por Jorge de Souza | out 20, 2022
Em junho de 1994, uma violenta tempestade desabou sobre o mar da Nova Zelândia.
Durou dias a fio e foi tão marcante que acabou batizada de “Tempestade da Rainha”, por coincidir com as comemorações do aniversário da monarca inglesa Elizabeth II.
No meio desta longa e furiosa tormenta, estava um barco que simplesmente não deveria estar lá: o Heart Light, um catamarã tripulado por um estranho casal.
Os americanos Darryl e Diviana Wheeler eram esotéricos até o último fio de cabelo e navegavam em busca de “experiências sensoriais” em locais remotos, onde pudessem “entrar em contato com seres espaciais, sem interferências da civilização”, como costumavam explicar aos curiosos em geral.
Ela, em especial, acreditava receber instruções cósmicas de uma voz chamada Sage, que ditava tudo a bordo do barco – inclusive a hora de partir e para onde ir.
Na Nova Zelândia, o casal passou a oferecer cruzeiros de “Contatos Criativos” para outros adeptos do esoterismo.
E foi durante um desses cruzeiros esquisitos que tudo aconteceu.
Ignorando as previsões meteorológicas, que indicavam uma forte tempestade a caminho, o Heart Light partiu para o alto-mar, seguindo as instruções da tal voz, que apontava aquela tormenta como sendo uma oportunidade de “migrar para outra dimensão”.
Portanto, uma tempestade perfeita.
Mas o que se seguiu nada teve de bom.
Apesar da completa deteriorização das condições de navegação, o casal, acompanhado de outros tripulantes esotéricos, seguiu avançando de encontro a tempestade, em completo estado de graça.
Eles acreditavam que, no centro da tal tormenta, encontrariam um “portal” que os conduziria a uma nave espacial, e nela embarcariam para uma espécie de Nirvana cósmico.
Na medida em que penetravam na tempestade, as ondas foram ficando cada vez mais apocalípticas, e os ventos sopravam a furiosos 150 km/h.
Mas aquela tripulação de malucos, que navegava regida por cristais em vez de cartas náuticas, não desanimava.
Ao contrário, vibrava.
Sobretudo Diviana, que estava convencida de que o que parecia ser o fim do mundo era, na verdade, o início de outra vida – e “Sage confirmava isso”, como dizia aos demais ocupantes do barco.
Bastaria, segundo ela, atingir um certo ponto no mar, “sobre um templo submerso feito de cristais”, para embarcar na tal viagem na nave espacial.
O Heart Light era jogado para todos os lados nas ondas, mas eles não se importavam.
A cada novo risco de naufrágio, acreditavam estar mais perto “do ponto de passagem”.
Até que, pelo rádio, veio a volta a realidade.
Um grande barco pesqueiro, que estava próximo deles, viu a forma suicida que o Heart Light navegava e ofereceu ajuda.
Eles recusaram.
Mas o outro barco não se deu por satisfeito e ficou insistindo no resgate.
A troca de mensagens pelo rádio durou quase uma hora.
Até que, irritado, o experiente comandante do pesqueiro ameaçou chamar a Guarda Costeira.
Só assim os Wheeler e seus passageiros interromperam o devaneio e concordaram em passar para o outro barco, bem maior e mais seguro.
A operação foi delicada, mas bem sucedida.
Uma vez a bordo, ao confirmar suas suspeitas de que àquele grupo não passava de um bando de loucos irresponsáveis, o comandante do pesqueiro, amparado nas regras da segurança da navegação, que prega que um barco à deriva é sempre um risco para as demais embarcações, resolveu prestar um duplo serviço a comunidade náutica e afundar o Heart Light, com uma trombada.
Com isso, impediu também que os Wheeler voltassem a navegar, pelo menos por um tempo – até que juntassem dinheiro para comprar outro barco ou tomassem juízo, duas coisas que jamais se soube se foram feitas.
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Manoel Júnior, leitor
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Rondon de Castro, leitor
“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | out 19, 2022
Na manhã de 4 de julho de 1945, o velho cruzador Bahia, um veterano com quase 40 anos de serviços prestados a Marinha do Brasil, estava placidamente parado sobre a Linha do Equador, a cerca de 500 milhas náuticas da costa do Rio Grande do Norte, nas proximidades dos rochedos São Pedro e São Paulo.
Era o seu posto designado de trabalho, conhecido como Estação 13.
Dali, ele prestava auxílio, via rádio, aos aviões americanos, que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, retornavam dos combates na Europa, através do “Corredor Dakar-Natal”, o trecho mais estreito da travessia do Atlântico.
A bordo do cruzador brasileiro, haviam 372 marinheiros e oficiais, sob o comando do Capitão de Mar e Guerra Garcia D’Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque, além de quatro americanos rádio-telegrafistas, que haviam embarcado justamente para cuidar dos contatos com os aviões, na medida em que eles fossem se aproximando daquele ponto ermo no Atlântico.
Mas, como isso só acontecia ocasionalmente, o comandante Garcia D’Ávila, como era praxe na Marinha, decidiu promover algumas sessões de exercícios de tiro, para treinar os artilheiros e entreter os marinheiros – que lotaram o convés, para assistir ao espetáculo.
A pratica do exercício consistia em lançar objetos no ar e no mar, para que os operadores das metralhadoras aferissem suas pontarias – nada mais natural, em se tratando de uma nave de guerra.
Mas o que aconteceria naquela manhã jamais tivera precedentes.
E ficaria marcado para sempre na história da Marinha Brasileira.
No exato instante em que o operador de uma das metralhadoras de 20 mm do navio apertou o gatilho, uma violenta explosão na popa fez o Bahia chacoalhar inteiro, ao mesmo tempo em que uma colossal quantidade de água começou a jorrar casco adentro.
Naquele instante, como mais tarde seria estimado, teriam morrido mais de 100 marinheiros, já que havia uma grande concentração da tripulação no convés, acompanhando os exercícios de tiro.
Instantaneamente, o grande navio, carinhosamente chamado pelos seus tripulantes de “velhinho”, e tecnicamente obsoleto, começou a erguer a proa e afundar a popa, seriamente danificada pela estranha explosão, enquanto os seus sobreviventes corriam de um lado para outro, tentando baixar o maior número possível de botes salva-vidas ao mar.
Dezessete deles foram arriados, mas escassamente ocupados, porque não houve tempo para o embarque de mais marinheiros.
O Bahia, de 122 metros de comprimento e 3 100 toneladas de deslocamento, desapareceu em pouco mais de quatro minutos, após erguer sua proa na vertical, como se tentasse respirar, e afundar feito uma vareta de ferro, levando com ele sua tripulação quase inteira, além dos quatro operadores de rádio, que se tornariam os últimos americanos mortos no Atlântico por conta da Segunda Guerra Mundial – e, ironicamente, na data nacional dos Estados Unidos.
Em número de mortos, foi a maior tragédia da história naval brasileira.
Os sobreviventes, contudo, estavam otimistas.
O navio havia afundado num ponto sabido pela corporação, e exatamente sobre o corredor aéreo utilizado pelos aviões que chegavam da Europa.
Logo, imaginavam, um deles se aproximaria, estranharia a ausência do cruzador na Estação 13, veria as balsas dos náufragos no mar e comunicaria o fato as autoridades.
Mas não foi o que aconteceu.
Durante dias, eles vagaram à deriva, levados pelas correntes marítimas e separados uns dos outros, lutando contra a fome, a sede e os tubarões, que não davam sossego em torno dos botes.
Mas só no terceiro dia, quando o também cruzador Rio Grande do Sul chegou à Estação 13, para render o Bahia, que estava estranhamente incomunicável há dias, e não encontrou o navio, é que foi dado o alerta de naufrágio e começaram as buscas.
Naquele mesmo dia, foram encontrados os primeiros náufragos, em oito botes – nove deles mortos, pelos ferimentos que haviam sofrido na explosão e naufrágio do navio.
E, no dia seguinte, graças a perspicácia de um jovem tripulante do cargueiro inglês Balfe, quase outros 30.
O último sobrevivente, no entanto, só foi resgatado nove dias depois, já quase morto.
E outros marinheiros que já haviam sido resgatados, morreram depois, a caminho do hospital.
No total, dos 372 tripulantes que havia no Bahia naquela manhã, apenas 36 sobreviveram.
E nenhum deles tinha dúvidas sobre o que havia provocado aquela tragédia: um absurdo erro de pontaria.
Segundo os sobreviventes, a explosão e o consequente naufrágio do cruzador brasileiro fora fruto da combinação da imperícia de um dos operadores das metralhadoras, durante aquele exercício de tiro (ou de algum defeito na mira do equipamento), com a indevida localização do estoque de cargas de profundidade que o Bahia transportava, já que, embora a guerra contra a Alemanha houvesse oficialmente terminado, ainda havia o risco de topar com algum submarino nazista nas águas por onde ele navegaria.
Em vez de serem colocadas em paióis fechados, aquelas sensíveis bombas submarinas foram alocadas a céu aberto, no convés de popa do velho cruzador, que, de tão antigo e precário, não tinha um compartimento apropriado para o transporte de uma carga tão letal.
Assim sendo, quando o operador da metralhadora apontou para o mar, na direção da popa do navio, e o tiro saiu pela culatra, atingindo as bombas de profundidade, o Bahia simplesmente voou pelos ares, numa inédita – e patética – autoexplosão.
Mas, para alguns, esse, talvez, não tenha sido o real motivo da tragédia…
Segundo alguns pesquisadores, como o espanhol Juan Salinas e o argentino Carlos De Nápoli, que escreveram um livro sobre a suposta fuga de altos oficiais do exército nazistas para a Argentina, ao final da guerra (e, talvez, até do próprio Hitler, cujo suicídio, em 30 de abril de 1945, em Berlim, eles também questionam, já que seu corpo nunca foi encontrado), naquela mesma manhã de 4 de julho, havia um submarino alemão navegando na mesma região onde o Bahia explodiu.
Era o U-530, comandado por Otto Wermuth, que fazia parte do suposto plano de fuga nazista, batizado de Operação Ultramar, juntamente com outro submarino alemão, o U-977 – que também passaria pela região, logo depois.
Segundo os dois pesquisadores, teria sido um torpedo disparado pelo U-530 (que, dias depois, se renderia diante da Base Naval de Mar del Plata, na Argentina, sem todos os projéteis nos disparadores, sem livro de bordo com os registros da viagem, e sem o seu bote de desembarque, após supostamente também ter feito uma misteriosa parada na costa sul argentina, onde desembarcara coisas e pessoas), que teria afundado o cruzador brasileiro, no último ato da chamada Batalha do Atlântico – embora quase ninguém tenha levado essa teoria a sério, já que não havia nem motivo para isso, pois a guerra já havia terminado.
Dias depois, também o U-977 se entregou às autoridades da Argentina, país onde seu comandante, Heinz Schäffer, passaria a viver anos depois, como outros tantos ex-oficiais nazistas.
Apesar disso, deduzir que o cruzador Bahia tenha explodido pela ação de um dos submarinos da chamada Frota Fantasma de Hitler, que, a caminho da Argentina, teria parado para atacar o navio brasileiro, em vez daquele desastrado disparo, como atestaram os seus sobreviventes, sempre pareceu fantasioso demais para ser verdade.
A menos que, por uma absurda coincidência, as duas coisas tivessem acontecido ao mesmo tempo (o impacto de torpedo simultaneamente ao disparo do artilheiro), o que seria ainda mais improvável.
Mas, de toda forma, não impossível.
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