bem.
Como um mau presságio, tão logo o Joyita partiu do porto, os seus motores pararam de funcionar, por conta do precário estado de manutenção do barco.
O Joyita ficou à deriva, quase foi parar nos arrecifes que circundam a ilha e voltou ao porto rebocado, para reparos.
No dia seguinte, Miller partiu novamente, com os paióis repletos de mantimentos e cinco vezes mais combustível do que o necessário para aquela travessia, prevista para durar apenas dois dias.
Mas, apesar dos tanques abarrotados, o Joyita não chegou a Tokelau. Nem a porto algum.
E jamais se soube por quê.
Caso navegasse na velocidade habitual, o barco deveria chegar a Tokelau na manhã de terça-feira, 5 de outubro.
Mas, na noite de quarta-feira, três dias após ter partido, não havia nenhum sinal do barco.
Os habitantes da ilha estranharam o atraso e comunicaram o fato às autoridades, que, no dia seguinte, iniciaram as buscas, com um avião, apesar do mau tempo que se formou na região.
Durante uma semana, a despeito da longa tempestade, uma equipe de busca vasculhou a rota prevista e não encontrou nada.
Dias depois, o Joyita foi oficialmente dado como perdido – fruto, deduziu a equipe de buscas, da violenta tormenta, que o teria afundado.
Só que, quase um mês depois, veio a surpresa.
E teve início o mistério que se tornou eterno.
Na manhã de 10 de novembro, quase um mês após o fim do inquérito que investigou o caso, o capitão de um pesqueiro que navegava a mais de 500 milhas da suposta rota do barco desaparecido encontrou um grande casco à deriva.
Era o Joyita.
Só que não havia ninguém a bordo.
Embora parcialmente inundado e com a casaria danificada, como se houvesse se chocado com outro barco, ou sido massacrado na tempestade, o ex-iate ainda flutuava, graças apenas a tal camada interna de cortiça que revestia o casco.
Mas era impossível saber se aquela inundação havia ocorrido antes (o que poderia ter levado a tripulação a abandonar prematuramente a embarcação, pressupondo um naufrágio na tempestade) ou depois do sumiço dos ocupantes do Joyita, quando o barco seguramente passou dias à deriva.
A princípio, a ausência do bote salva-vidas indicava que a tripulação havia abandonado o barco e partido em busca de terra firme.
Mas logo veio a informação de que o Joyita havia partido sem um bote de apoio, justamente porque o capitão Miller sabia que ele era insubmergível, por conta da cortiça.
Começaram, então, as dúvidas.
E a primeira, foi a mais óbvia de todas: por que os tripulantes do Joyita teriam abandonado o barco, repleto de combustível e mantimentos, se seria infinitamente mais seguro permanecer a bordo do que se lançar ao mar sem nenhum recurso?
Para aumentar ainda mais o mistério, nenhum pedido de socorro vindo do Joyita fora recebido por nenhum outro barco da região.
E, ao ser encontrado, tampouco havia algum registro de problemas no seu diário de bordo – embora tenha ficado claro que o Joyita havia enfrentado um novo defeito mecânico, pois havia sinais de tentativas de consertos na sua casa de máquinas.
Mas, ainda que o barco tivesse ficado à deriva, por pane nos motores, por que os seus ocupantes o abandonariam, se havia provisões a bordo suficientes para uma longa espera por socorro?
A única resposta plausível é que, talvez, eles não tivessem abandonado o barco e sim sido tirados de lá à força.
Contribuiu para esta teoria um fato igualmente intrigante: a carga do barco, apesar de volumosa, havia desaparecido, bem como o dinheiro que os dois empresários levavam para comprar as mercadorias da volta – embora, neste caso, eles pudessem simplesmente ter levado o dinheiro embora, apesar de a bagagem de todos os tripulantes ter permanecido no Joyita.
O sumiço da carga, do dinheiro e dos ocupantes do barco, sem falar na estranha avaria na casaria, apontaram na direção de um possível ataque de piratas.
E as suspeitas recaíram sobre barcos japoneses que costumavam pescar na região.
Especialmente depois que uma faca, com a inscrição de que fora feita no Japão, foi encontrada no convés do Joyita.
Mas nada também foi provado.
Já outra teoria pregou que pudesse ter havido a combinação de duas situações: o abandono do barco avariado pela tripulação (que teria buscado abrigo em uma das muitas ilhas da região, mas, no caminho, sucumbido na tempestade) e o posterior saque da carga por oportunistas que encontraram o Joyita sem ninguém a bordo.
Também se especulou que, talvez, o próprio capitão Miller tivesse outros planos naquela travessia, como roubar o dinheiro dos empresários, se livrar do restante da tripulação e fugir com o Joyita para o Havaí, onde vivia sua noiva, o que explicaria ter abastecido o barco com cinco vezes mais combustível do que o necessário para ir e voltar à Tokelau.
Mas, talvez, ele apenas pretendesse vender mais caro o combustível excedente na ilha para onde seguia, ganhando assim algum dinheiro.
O mais provável, no entanto, é que os tripulantes do Joyita não tenham abandonado o barco de maneira voluntária, porque, quem conheceu o falido capitão Miller, garantia que ele jamais faria isso – já que o barco era tudo o que tinha.
Com isso, a tese de morte da tripulação causada pelo barco à deriva durante a tempestade, ou assassinato coletivo por piratas, que teriam abordado o barco de maneira violenta (daí os danos na casaria), saqueado a carga e atirado os ocupantes do Joyita ao mar, tornou-se a mais aceita.
Embora igualmente jamais comprovada.
A história do ex-iate que protagonizou uma tragédia ignorada segue com o final em aberto, gerando um mistério que tende a ser eterno.
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por Jorge de Souza | ago 8, 2024
Era uma manhã de sábado de setembro de 2018, início de outono no Hemisfério Norte – mas ainda não frio o bastante para impedir que aqueles dois amigos, o americano Isaac Rocha, de 16 anos de idade, e o brasileiro, radicado nos Estados Unidos, Arthur Medici, de 26, entrassem no mar da praia de Newcomb Hollow, em Cape Cod, no estado americano de Massachusetts, para surfar.
Eles já tinham estado naquela praia na véspera, e surfado até que a noite chegasse.
Mas aquele sábado prometia ainda emoções.
As ondas estavam com boa formação e vinham uma atrás das outras, com fartura.
Os dois vestiram suas roupas de borracha, proteção necessária contra a temperatura da água, e correram para a beira d´água.
Assim que pisou na areia, no entanto, o brasileiro Arthur, nascido e criado em Vila Velha, no litoral Espírito Santo, mas há anos vivendo nos Estados Unidos, onde estudava engenharia, parou, fitou as ondas, olhou para Isaac – que logo se tornaria seu cunhado, já que ele tinha pedido a irmã do amigo em casamento – e disparou:
– Essa é a vida que eu quero ter. Surfar para sempre!”.
Mas, para ele, aquele “sempre” duraria pouco.
Bem pouco.
Minutos depois, quando Isaac pegou sua melhor onda, se afastou momentaneamente do amigo, para em seguida começar a remar de volta para o “outside” (a faixa de mar logo após a arrebentação das ondas, onde os surfistas ficam sentados sob suas pranchas, à espera da melhor ondulação), uma agitação anormal na água, no exato local onde o brasileiro estava, a algumas dezenas de metros de distância, chamou a sua atenção.
Em meio a explosão de espumas brancas, Isaac viu a calda de um grande animal saindo do mar e batendo forte na água, enquanto o amigo desaparecia da superfície.
Era um grande tubarão branco – o mais feroz da espécie.
E ele havia acabado de abocanhar a perna submersa de Arthur Medici, e o arrastado para o fundo.
O mergulho foi rápido.
Tão logo o animal percebeu que a perna do rapaz, revestida por aquela roupa preta de borracha, não era uma foca – seu alimento predileto na região -, o soltou.
Mas o estrago já estava feito.
Arthur emergiu já envolto em uma grande mancha vermelha de sangue e inconsciente.
Isaac nadou até ele, agarrou o amigo e, a despeito das ondas quebrando sobre suas cabeças com irritante persistência, o arrastou até a praia, onde um grupo de banhistas – que também havia testemunhado o terrível espetáculo – correu para ajudar.
Arthur seguia desacordado, com a coxa direita dilacerada, da qual jorrava um turbilhão de sangue.
Mas parecia vivo.
Enquanto um dos banhistas ligava para o serviço de emergências, Isaac arrancou a cordinha que atava o seu calcanhar à prancha e a amarrou em volta da virilha da perna destruída do amigo, a título de torniquete.
Mas não adiantou muito.
Arthur já havia perdido quase todo o sangue do corpo.
Quando o socorro chegou à praia, minutos depois, o coração do brasileiro já havia praticamente parado de bater, porque não havia mais sangue em quantidade para ele bombear.
Os procedimentos de ressuscitamento começaram ali mesmo, e se repetiram a cada minuto, até o hospital mais próximo, onde a ambulância chegou, meia hora depois.
Isaac foi junto, sentado no banco do passageiro, torcendo para que o amigo resistisse.
Mas não deu tempo.
Arthur chegou ao hospital já morto.
O próprio Isaac, aos prantos, avisou as duas famílias – especialmente, sua irmã, prestes a se casar com Arthur.
Em seguida, começaram os trâmites para transportar o corpo do jovem de volta à sua cidade natal – uma cara operação, que exigiu que a família do brasileiro recorresse até a uma vaquinha na internet, para custear as despesas.
Um mês depois, os surfistas de Newcomb Hollow se reuniram para prestar uma homenagem ao brasileiro morto.
Eles remaram até o outside, fizeram um círculo com suas pranchas, deram as mãos e um deles disse algumas palavras.
Foi a primeira e – até hoje – última vez que Isaac Rocha entrou no mar daquela praia.
Na saída da cerimônia, ele ficou sabendo o que tanto ele quanto Arthur deveriam ter sabido, antes de entrarem no mar, naquele sábado de setembro de 2018: que, semanas antes, um homem de 61 anos, que nadava um pouco antes da linha de arrebentação das ondas, também havia sido atacado por um grande tubarão branco.
Mas, com um ferimento menor, sobreviveu, após dois dias em coma e 12 litros de sangue injetados em seu corpo.
Artur não teve a mesma sorte.
Coube ao brasileiro, a triste honra de ter se tornado a primeira vítima fatal de um ataque de tubarões brancos em Cape Cod em quase um século.
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por Jorge de Souza | jul 22, 2024
Dois meses atrás, a chegada ao porto de Sendai, no norte do Japão, da viagem inaugural do novo navio Kangei Maru foi saudada com muita festa – porque ele chegou trazendo 15 baleias mortas.
O motivo da comemoração foi o “sucesso” da primeira expedição do mais novo navio caça-baleias do Japão, construído pela empresa baleeira Kyodo Senpaku.
Convocados, funcionários da empresa ficaram perfilados junto ao porto, agitando bandeiras, enquanto o navio desembarcava sua infame carga: contêineres inteiros com pacotes já embalados de carne do que, dias antes, foram 15 baleias da espécie Bryde, capturadas no mar territorial do Japão – um dos três únicos países do mundo que ainda caça baleias, juntamente com a Islândia e a Noruega.
Quinze dias antes, o Kangei Maru – orgulhosamente construído pela Kyodo Senpaku para ser o maior navio baleeiro da história do Japão – havia zarpado do porto de Tóquio para sua primeira expedição de caça, cercado de expectativas.
Ao retornar, com uma dezena e meia de vítimas (média de uma baleia morta por dia), confirmou o seu extraordinário poder de trucidar cardumes de baleias, já que sua captura ultrapassou as 250 toneladas de carne em uma viagem que era apenas experimental.
Quatro dias depois, ele partiu de novo, para mais uma expedição de caça no mar japonês.
“Estamos felizes em capturar baleias, e muito orgulhosos deste navio”, disse aos jornalistas, na véspera da partida, o presidente da Kyodo Senpaku, Hideki Tokoro.
“As baleias estão no topo da cadeia alimentar dos mares. Elas se alimentam de criaturas que impedem que os peixes cresçam, a fim de alimentar os homens. Precisamos abater baleias para manter o equilíbrio do ecossistema”, disse Tokoro na ocasião, entre outras asneiras – como a de que a carne de baleia pode impedir a queda de cabelo e até curar alguns tipos de câncer.
“Capturar baleias faz parte da cultura japonesa, e sua carne dá segurança alimentar aos japoneses”, acrescentou Tokoro, cuja empresa vem tentando reverter a diminuição no consumo de carne de baleia pelos japoneses com agressivas campanhas de marketing, que incluem pagar para influenciadores digitais divulgar o alimento, e instalar máquinas de venda automática de sashimis e filets de baleia em pontos movimentados de Tóquio.
Felizmente, não tem dado certo, e o consumo só vem diminuindo.
Especialmente entre os mais jovens – mesmo caso da Islândia, que já cogita parar de caçar baleias, por ser uma atividade hoje economicamente pouco rentável.
Mas a suspeita é que a Noruega continue capturando mais baleias do que o Japão e a Islândia juntos.
No Kangei Mari, a caça é feita com canhões de arpões explosivos de alta precisão (quando eles não conseguem dar cabo do animal, disparos com rifles entram em ação), embora, dada suas gigantescas dimensões, a vocação natural do navio seja a de receber e processar baleias que são capturadas por outros barcos menores, para que eles sigam caçando no mar por mais tempo.
É um navio-mãe – embora sua função seja para tirar vidas e não gerá-las.
Uma autêntica indústria flutuante de processamento de carne de baleia.
Ou um “matadouro”, na versão dos ambientalistas.
Em breve, o Kangei Maru também será equipado com drones de última geração, capazes de detectar, do alto, cetáceos que estejam a mais de 100 quilômetros de distância.
Além disso, o Kangei Maru tem uma autonomia que lhe permite navegar até o lado oposto do planeta, como a Antártica, maior reduto de baleias do mundo, e onde o seu antecessor, o Nisshin Maru, da mesma empresa, atuou durante anos.
Foi justamente por não concordar em parar de caçar baleias nas águas do Continente Gelado que o Japão (que vinha capturando baleias sob o falso argumento de estar fazendo “investigação científica”) deixou de fazer parte da Comissão Baleeira Internacional, em 2019.
Com isso, ficou legalmente livre para capturá-las em suas águas territoriais, como vem fazendo desde então.
Agora, o governo japonês está tentando aumentar a quantidade de espécies que podem ser capturadas, incluindo na lista as baleias-comuns, o segundo maior animal do mundo, atrás apenas das baleias azuis, já que o novo navio tem capacidade para puxá-las do mar.
E ninguém pode fazer nada para impedi-los.
Menos ainda agora, com o seu novo e poderoso navio, que neste exato instante está em algum ponto do mar do Japão, matando baleias, em mais uma se suas abomináveis expedições.
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por Jorge de Souza | jul 16, 2024
Cerca de 300 quilômetros mar adentro da costa da Nova Escócia, no litoral leste do Canadá, existe uma ilha traiçoeira que atormenta os navegadores desde que ela foi descoberta, ainda no tempo das caravelas.
Seu nome já diz muito sobre o lugar: Sable Island, ou “Ilha de Areia”, numa mistura entre francês e inglês, como é frequente entre os canadenses.
Mas é o seu apelido que melhor define aquela ilha: “Cemitério do Atlântico Norte” – porque, ao longo dos tempos, mais de 350 embarcações, apenas entre as conhecidas, acabaram os seus dias naquele infame obstáculo no meio do mar.
O que torna Sable Island tão macabramente famosa é uma perversa combinação de fatores climáticos e geográficos.
A ilha – uma comprida e fina faixa de areia, com cerca de 44 quilômetros de extensão, praticamente rente ao mar e quase imperceptível à média distância – fica na confluência de três poderosas correntes marítimas – o que, de certa forma, ajuda a explicar a sua própria existência, pelo acúmulo de areia trazido pelas correntezas.
Além disso, ela fica bem na rota das tempestades que costumam assolar a costa atlântica da América do Norte, e constantemente envolvida por densos nevoeiros, fruto do encontro dos ventos mais quentes trazidos pela Corrente do Golfo com o ar gelado que vem da Corrente de Labrador, no sentido oposto – uma combinação bombástica, sobretudo pela habitual visibilidade precária na região.
Os nevoeiros em Sable Island são tão frequentes quanto poderosos.
Eles costumam aniquilar a visibilidade – que não raro é reduzida para míseros metros diante da proa dos barcos -, encobrem totalmente a ilha, e ocorrem, em média, cerca de 125 dias por ano – quase um terço do calendário anual.
Quando surgem, quase sempre levam dias – ou semanas – para dissipar.
Da perversa combinação de mau tempo frequente com um quase invisível banco de areia no meio do oceano – e com ramificações submersas, a baixa profundidade -, veio a macabra fama de Sable Island.
Para piorar ainda mais o cenário, a ilha está localizada próxima às principais e mais movimentadas rotas de navegação de embarcações que fazem a travessia do Atlântico, entre a Europa e a América do Norte, e, justamente pela confluência das correntes marítimas, em uma das áreas mais piscosas do mundo, o que lhe rende uma intensa e permanente movimentação de barcos pesqueiros, sobretudo europeus, em busca dos fartos cardumes que habitam a região.
E, quanto mais barcos, maiores as possibilidades de acidentes e naufrágios – felizmente, algo cada vez mais raro em Sable Island, graças à tecnologia.
O último deles foi o Merrimac, um moderno veleiro de 40 pés, que acabou destruído na grande praia que rodeia da ilha pelas ondas, durante a madrugada de 27 julho de 1999.
Mas, no passado, quando a navegação era feita por meio de equipamentos primitivos, como os sextantes, que exigiam tempo bom e dias claros para serem operados com alguma precisão, a rotina em Sable Island era o oposto disso.
Ao longo de toda a ilha, os encalhes e naufrágios se sucediam de tal forma que ela acabou ganhando outro tipo de desgraça: os saqueadores de náufragos – oportunistas inescrupulosos, que, em vez de socorrer às vítimas dos naufrágios, priorizavam o saque da carga que os navios acidentados transportavam, e, por vezes, até as atacavam, a fim de também roubar o que tivessem de valioso no corpo.
A História registra rumores de que, aproveitando-se da precariedade da visibilidade na região, os saqueadores chegavam a atrair deliberadamente os navios para os bancos de areia submersos, com tochas de fogo simulando faróis – benefício que a ilha só passou a ter no final do século 19, quando os acidentes já haviam produzido milhares de vítimas.
Há, também, registros de abusos cometidos pelos próprios funcionários do governo canadense ali alocados, em estações de salvamento, encarregados de prestar ajuda aos náufragos.
Em alguns casos, foi comprovado que eles exigiam algum tipo de pagamento das vítimas pelo fornecimento de comida e abrigo, até que o socorro chegasse ou fossem levados embora por outros barcos que passassem.
No final do século 18, os donos da escuna cargueira Growler foram obrigados a comprar, dos funcionários da ilha, parte da carga que o próprio barco transportava, já que eles alegavam que a haviam resgatado dos restos do naufrágio – portanto, no seu entendimento, haviam se tornado donos das mercadorias.
Mas o pior foi o que aconteceu em 1800, com as vítimas do naufrágio da escuna Francis.
Os corpos das vítimas que foram dar na praia foram saqueados, para a retirada de joias e anéis, e alguns sobreviventes assassinados, pelo mesmo motivo.
Depois disso, o governo canadense decidiu implantar Abrigos de Refúgio – com víveres para os náufragos – e Postos de Salvamento, alguns deles equipados com uma novidade para a época: as armas Lyle, uma espécie de lançador de cabos, cuja função era conectar os navios encalhados nos bancos de areia com a ilha, por meio de uma espécie de tirolesa, pela qual os sobreviventes deslizavam até a praia.
Mas nem isso impediu a pior de todas as barbáries na dramática história de Sable Island: a colisão (causada pelo denso nevoeiro) do vapor francês La Bourgogne com a escuna inglesa Cromartyshire, em 4 de julho de 1898.
Na tentativa de evitar o naufrágio, o capitão do La Bourgogne tentou encalhar o navio na praia, mas o máximo que conseguiu foi desencadear uma selvagem operação de abandono da embarcação, com passageiros e tripulantes espancando-se mutuamente, na disputa por um lugar nos botes salva-vidas.
No final do caos instalado, mais de 500 pessoas estavam mortas.
E, entre os sobreviventes, apenas uma mulher – todas as demais, bem como as crianças que viajavam no vapor, que seguia de Nova York com destino à França, foram impedidas pelos homens de embarcarem nos botes.
Muitos deles, tripulantes do próprio navio, que trataram apenas de salvar a própria pele.
Com os avanços nos instrumentos de navegação e a implantação de faróis automáticos em toda a ilha, os naufrágios em Sable Island – hoje, uma Reserva Natural protegida por lei no Canadá, já que abriga uma das maiores colônias de focas cinzentas do Atlântico -, praticamente estancaram.
Mas o principal símbolo da ilha – manadas de cavalos selvagens, que sobrevivem graças a uma espécie de gramínea que brota em certas partes da ilha – permanece o mesmo do passado.
Porque os seus antecedentes também chegaram ali por conta dos naufrágios em massa de Sable Island, no passado.
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