Isolamento divide Família Schurmann e deixa metade em terra, metade no mar

Nos últimos 36 anos, os Schurmann, a família navegadora mais famosa do Brasil, se habituou a viver dentro do pequeno espaço de um barco durante as longas viagens que já fizeram pelos mares – nada menos que três voltas ao mundo, entre outras travessias menores.

Também se acostumaram a passar longos períodos confinados dentro da cabine do veleiro onde moram, sem poderem sequer botar o pé para fora, durante as tempestades ou quando as condições do mar não permitem isso.

Ou seja, é uma família com larga experiência em confinamento.

Mas os Schurmann nunca haviam passado pela experiência que estão vivendo agora, por conta do coronavírus.

A começar pelo (raro) fato de que a família, que é uma espécie de símbolo da boa união familiar, justamente por passar tanto tempo junta e compartindo o mesmo espaço, acabou ficando dividida e separada, porque a pandemia, e o consequente confinamento, pegou os Schurmann de surpresa, justamente quando cada um estava em um local diferente – mas com planos de, em seguida, voltarem a se reunir para navegar juntos.

Só que não deu tempo.

Quando o confinamento começou a ser decretado nos países da América do Sul, uma parte da família Schurmann (o pai, Vilfredo, um dos filhos, Wilhelm, e nora, Erika) estava no mar, navegando na região das Ilhas Falkland, no Atlântico Sul, e outra parte (a mãe, Heloisa, outro filho, David, e os netos Kian e Emmanuel) em São Paulo, se preparando para ir ao encontro do restante da família, no barco.

“Ficou um pedaço da família no mar e outro em terra firme”, brinca Heloisa, que, por muito pouco, não ficou retida ainda mais longe, em Miami, onde estava até pouco antes de começar a quarentena, tratando de questões familiares.

“Eu passei por São Paulo e estava seguindo para as Falkland, para encontrar o restante da família e voltar com eles no barco, quando veio a quarentena. Daí, entrei na casa do meu filho e não sai mais, enquanto eles ficaram retidos lá, sem data para voltar. A família se dividiu, metade lá, balançando no mar, e metade cá, tentando fazer o tempo passar, até a gente poder voltar a se juntar”, diz Heloisa, que preferia muito mais estar no barco do que numa casa, em São Paulo. Sobretudo agora.

“No mar, você está infinitamente mais protegido do risco de contágio pelo vírus, porque não tem nem vizinhos. É o melhor lugar para se estar nesse momento delicado e pena que não estou nele também”, diz a mãe-navegadora, que não sabe quando voltará a ver o marido e o outro filho, que estão ancorados a milhares de quilômetros de distância do restante da família.

“Eles pensam em começar a voltar ao Brasil com o barco no final do mês, mas isso vai depender de muitas coisas, entre elas a reabertura dos portos do Uruguai e Argentina, que estão fechados para barcos estrangeiros. E você não pode sair para o mar sabendo que, em caso de necessidade, não terá onde parar”, explica Heloisa, que, por conta das longas viagens de barco, às vezes atravessando oceanos por semanas a fio, tem larga experiência em isolamento.

“A diferença é que, nas travessias com o barco, nós ficamos isolados por opção, não por dever e obrigação, como agora. Mas tanto num caso quanto no outro, é preciso ter paciência e aproveitar a reclusão da melhor maneira possível”, ensina Heloisa, que tem dedicado parte do seu tempo na quarentena justamente aos preparativos da próxima viagem/aventura da família.

“Será nossa quarta volta ao mundo navegando, desta vez para alertar para os problemas ambientais que estão afligindo os mares e que se chamará Voz dos Oceanos. Ela está prevista para começar em setembro, mas, agora, só se a pandemia deixar. Ou seja, quando esse isolamento terminar, vamos nos isolar novamente, só que no barco e todos juntos de novo”, diz a matriarca dos Schurmann, que costuma ser a única mulher a bordo nas longas viagens do veleiro da família, já que seus três filhos são homens. “Eles cresceram num barco e, agora, é a vez dos netos”, diz Heloisa, orgulhosa.

Mas não é só pela questão da segurança que Heloisa Schurmann preferia estar no barco da família em vez de trancada numa casa em São Paulo. É que, há muito tempo, o veleiro Kat, de quase 25 metros de comprimento, se tornou a sua casa de fato. Mesmo quando eles não estão navegando.

“No barco, eu me sinto em casa, porque ele é a minha casa, literalmente”, diz, enfática. “Moramos no mar há 36 anos e era nele que eu queria estar agora também, junto com a outra parte da família”, diz.

Já a outra parte da família Schurmann não se arrependeu de ter permanecido no mar, quando começaram a ser decretados os isolamentos no mundo inteiro.

“Estávamos prestes a voltar para o Brasil quando começou o problema. Daí, concluímos que, nessa parte das Ilhas Falkland, onde só vivem cinco pessoas, estaríamos muito mais seguros do que em qualquer outro porto”, explica o capitão Vilfredo Schurmann, que está aproveitando o tempo livre a bordo para finalizar um livro que está escrevendo sobre a expedição que a família realizou, tempos atrás, em busca dos restos de um submarino alemão afundando em Santa Catarina, na Segunda Guerra Mundial.

“Aqui, estamos naturalmente isolados e podemos fazer até caminhadas, porque não há ninguém por perto. Só ovelhas e pinguins”, diz Vilfredo, que, assim como a mulher, Heloísa, faz parte do chamado Grupo de Risco, já que ambos têm mais de 70 anos de idade.

As Ilhas Falkland, que no Brasil são muito mais conhecidas como Ilhas Malvinas, por conta da guerra entre Argentina e Inglaterra, em 1982, ficam isoladas no Atlântico Sul, a cerca de 1 000 quilômetros do extremo sul da América do Sul, e são um dos poucos lugares do mundo onde o coronavírus ainda praticamente não chegou.

Até agora, houve ali apenas dois casos suspeitos, mas envolviam apenas soldados da base militar inglesa que existe nas ilhas, e que já estão recuperados.

Mesmo assim, o controle tem sido intenso na única cidade das Falkland/Malvinas, Stanley, onde vivem apenas 2 000 pessoas – quase a população inteira das ilhas, já que o restante são áreas virgens ou ocupadas por imensas fazendas de ovelhas.

“Aqui nas ilhas, a todo instante, as pessoas ficam sendo avisadas pelo rádio para não saírem de casa, e no único supermercado só entram alguns clientes por vez, todos protegidos por máscaras. É muito seguro. Mesmo assim, preferimos ficar afastados da cidade e ancoramos numa região onde não há absolutamente ninguém por perto”, diz o comandante dos Schurmann, que, com a experiência de um velho lobo do mar, não se cansa de tranquilizar as pessoas.

“Em 36 anos de mar, já enfrentamos muitas tempestades. Mas as tempestades sempre passam. E essa também vai passar ”, diz o líder da família que é quase sinônimo de vida no mar.

Mas que, agora, tal qual todas as famílias, também está metade lá, metade cá.

 

102 anos atrás: a pandemia que chegou ao Brasil escondida em um navio

102 anos atrás: a pandemia que chegou ao Brasil escondida em um navio

Só os jornais da época, alguns livros de história e os brasileiros com um pouco mais de 100 anos de idade se recordam.

Mas, pouco mais de um século atrás, mais precisamente em 1918, o Brasil – e o mundo – enfrentou outra pavorosa e trágica pandemia causada por um vírus respiratório: a chamada “gripe espanhola”, que matou cerca de 50 milhões de pessoas – cerca de 35 000 delas no Brasil, embora este número não seja muito confiável, incluindo então Presidente eleito, Rodrigues Alves, que nem chegou a tomar posse.

Mas, naquela época, o vírus, que hoje é conhecido como influenza e que ainda causa vítimas esporádicas, não chegou ao Brasil embutido no organismo de passageiros de aviões, até porque eles ainda estavam sendo inventados, mas sim a bordo de um único navio: o transatlântico inglês Demerara, que chegou ao porto de Recife, vindo da Inglaterra e Portugal, em 14 de setembro de 1918.

Os brasileiros não sabiam, já que as comunicações na época eram precárias demais, mas o terror estava chegando ao solo brasileiro junto com aquele transatlântico.

Duas passageiras morreram durante a própria viagem e outras pessoas que estavam no navio já chegaram doentes a Recife.

Mesmo assim, como ninguém aqui sabia sobre o surto que já assolava a Europa, então às voltas com a Primeira Guerra Mundial, nenhuma precaução foi tomada.

Mesmo na Europa e nos Estados Unidos, de onde se imagina partiu aquele vírus, que, em seguida, foi levado para os campos de batalha pelos soldados, não havia conhecimento do problema.

Os líderes dos países em guerra omitiam isso das tropas, para não desanimar os combatentes.

A única exceção foi a Espanha, que por ser neutra naquele conflito, passou a noticiar nos jornais as mortes em massa entre os soldados, razão pela qual a epidemia se tornaria conhecida como Gripe Espanhola, já que só aquele país a noticiava.

No Brasil, imediatamente após a chegada daquele navio, que trazia algo bem mais letal do que as armas e munições usadas nos campos de batalha, começaram a pipocar casos da doença, que, tal qual o atual coronavírus, matava as pessoas em poucos dias.

Os primeiros casos foram em Recife. Depois, em Salvador e no Rio de Janeiro, onde o Demerara também fez escalas.

Mas o país só se deu conta do terror que chegara naquele transatlântico, logo apelidado de “Navio da Morte”, quando milhares de pessoas passaram a morrer, de forma quase fulminante.

Rapidamente, os hospitais estraram em colapso, enquanto as autoridades de saúde não sabiam o que fazer para tentar conter a epidemia.

Coube, então, à própria população criar seus próprios “remédios caseiros”, que, obviamente, não funcionaram.

Caldo de galinha, pitadas de tabaco, fumaça de alfazema e sal de quinino, este muito usado em tratamentos de malária, foram alguns dos “medicamentos” ministrados aos doentes.

Mas nenhum teve a popularidade de uma fórmula criada a partir da mistura de cachaça, limão e mel, que tampouco evitou as mortes geradas pela Gripe Espanhola, mas fez nascer a bebida mais típica do Brasil, até hoje: a caipirinha.

A Gripe Espanhola dominou o planeta de agosto de 1918 a janeiro de 1919, deixando, em menos de cinco meses, um macabro saldo de quase seis vezes mais mortes do que na Primeira Guerra Mundial.

Para os brasileiros, nunca antes um simples navio trouxera tamanho pânico.

As dicas de quem mora num barco para ajudar quem está confinado em casa

As dicas de quem mora num barco para ajudar quem está confinado em casa

Se, após uma semana de isolamento social, você não aguenta mais ficar dentro de casa, tendo que dividir todos os espaços com o restante da família, veja aqui o que tem a dizer quem já acostumou a viver – e bem! – em espaços ainda mais limitados, e com recursos bem menores do que os que vivem em uma casa de verdade: as famílias que optaram por morar em barcos, trocando a terra firme pelo mar – e que não são tão poucos quanto você possa imaginar.

Quem decidiu por trocar a casa por um barco, onde tudo é bem mais limitado, a começar pelo espaço, tem também experiência em outra situação que todos estão vivendo neste momento: o isolamento, porque sequer têm vizinhos.

“Quem mora num barco já vive um tipo de isolamento natural e voluntário, porque vive cercado pelo mar, onde não costumam haver outras pessoas”, explica a paulista Priscila Lima, que, junto com o marido, o também paulista Claudio Diniz, mora em um veleiro na região de Paraty. “Mas, longe de ser ruim, isso é muito bom, especialmente em tempos de coronavírus, porque, pela própria escassez de gente no mar, o vírus não consegue se espalhar. Estamos naturalmente protegidos” diz Priscila.

Com exceção, talvez, dos presidiários, poucas pessoas têm tamanha experiência em viver confinados em pequenos espaços (e, ainda por cima, geralmente compartilhados), quanto quem mora em um barco – onde, não raro, a “área habitável” não passa de 20 metros quadrados.

Por isso mesmo, quem decidiu fazer de um barco a sua casa é uma boa fonte de aconselhamento para quem está vivendo esta situação neste momento. E cada dia mais estressado com o confinamento doméstico.

Veja aqui o que eles têm a sugerir:

Aproveite o tempo para curtir a família.

Tempo livre já é considerado o bem mais valioso da vida. Quem mora em um barco tem bastante tempo para isso, porque passa bem mais tempo em “casa” do que fora dela. E como raramente precisa se locomover em terra firme, também não perde tempo em deslocamentos ou no trânsito. Aproveite, portanto, esse duplo ganho de tempo para curtir a família aonde você menos costuma estar: em casa.

Pratique a tolerância e a paciência.

O convívio social intenso e intermitente tende a minar os relacionamentos, porque nem sempre é fácil dividir o mesmo espaço com outras pessoas. Depois de algum tempo, a convivência tão estreita – e, ainda por cima, obrigatória – tende a deteriorar as relações familiares. Por isso, em nome da boa saúde mental das pessoas, é preciso haver tolerância, já que, em tempos de confinamento, tal qual na vida a bordo, não existe a válvula de escape de ir para as ruas. Por isso, quem mora num barco quase nunca briga, porque sabe não terá como evitar de ficar encontrando o outro, o tempo todo. Faça o mesmo.

Faça manutenção na casa.

Alguém já disse que morar num barco é passar os dias consertando tudo o que quebra ou prevenindo o que está prestes a quebrar. Ou seja, a manutenção é constante, obrigatória, permanente e bem mais intensa do que em uma casa convencional. Por isso, quem mora num barco, não sabe o que é tédio – há sempre algo que precisa ser feito. Numa casa, não é muito diferente. Aproveite para pôr a mão na massa e deixar tudo novamente em ordem. Vai fazer bem para a cabeça, para a segurança, para o conforto… e para o bolso.

Torne suas refeições mais saudáveis.

A imensa maioria dos barcos não tem geladeira, o que obriga seus ocupantes a serem bem cuidadosos na alimentação, que deve ser, acima de tudo, saudável – até porque nem sempre há um médico por perto. Perecíveis, por exemplo, só podem ser consumidos se forem frescos – uma máxima que deveria valer para todo mundo. E todas as refeições são sempre feitas a bordo e preparadas por eles mesmos. Aproveite, portanto, os almoços e jantares domésticos durante a quarentena para se alimentar melhor e com mais qualidade do que as refeições feitas na rua, durante os dias de trabalho. Sua saúde só tem a ganhar com isso.

Não passe o dia inteiro diante de uma tela.

Raríssimos barcos possuem televisão. Até porque no mar não pega TV. Portanto, quem mora num barco não passa o dia diante do noticiário – que, em épocas de crise, como agora, embora necessário, não deve ser exagerado, para não tornar o ambiente ainda mais pesado. O ideal é limitar o uso de eletrônicos ao habitual da casa, ou apenas a uma parte do dia, usando o restante do tempo para outras atividades. Exatamente como fazem os donos de barcos, que nem sempre têm sinal de internet.

Divida todas as funções domésticas.

Num barco, cada tripulante costuma ter uma função a bordo. Mesmo as crianças, para diverti-las, ensiná-las e para que se sintam úteis. Como muitas famílias estão, nesse momento, sem empregados domésticos, é preciso – e saudável, em todos os aspectos – dividir tarefas. Num barco, o comandante não é o único que trabalha. Siga o exemplo e faça o mesmo em casa.

Aprenda a compartilhar espaços.

Por maiores que sejam os barcos, eles sempre serão bem menores do que qualquer casa. Ou seja, morar num barco significa dividir o mesmo (pequeno) espaço com outras pessoas, o tempo todo. Isso exige tolerância, organização, consideração e respeito aos direitos alheios. Numa casa, pode ser a mesma coisa – só depende das pessoas. E o melhor remédio para isso, como ensinam as felizes famílias que vivem nos escassos metros quadrados do interior de um barco, é bem simples: levar tudo no bom humor. Até a falta de privacidade.

Controle a ansiedade.

No mar, o tempo é regido apenas pela natureza – não pelo relógio nem pelo calendário. Não adianta ter pressa nem fazer uma intensa programação que não possa ser alterada – embora ter alguma rotina seja saudável. Mas é preciso ir se adaptando, conforme permita a situação. Faça como os navegantes: se as condições do mar não estiverem favoráveis, fique em casa. E lembre-se: a tempestade sempre passa.

Foto: Mozart Latorre

Que fim levou o barco dos garotos?

Dois anos antes de começar a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha comprou da Bélgica um grande barco a vela, de quatro mastros, para ser usado no treinamento de jovens cadetes para a sua marinha mercante.

Batizado de Admiral Karpfanger, ele fez sua primeira viagem em setembro de 1937, entre Hamburgo e a Austrália, com uma tripulação que incluia 40 jovens aprendizes de marinheiros, com idades entre 15 e 17 anos.

O objetivo era ensiná-los rapidamente as técnicas de navegação, porque, secretamente, Hitler já planejava a invasão de países vizinhos e sabia que precisaria de muitos novos oficiais para isso.

A viagem durou quatro meses com intensos treinamentos a bordo, mas transcorreu sem nenhum incidente.

Um mês depois de chegar a Austrália, em 8 de fevereiro de 1938, o Admiral Karpfanger iniciou a travessia de volta a Europa, optando desta vez pela rota mais curta, via Pacífico Sul e Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul, pois o objetivo era estar de volta a Alemanha antes de maio, a tempo de melhor preparar os cadetes para a guerra que se aproximava.

Mas o Admiral Karpfanger jamais chegou a lugar algum.

Desapareceu por completo, sem deixar nenhum vestígio, o que gerou uma comoção mundial por conta da jovem tripulação, a despeito da bandeira da Alemanha nazista do barco.

Jamais se soube sequer onde ele afundou nem por que.

A hipótese mais provável é que o Admiral Karpfanger tenha colidido com um bloco de gelo nos mares antárticos e naufragado sem ter como pedir socorro, porque a única coisa sabida é que o seu rádio apresentara problemas logo após partir da Austrália.

Isso ficou claro nas quatro únicas comunicações da embarcação com a base alemã em solo australiano.

A primeira aconteceu apenas três dias após a partida e comunicou que estava tudo bem a bordo.

A segunda, já repleta de chiados, foi bem mais difícil de entender.

A terceira, quase um mês depois, fez saber, com extrema dificuldade, que o barco se encontrava a cerca de 1 500 milhas ao sul da Nova Zelândia, o que indicava uma navegação bem lenta, possivelmente conta da rota escolhida, repleta de gelo e famosa pelo seu mar nada amistoso.

E o quarto e derradeiro contato pelo rádio aconteceu no dia 12 de março, quando mal deu para avisar ao segundo oficial do barco que o seu primeiro filho havia nascido, na Alemanha.

Em seguida, o rádio ficou mudo.

Foi a última vez que se teve notícias do Admiral Karpfanger.

Durante todo o mês de março, os familiares da tripulação a bordo aguardaram, ansiosos, notícias sobre o avanço da viagem.

Mas a companhia dona do barco, a Hamburg-Amerika, não deu nenhum retorno, porque simplesmente não sabia onde o navio estava.

Só no início de abril a empresa emitiu um comunicado, dizendo que a razão do silêncio era, sem dúvida, devido a uma pane no rádio de bordo.

Também garantiu que nenhum outro barco reportara qualquer avistagem do Admiral Karpfanger, porque, como o objetivo era treinar bem os garotos, ele navegava em uma área remota, de navegação mais árdua e não utilizada pelos navios comerciais.

Mas, com certeza, aquelas não eram as únicas verdades a respeito do barco alemão.

Naquelas alturas, o Admiral Karpfanger já devia ter virado tragédia.

Mas nada foi aventado aos familiares.

Só no início de maio, quando nenhum registro da passagem do barco pela ilha brasileira de Fernando de Noronha foi feito, como era hábito na época, é que os responsáveis pela Hamburg-Amerika começaram a ficar seriamente preocupados.

Consultados, outros barcos que vinham do Pacífico para a Europa reportaram muito gelo no mar nas imediações do Cabo Horn, o que fez acender o sinal de alerta na empresa.

Mesmo assim, nada foi dito aos familiares dos jovens cadetes que estavam a bordo e a companhia continuou se recusando a admitir que o Admiral Karpfanger pudesse ter naufragado.

O mês de maio também passou sem nenhuma notícia do barco.

Só em julho, quando a pressão das famílias atingiu níveis insustentáveis, já que o Admiral Karpfanger deveria ter chegado a Hamburgo em maio, é que a Hamburg-Amerika resolveu agir.

Mandou que um dos seus navios fizesse a mesma rota do barco desaparecido e pediu ajuda aos governos do Chile e da Argentina nas buscas.

Diversos vestígios e restos de naufrágios foram encontrados.

Mas, aparentemente, nenhum deles era do barco que eles procuravam.

Agosto chegou e a única certeza sobre o Admiral Karpfanger era que ele havia mesmo desaparecido.

Mesmo assim, só em setembro a empresa emitiu um comunicado admitindo isso.

Apesar da iminência do avanço bélico nazista na Europa, o mundo inteiro se sensibilizou com o desaparecimento do barco dos garotos e mensagens de condolências foram enviadas tanto aos familiares quanto ao próprio governo alemão.

Em 21 de setembro, o nefasto sino do Lloyd’s tocou em Londres, oficializando a perda do Admiral Karpfanger e iniciando toda sorte de especulação sobre o que teria acontecido com o barco.

Entre as hipóteses levantadas, uma delas pregava que, na ânsia de preparar bem os cadetes, o comandante do Admiral Karpfanger teria forçado demasiadamente o barco, que não teria suportado o esforço de navegar a todo pano numa região que exige cautela.

Outra especulava que o barco alemão poderia ter sido desviado para uma ilha remota do Pacífico, a fim de montar uma base secreta, já visando a guerra que se aproximava.

De todas as teorias, no entanto, a mais provável era mesmo o choque acidental com um bloco de gelo.

Nos meses seguintes, as buscas continuaram, mas sem nenhum vestígio do barco, exceto um intrigante pedaço de porta com uma placa de metal na qual se lia, em alemão, “Capitão e Oficiais”, encontrada numa das ilhas nas proximidades ao Cabo Horn – e que, segundo a empresa que reformara o Admiral Karpfanger antes da sua viagem inaugural sob a bandeira alemã, bem poderia ser dele. Mas ficou por isso mesmo.

Para os familiares daqueles 40 jovens só restou a dor da perda e a eterna dúvida: o que, afinal, aconteceu com o barco dos garotos?

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A grande vantagem de morar no mar, em tempos de coronavuris

Neste momento, enquanto alguns bilhões de pessoas no mundo inteiro estão confinadas em suas casas, privadas de se movimentarem e sentindo os desconfortos do isolamento social e a insegurança gerada pelo risco da contaminação pelo Covid-19, um grupo de brasileiros não mudou em praticamente nada a sua rotina.

Seguem livres para sair de casa e se divertem em torno dela, com a certeza e a tranquilidade de que, mesmo fazendo isso, não correm risco de contrair o vírus.

Porque o local onde eles vivem é praticamente imune ao avanço do coronavírus.

Eles moram no mar, onde, pela própria característica do ambiente e completa escassez de pessoas, o vírus não consegue se espalhar.

E suas casas são barcos, que podem, inclusive, mudar de lugar, se surgir algum risco de o vírus chegar até lá.

“Nesse momento, estamos mais seguros do que qualquer brasileiro que viva em terra firme”, diz, com explícito alívio, o paulista Wladimir Popoff, que mora com a mulher, Rosane, em um veleiro, que geralmente fica ancorado perto das ilhas desertas da região de Paraty.

“Aqui, onde estamos, não há nenhum outro ser humano num raio de cinco quilômetros. E, se a gente quiser, dá para mudar a nossa ´casa` para ainda mais longe”, diz Wladimir, que se sente especialmente aliviado porque, tanto ele quanto a mulher, que já passaram dos 60 anos de idade, fazem parte do chamado “grupo de risco“ do vírus.

“Estamos naturalmente protegidos pelo mar”, diz Wladimir. “Só lamentamos não poder trazer para cá também os nossos parentes idosos, porque o espaço no barco é limitado”.

“Quem mora em um barco está menos preocupado, porque sabe que, se precisar, tem como escapar das áreas de contaminação, levando a casa junto”, diz a ex-enfermeira Guta Favarato, que, junto com o marido, mora em um veleiro. “Basta levantar âncora e ir para um local mais seguro, pelo menos por um tempo”.

O mesmo alívio de Wladimir, Rosane e Guta está sendo sentido, neste momento, por todas as pessoas que resolveram trocar uma casa por um barco e a vida em terra firme pelo mar.

Como o também casal Alcides Falanghe e Tatiana Zanardi, que, dez anos atrás, trocaram um apartamento em São Paulo por um veleiro no Caribe, no qual hoje moram e ganham a vida, recebendo e levando turistas brasileiros para passear nas Ilhas Virgens Britânicas.

“Quem mora num barco já vive um tipo de isolamento natural, porque não há nem vizinhos assim tão perto. Portanto, para nós, não mudou nada. Exceto a preocupação com os familiares, no Brasil”, diz Alcides, que é mergulhador e segue sua rotina diária sem nenhum contratempo, inclusive mergulhando no mar em torno do seu barco-casa. “Temos sorte de estar nessa situação”, admite.

Mas, com base na experiência adquirida pela estreita convivência do casal no pequeno espaço de um barco, a mulher de Alcides, a chefe de cozinha Tatiana, tem um conselho a dar às famílias, que, por conta da recomendação dos órgãos de saúde, agora tenderão a ficar os próximos dias confinadas, dia e noite, dentro de casa.

“É preciso ficar atento, também, à saúde mental das pessoas, porque nem sempre é fácil dividir o mesmo espaço com mais gente, o tempo todo”, diz Tatiana, com a autoridade de quem vive nos poucos metros quadrados do seu barco com o marido, há uma década. “Depois de certo tempo, a convivência tão estreita – e, ainda por cima, obrigatória – tende a deteriorar as relações familiares”, adverte.

“O segredo é fazer do limão uma limonada, e aproveitar o confinamento para pôr o papo em dia com a família, por exemplo,” aconselha Tatiana. “Quando o espaço é limitado e precisa ser compartilhado, é preciso haver tolerância e bom humor, porque não existe a válvula de escape de ir para as ruas, por exemplo. Por isso, quem mora num barco não briga, porque não tem espaço nem para evitar encontrar o outro dentro de ‘casa'”, brinca.

“Quem vive cercado pelo mar está, por si só, afastado das demais pessoas, portanto com menos chances de contrair o vírus nesse momento”, diz outro veterano no assunto, o velejador ítalo-brasileiro Elio Somaschini, de 71 anos, que já morou durante anos em veleiros e, neste momento, está na França.

Mas, ele acrescente. “Cedo ou tarde, todos irão pegar esse vírus, porque vai virar mais um tipo de resfriado. Mesmo quem vive no mar. O negócio é tentar fazer o vírus se espalhar o mais lentamente possível, para dar tempo de surgirem remédios, e o organismo humano criar anticorpos. Poucos morrem de gripe hoje em dia, mas muitos já morreram no passado, quando também foi epidemia”, analisa o experiente navegador.

Quem também pensa dessa forma é o casal Adriano Plotzki e Aline Sena, que moram em um veleiro há cinco anos, e até criaram um canal no YouTube, o Hashtag Sal, dedicado a quem, como eles, tem o mar como endereço.

“A gente sabe que, em algum momento, o vírus vai chegar até nós, mesmo passando temporadas isolados no mar”, diz Aline. “Mas também sabemos que, por enquanto, durante essa pandemia, podemos nos afastar da costa e, ao mesmo tempo em que nos protegemos, ajudamos a não disseminar ainda mais o vírus entre as pessoas”, analisa.

“De certa forma, quem mora no mar já vive um tipo de confinamento voluntário”, completa Adriano.

Essa opinião é compartilhada por dez em cada dez pessoas que optaram por morar em um barco, em vez de uma casa.

“É nessas horas que a gente vê as vantagens de ser um pouco mais autossustentável”, avalia a gaúcha Gergia Spiandorello, que junto com o marido, Diego, também mora em um veleiro, que, no momento, está nas distantes ilhas da Polinésia Francesa.

“Nesse instante, o nosso barco é o melhor lugar do mundo onde poderíamos estar”, diz Georgia. “Ainda mais na Polinésia Francesa, que, de tão isolada, mais parece que está em outro planeta”.

E ela completa: “Quem mora em um barco já está acostumado a não ter muito contato com outras pessoas e a prever recursos para ficar muito tempo vivendo no mar. Portanto, um isolamento se torna bem menos complicado”.

“Só não saímos ainda do apartamento e mudamos para o barco, porque ele ainda não está cem por cento pronto. Mas, diante desse quadro, não descarto essa possibilidade”, diz o capixaba Felipe Tessarolo, que junto com a mulher, a bióloga Giovanna, comprou um pequeno veleiro, no final do ano passado, com planos em transformá-lo na nova casa da família, que incluiu um enteado.

O barco, que ele mesmo está reformando nas horas de folga, está ancorado bem diante de Vitória, onde eles moram, em um apartamento alugado. Mas, como fica no mar, e não nas ruas, é bem menos suscetível ao contato com o vírus. “É o nosso plano de fuga”, diz Felipe.

Mesmo quem não pode sair do barco está se sentindo mais protegido dentro dele. É o caso do casal também gaúcho Bruna Sobé e Jairo Machado, cujo veleiro, no qual moram há oito anos, está retido em uma marina de Ushuaia, na Argentina, que fechou todos os seus portos, no início da semana.

“Não podemos sair daqui, mas ainda é mil vezes melhor estar no barco do que na cidade, onde, inclusive, ninguém pode sair de casa. Estamos presos na marina, mas de certa forma aliviados, porque, como ela está fechada, ninguém chega até o nosso barco”.

“De certa forma, estamos ´ilhados`, mas, ainda assim, em bem melhor situação do que se estivéssemos trancados em um apartamento ou morando numa cidade”, completa a mineira Christina Amaral, cujo barco também está retido na mesma marina em Ushuaia.

Em melhor situação está quem ergueu velas e saiu para o mar, antes de os confinamentos nos portos de diversos países serem decretados.

Como aconteceu com a família brasileira Quaresma Gandelman, pai, mãe e filho, de 12 anos de idade, que moram no veleiro Plancton, e estão navegando com sua casa-móvel entre as ilhas do Caribe.

“Saímos da Martinica um dia antes de fecharem o porto e, agora, estamos avançando, bem devagar, rumo a qualquer outra ilha onde seja mais seguro ancorar”, explica Cecília Quaresma, que é professora formada e transformou o barco-casa da família também em escola, para que o filho Igor siga estudando durante a viagem.

“Estamos tranquilos por estarmos protegidos contra o vírus no mar, e por termos estoque de alimento para ficar meses no barco, se necessário”, diz Cecília, que brinca: “Aqui, nem a escola do Igor parou”.

Ela, no entanto, tem acompanhado as notícias pela internet e teme pelos seus familiares. “De vez em quando, também somos tomados pela ´pandemia do pânico´, mesmo sabendo que estamos seguros no barco”, admite.

Já outra família que vive a bordo de um veleiro, os argentinos Juan Dorda, Constanza Coll e o filho Ulisses, de apenas dois anos, que estão há meses ancorados na Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro, onde a rotina de passeios diários pelas praias desertas da ilha não foi alterada, tem outra preocupação nesse momento, embora compartilhem da mesma sensação de segurança, justamente por morarem em um barco: Constanza está no sétimo mês de gravidez e o plano original era ter o bebê em um hospital da região.

“Mas, agora, com essa corrida aos hospitais, que tende a gerar o caos, estamos começando a achar que pode ser mais seguro ter o bebê no próprio barco, como já nos sugeriram fazer”, cogita Constanza.

Que completa: “Não quero que meu bebê nasça em um ambiente de risco. Sei que fazer um parto em um veleiro não é o ideal, mas, no mar, pelo menos não há vírus”.