Resgatado por puro acaso

Resgatado por puro acaso

Em outubro de 2021, o americano Aaron Carotta, um ex-repórter de TV de 43 anos, partiu da costa oeste dos Estados Unidos em busca de um feito inédito: tornar-se o primeiro homem a dar a volta ao mundo com um barco a remo.

Mas a aventura terminou antes mesmo de ele atingir a metade do primeiro oceano a ser atravessado, um ano e meio depois.

Em 20 de maio de 2023, quando remava, sozinho, no Oceano Pacífico, o sinal de satélite emitido pelo barco de Aaron, uma espécie de caiaque oceânico hi-tech, com 6,50 metros de comprimento, batizado de Smiles (“Sorrisos”, em português), parou de funcionar.

Era um mal sinal.

Embora a perda do sinal tivesse sido consequência apenas de um colapso nas placas solares que geravam energia para o barco, aquilo deixou o americano incomunicável com sua rede de amigos em terra-firme – e isso, mais tarde, dramatizaria toda a história.

A falta de notícias deixou os amigos de Aaron apreensivos, embora o remador estivesse bem e seguisse avançando, rumo à Polinésia Francesa, sem que, no entanto, eles soubessem disso.

Seu único problema era não conseguir mais se comunicar com o mundo exterior.

Mas isso não era motivo para pedir socorro através do único aparelho que ainda tinha um pouco de bateria, uma espécie de localizador pessoal via satélite.

Aaron não via motivos para desencadear um complexa e cara operação de buscas, sendo que estava bem e com um bom estoque de água e comida.

Mas os amigos do remador não tinham como saber isso e decidiram acionar a Guarda Costeira dos Estados Unidos – que, por sua vez, retransmitiu o alerta de buscas no mar para equipes de resgate no Havaí e no Taiti.

Durante dias, barcos e aviões procuraram pelo americano, na vastidão do oceano. Mas nada encontraram, já que a última comunicação feita por ele, informando sua localização, acontecera muito tempo antes.

Com o passar do tempo, as buscas foram suspensas, mas ficou o alerta para quem estivesse navegando pela região, sobre a busca pelo aventureiro.

Também nada aconteceu.

Quase um mês depois, o silêncio do remador deu lugar a um aflitivo pedido de socorro – feito por ele mesmo.

Mas por outro motivo.

Nas primeiras horas da manhã do dia 15 de junho, o barco do remador foi colhido por uma grande onda e virou de cabeça para baixo, sem que ele tenha conseguido fazê-lo voltar à posição original.

Aaron passou um bom tempo na água, tentando desvirar o barco, até que, exausto, decidiu abandonar o casco emborcado e passar para uma balsa salva-vidas inflável, que levava no caiaque.

E usando o pouco de bateria que lhe restava, ligou o seu localizador pessoal, uma espécie de transmissor via satélite, que dispara sinais de emergência, e pediu ajuda.

Agora, para valer.

Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas, e como ele estava bem distante da área onde presumivelmente havia sido dado como “desaparecido” (além de estar a mais de 1 000 quilômetros da terra firme mais próxima), as chances de o sinal de emergência emitido por Aaron ser detectado eram mínimas.

Foi quando outro fato, que nada tinha a ver com o seu resgate, acabou se tornando a sua salvação.

Uma semana antes do infortúnio que acometeu o aventureiro, o barco de outro navegador americano, David Wysopal, que partira do México e atravessava o Pacífico a bordo de um veleiro de pouco mais de 13 metros de comprimento, na companhia do filho, Zachary, de apenas 12 anos de idade, deixou igualmente de transmitir sua localização, mais ou menos na mesma região do problema que acometera o remador.

O desaparecimento do barco de David dos aparelhos de rastreamento, que também eram monitorados por amigos dele em terra firme, agravado pelo fato de haver uma criança a bordo, desencadeou uma grande operação de buscas, que, no entanto, a exemplo do caso do remador americano, também não surtiu efeito.

Durante dias, aviões e barcos de uma base de resgates na Polinésia Francesa vasculharam o mar, em busca de pai e filho supostamente desaparecidos, mas nada encontraram.

Por um bom motivo: não havia nada de errado com o barco do americano – ele apenas atravessava uma zona onde o seu rastreador não funcionava.

Mas nem ele nem seus amigos sabiam disso.

O que também fomentou o mal entendido, foi que, ao zarpar com o filho, David não deixou claro para onde estavam seguindo.

Ele apenas comentou com um amigo que, talvez, fosse até as Ilhas Samoa, no Pacífico Sul, em busca de emprego em algum estaleiro.

Mas, quando sua localização parou de ser exibida nas telas do rastreadores, o barco do americano seguia na direção das ilhas da Polinésia Francesa, embora isso fosse apenas a rota escolhida por David no Pacífico.

Para aumentar ainda mais a confusão, na véspera da partida da costa mexicana, o filho de David ligou para a mãe, a nicaraguense Belkis González, que era separada do marido, dizendo apenas que eles “ficariam uns três ou quatro meses no mar”, sem maiores detalhes.

Como não havia autorizado nenhuma viagem do filho, a mãe de Zachary procurou a Polícia e denunciou o ex-marido por sequestro do menino – situação que se tornou ainda mais dramática quando ela ficou sabendo do “sumiço” do barco.

Ainda que por outro motivo, a mãe de Zachary foi a primeira a intuir que eles poderiam apenas estar apenas sem comunicação, mas atribuiu isso a uma atitude proposital do ex-marido, que poderia ter desligado os equipamentos de rastreamento do barco e fugido com o menino para alguma ilha, a fim de escapar da Polícia.

“Passei a torcer para que o meu filho tivesse sido realmente sequestrado, porque isso significava que ele estava vivo”, disse Belkis, na ocasião.

De certa forma, a falta de notícias do filho a confortava.

Ela conjecturava que “era melhor não ter notícia alguma, do que receber uma ruim”.

Enquanto isso, alheios a tudo, David e Zachary seguiam em frente no oceano, rumo às ilhas Samoa, sem saber que eram procurados intensamente por equipes de resgate.

Muito menos o que o destino deles e do remador Aaron Carotta se cruzariam no exato instante em que o rastreador do veleiro do americano parou de funcionar.

Naquele dia, enquanto David enviava aquela que seria sua última posição para os amigos em terra firme, Aaron também perdia a única fonte de energia que seu pequeno barco tinha: os painéis solares que alimentavam as baterias do caiaque do remador pararam de funcionar.

Sem energia no barco, ele não tinha mais como enviar mensagens ao que acompanhavam à distância a sua jornada no mar.

E aquele perturbador silêncio, levou os amigos do remador a também acionarem a Guarda Costeira.

Mas não ao mesmo tempo em que os amigos de David.
Também alheio ao desnecessário pedido de ajuda feito pelos amigos, Aaron Carotta seguiu remando, ainda que incomodado por não ter mais uma fonte de energia para recarregar as baterias dos seus equipamentos.

Mas ele estava bem, possuía um bom estoque de água e comida, e não via o menor sentido em acionar o único equipamento que tinha ainda com um pouco de bateria – o seu localizador pessoal portátil – para pedir socorro, já que não estava em uma situação de risco.

Aaron se recusava a desencadear uma onerosa operação de resgate no meio do Pacífico só porque ficara sem energia.

Mas, um mês depois, o que não passava de um falso alarme, se tornaria uma emergência de fato.

 

Nas primeiras horas da manhã do dia 15 de junho, quando aquela onda virou o barco do remador e o obrigou a passar para uma precária balsa salva vidas inflável, Aaron não pensou duas vezes.

E acionou o sinalizador, que disparava sinais de emergência, com o pouco de bateria que restava no aparelho.

Como as buscas pelo remador já haviam sido encerradas há muito tempo – e ele, mesmo não sabendo disso, sabia que estava muito longe de qualquer ilha -, as chances de o sinal do aparelho ser captado por alguém eram mínimas.

Coisa de uma em um milhão.

Foi quando o destino do remador e do velejador David se cruzaram novamente.

No exato instante em que o remador ativou o seu localizador, estava em curso a última operação de buscas pelo veleiro de David – e o bip do aparelho tocou em um dos aviões que faziam a varredura no mar, em busca do veleiro. A aeronave estava distante, mas seguiu imediatamente para o local, imaginando encontrar pai e filho no mar.

Quem, porém, estava lá era Aaron, já com água pelos tornozelos na balsa cada vez mais murcha, e um ameaçador tubarão nadando ao redor dela.

Apenas um par de horas havia se passado desde que ele acionara o alarme, que durou apenas alguns minutos e logo parou de funcionar, por falta de bateria.

E a imagem daquele avião de resgate se aproximando foi a melhor coisa que Aaron viu na vida, mesmo sem saber como aquilo tinha sido possível.

A operação, que buscava um navegador, acabou salvando outro.

E teria sido totalmente desnecessária, uma vez que nada havia ocorrido com o barco do pai e filho, não fosse o fato de que, graças a ela, aquele remador, cuja existência as equipes desconheciam, fora resgatado.

Um enorme golpe de sorte.

Para todos.

No entanto, quando o resgate chegou ao local, Aaron não pode ser resgatado de imediato.

A equipe estava em um avião, não em um helicóptero, aeronave que não permite o desembarque de resgatistas no mar, muito menos o embarque de vítimas.

E aquele ponto era distante demais de qualquer terra firme para a autonomia limitada dos helicópteros de socorro.

A solução foi lançar víveres no mar, próximos a balsa, e pedir para Aaron aguardar o resgate, que teria que ser feito pelo mar.

Mas o remador sequer pode alcançar os objetos, porque o tal tubarão continuava rondando ameaçadoramente a balsa, cada vez mais murcha, por sinal.

Do avião, o piloto avisou o centro de operações de buscas sobre o inesperado achado (procuravam por duas pessoas, mas acharam uma terceira, que nada tinha a ver com o caso), e alguns navios que navegavam na região foram orientados a recolher o náufrago.

Mesmo assim, a embarcação que estava mais próxima, o cargueiro Baker Spirit, levou cerca de 30 horas para chegar ao local.

Aaron, por fim, foi resgatado e seguiu viagem, no próprio navio, até o Havaí, onde desembarcou dias depois, são e salvo – bem como David e seu filho, que só ficaram sabendo das complexas operações de buscas por eles no mar, e do salvamento do remador que o “sumiço” deles involuntariamente gerou, quando chegaram à Samoa.

Por fim, salvaram-se todos os “desaparecidos”.

Que, afinal, jamais estiveram perdidos.

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O menino que foi jogado ao mar e sobreviveu para contar

O menino que foi jogado ao mar e sobreviveu para contar

 

O menino nigeriano Eyitope Aiyegbusi tinha um sonho: ser jogador de futebol.

Mas, órfão de pai desde os três anos de idade, doado pela mãe (que não tinha condições de cria-lo) a uma amiga que vivia pior ainda na Libéria, sem comida nem dinheiro para nada, o seu futuro estava seriamente comprometido.

Mas ele tinha fé em Deus, herança da mãe religiosa, e decidiu ir embora, em busca de uma vida menos sofrida e mais esperançosa.

Aos sete anos de idade, Eyitope passou a perambular, sozinho, pela África, dormindo nas ruas, fugindo da Polícia (porque não tinha autorização para viajar) e comendo apenas o que alguém lhe desse.

Passou pelo Quênia, Tanzânia e Moçambique.

Até que chegou à África do Sul, onde foi preso, por falta de documentos.

Levado pela Polícia, passou dois meses detido – mesmo sendo apenas um garoto.

A delegada que o deteve queria saber se ele estava envolvido na venda de drogas. Eyitope, que sobrevivia lavando pratos e dormindo nas ruas de Johanesburgo, contou sua história.

A policial se sensibilizou, o soltou e fez ainda mais por aquele garoto solitário: deu um jeito de conseguir documentos (forjados), que passaram a atestar que ele era de Serra Leoa (e não da Nigéria, já que não tinha nenhum documento) e se chamava “Gofu Felix Corleoma” – nome que passou a ser o seu.

Com isso, Eyitope passou a ter, ao menos, tinha um documento.

E agradeceu a Deus por isso.

Mas a vida nas ruas de Johanesburgo também não lhe dava perspectivas de futuro, muito menos como jogador de futebol.

Foi quando Eyitope (agora Gofu), decidiu ir embora, de novo, desta vez não apenas de país, mas da África.

Conseguiu que um amigo lhe comprasse uma passagem de trem até o porto de Durban, e ali colocou o seu plano em prática: embarcar em um navio, para tentar a vida em outro canto do mundo.

Como clandestino.

Com apenas uma garrafa de água e um punhado de açúcar no bolso – único “alimento” que teria enquanto estivesse escondido dentro de algum navio -, Gofu foi para o porto e escolheu aleatoriamente o cargueiro de bandeira panamenha (mas tripulação chinesa), Aldebaran II, que estava sendo carregado com engradados de comida através de um guindaste, e se agarrou nos fardos.

Içado, embarcou sem que ninguém o visse.

Era a noite de 16 de dezembro de 2000, e começava ali a nova vida de Gofu.

Que, no entanto, quase a perdeu por isso.

Uma vez a bordo, Gofu se esgueirou pelo convés e entrou na primeira porta que viu.

Ela dava em uma escada, que o levou aos porões do navio.

Ali, ele se escondeu debaixo de uma pilha de cordas e ficou aguardando a partida do cargueiro, que, para sua sorte – que também não tinha a menor ideia de para onde aquele navio seguiria – aconteceu naquela mesma noite.

Durante uma semana, Gofu permaneceu escondido no porão do navio, sobrevivendo apenas da garrafa de água e do açúcar que tinha no bolso.

Mas, quando a fome apertou, decidiu se entregar, já que também sabia que estava longe da África, de onde tanto queria fugir.

Quando viu passar um tripulante, saiu do esconderijo e pediu ajuda.

O sujeito, um grego que falava um pouco de inglês, único não chinês da tripulação, ficou estupefato e avisou o comandante do navio, Yao Ren Fun – que, depois de interrogar o garoto, mandou que ele fosse colocado em uma espécie de cela, com grades de ferro, que havia no porão do navio. Gofu estava preso.

Mas agora, ao menos, sendo alimentado.

E ele agradeceu novamente a Deus por isso.

O nigeriano passou uma semana trancado naquela cela, enquanto o navio navegava, rumo aos Estados Unidos.

Mas ele não sabia para onde estava indo.

Tampouco o que lhe aguardava em seguida.

Na madrugada do último dia do ano, 31 de dezembro, o Aldebaran II estancou no meio do mar e Gofu foi acordado, retirado da cela e levado para o convés, por um tripulante chinês.

Lá, encontrou o comandante Yao Ren Fun, que lhe ordenou pular do navio – uma forma de se livrar daquele problema, já que, pelas leis, os próprios navios são responsáveis por eventuais passageiros clandestinos.

Gofu se desesperou e se agarrou a grade do convés, enquanto alguns tripulantes tentavam atirá-lo à força no mar.

Mas o máximo que conseguiu foi receber um colete salva-vidas (cujo nome do navio foi retirado, para não deixar pistas) e um tonel vazio, a título de balsa, ao qual foi amarrado.

E foi atirado ao mar.

Mesmo não sabendo nadar.

Uma vez na escuridão do mar, vendo o navio ir embora e bebendo muita água, Gofu passou a rezar.

Pedia a Deus que o tirasse daquela situação, ou o fizesse morrer rápido, para não sofrer demais.

Foi uma noite traumática e interminável.

Quando o dia amanheceu, o último do ano 2000 – enquanto o mundo se preparava para celebrar, com muita festa, a chegada do século 21 -, a situação de Gofu ficou pior ainda: alguns peixes passaram a bicar sua pele, gerando doloridas feridas.

Mas isso não o angustiava tanto quanto não saber por quanto tempo ainda viveria.

Agarrado ao tonel, no meio do oceano, sem nenhum barco ou terra à vista, ele chorava, enquanto conversava mentalmente com Deus e pedia uma salvação.

E ela veio, horas depois.

Na tarde daquele dia, pai e dois filhos, pescadores do litoral do Rio Grande do Norte, discutiam se retornariam para terra firme para a festa de fim de ano, ou continuariam pescando, quando um deles, contrariado, saiu da cabine para espairecer do lado de fora do barco.

Ao fazer isso, viu um tambor flutuando na água.

E decidiu pegá-lo, porque haveria de ter alguma utilidade.

Apesar do pai ser contra aquela ideia, um dos filhos aproximou o barco daquele tonel à deriva.

E viu que, agarrado a ele, havia um garoto negro, àquelas alturas já quase afogado.

Após quase 12 horas no mar, Gofu estava milagrosamente salvo, embora isso contrariasse todas as probabilidades.

Para ele, fruto inequívoco da vontade de Deus

Resgatado – mas sem entender uma palavra do que aqueles pescadores diziam, sequer onde estava -, Gofu foi levado para a praia de Tibau do Sul, no litoral do Rio Grande do Norte, e de lá encaminhado à Polícia – quando, enfim, entendeu que estava no Brasil, a “Terra do Futebol”, esporte que ele tanto amava.

Na sua cabeça, aquilo também só poderia ser obra de Deus.

E ele teve absoluta certeza disso quando, dias depois, foi procurado pela Arquidiocese da Igreja Católica de Natal, cujo arcebispo, Dom Heitor de Araújo Sales, ouvira a notícia do incrível resgate de Gofu no mar, e decidiu ajuda-lo.

Mais que isso, o religioso – a quem Gofu passou a chamar de “pai” – resolveu “adota-lo” de certa forma, oferecendo casa e apoio jurídico, para que ele permanecesse legalmente no Brasil.

Tempos depois, Gofu conseguiu cidadania brasileira, baseado no argumento de que não tinha mais sequer uma pátria para chamar se sua.

Em Natal, Gofu também conseguiu realizar o sonho de jogar futebol, embora não por muito tempo.

Após duas temporadas atuando em pequenos times locais, casou, teve duas filhas e decidiu procurar empregos mais sólidos.

Trabalhou como sapateiro, vigia noturno, porteiro de escola, e o que mais lhe oferecessem, sempre agradecendo a Deus por tudo, especialmente por estar vivo.

Pouco antes disso, a Polícia Federal brasileira ficou sabendo que o navio do qual Gofu fora atirado ao mar faria uma parada no porto de Itaqui, em São Luiz, no Maranhão, e determinou que sua tripulação fosse interrogada.

O próprio Gofu fez a identificação dos envolvidos: nove chineses, incluindo o comandante Yao Ren Fun.

A princípio, ele negou que aquilo tivesse acontecido.

Mas, depois, ao cair em contradição com o que disse outro suspeito, imputou a decisão de lançar o clandestino ao mar ao subcomandante Yang Yu Bin, que, no entanto, era seu subordinado.

No seu depoimento, o comandante do Albebaran II também alegou que havia aproximado o navio da costa, para que Gofu “pudesse nadar até uma praia”.

Mas foi contradito pelos registros de navegação do próprio navio, que mostraram que, naquela noite, o cargueiro navegava a 55 quilômetros da costa.

Com base nisso, os envolvidos foram presos preventivamente, acusados de tentativa de homicídio.

Mas não passaram muito tempo na cadeia.

Logo, foram soltos, passaram a responder ao processo em liberdade, saíram do país e nunca mais voltaram.

Ninguém foi punido pela atrocidade cometida contra aquele garoto, que só não morreu porque – como sempre disse – “Deus não permitiu”.

Mesmo assim, Gofu não guardou mágoas dos seus algozes.

Ao contrário, cada vez mais religioso, vivendo até hoje em Natal em uma casa da Arquidiocese local, diz que gostaria de reencontrar o comandante chinês, não para se vingar, mas para pedir desculpas por ter invadido o seu navio.

E também pedir que ele não fizesse aquilo com outras pessoas.

“Deus nos ensinou a amar o próximo”, diz. “Rezo todos os dias por ele”.

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E a culpa foi do celular…

E a culpa foi do celular…

No início de julho de 2020, o navio graneleiro japonês Wakashio zarpou, vazio, do porto de Cingapura, com destino ao Brasil, onde receberia um carregamento de grãos no porto catarinense de Imbituba.

Mas aquela viagem terminou na metade do caminho, quando sua tripulação, com a anuência do capitão indiano Sunil Nandeshwar, decidiu aproximar o navio da principal ilha do arquipélago Mauricio, no Oceano Índico, a fim de captar sinais de telefonia que lhes permitissem se comunicar com amigos e familiares.

No dia 25 de julho, o grande cargueiro, com 299 metros de comprimento, começou a se aproximar da ilha.

Ao mesmo tempo, teve início uma festinha de aniversário de um dos tripulantes, para a qual até o comandante fora convidado.

Ele, então, delegou ao segundo oficial Hitihanillage Tilakaratna a responsabilidade de conduzir o navio durante aquela passagem ao largo da ilha, instruindo, porém, que ela deveria ocorrer “a cerca de cinco milhas da costa”.

Em seguida, o comandante foi para a festa, levando com ele também o “vigia” do turno, tripulante que, de acordo com os protocolos de segurança, deveria permanecer sempre na ponte de comando.

Quase uma hora depois, o comandante, já visivelmente embriagado, retornou à ponte de comando, mas nem chegou a conversar com seu imediato, porque ele estava ocupado.

O comandante deu apenas meia-volta e retornou à festa, onde permaneceu, bebendo e conversando alegremente com seus subordinados.

Até que um violento baque fez tremer todo o casco do navio: o Wakashio havia colidido com a barreira de corais que rodeia a ilha principal de Mauricio e encalhado.

Quando ficou claro que apenas os motores do navio não dariam conta de tirar o cargueiro daquela situação, o comandante do Wakaskio comunicou o fato às autoridades marítimas da ilha e pediu ajuda.

O socorro veio rápido e removeu todos os 20 tripulantes do navio, que nada sofreram no episódio – bem como o enorme cargueiro, que, a princípio, permaneceu apenas cravado no fundo arenoso da barreira de corais.

Como não havia nenhuma carga a bordo, não houve preocupação em esvaziar o navio, a fim de evitar danos ambientais à região.

E, talvez, nada mesmo de ruim acontecesse, não fosse a combinação da imprevisibilidade da natureza com o descaso.

Em 15 de agosto de 2020 – 20 dias após o encalhe e algumas tentativas frustradas de remover o cargueiro da bancada de corais na qual jazia espetado –, uma tempestade fez o mar subir barbaramente e grandes ondas passaram a açoitar o navio inerte.

Logo, o seu casco passou a ser retorcido e a exibir rachaduras, até que se partiu ao meio, feito um brinquedo.

Foi quando começaram os verdadeiros problemas causados pelo Wakashio.

Com o rompimento do casco, cerca de 1 000 toneladas de óleo diesel que estavam nos tanques de combustível do navio vazaram para o mar, contaminando a até então impecável barreira de corais das Ilhas Mauricio, um paradisíaco arquipélago com belas praias e forte apelo turístico.

Para piorar ainda mais o quadro, o acidente ocorreu bem próximo a um santuário ecológico, repleto de animais marinhos.

Nos dias subsequentes, peixes, tartarugas, golfinhos e até baleias começaram a chegar, mortos, às praias da ilha.

O vazamento afetou uma área de cerca de 30 quilômetros quadrados – o pior desastre ambiental da história das Ilhas Mauricio.

E só não foi ainda pior, porque moradores voluntários da ilha trataram de instalar, eles próprios, barreiras improvisadas nos recifes de corais, usando fardos de palha revestidos com tecidos, depois que ficou clara a inépcia do governo local para lidar com o problema.

“Como nunca tivemos um desastre ambiental, não estávamos suficientemente preparados para lidar com um problema dessa magnitude”, admitiu o Ministro do Meio Ambiente das Ilhas Mauricio, diante dos protestos que tomaram ruas da capital, pedindo, inclusive, a renúncia do Primeiro Ministro – que também foi acusado de reprimir a mídia local, para que os fatos não fossem divulgados na sua totalidade.

Para os ambientalistas, a inépcia do governo, que nada fez para retirar o óleo que havia no navio, apesar da crítica posição em que ele se encontrava, fora uma “tragédia anunciada”.

Mesmo assim, o governo mauriciano se limitou a decretar, burocraticamente, “situação de emergência” e, com base nisso, cobrou uma indenização de 34 milhões de dólares ao Japão, já que o navio pertencia a uma empresa japonesa – ou seja, do limão, os políticos da ilha resolveram fazer uma limonada, e lucrar com o caso.

Quando a tempestade passou, a proa do navio partido ao meio, que se soltara com a tormenta, foi rebocada para alto-mar e ali afundou, uma semana depois.

Já a popa seguiu encravada no recife, vazando paulatinamente ainda mais óleo, o que gerou outra tragédia – esta, ainda pior que o vazamento tóxico.

No dia 31 de agosto, durante uma tentativa de remoção do que restara do navio (que, por fim, teve que ser demolido ali mesmo, aumentando ainda mais a contaminação do mar), um dos rebocadores que participava da operação colidiu com uma barcaça, causando a morte de três tripulantes e o desaparecimento de um quarto.

Foi uma tragédia dentro da outra.

Ao final do processo, os responsáveis pelo Wakashio foram julgados e condenados pela justiça das Ilhas Mauricio a 16 meses de prisão: o comandante, por ter bebido e não percebido que o navio saíra completamente do rumo; e o segundo oficial, que conduzia o navio no instante do acidente, que admitiu não ter consultado o ecobatímetro (aparelho que mede a profundidade, o que indicaria o avanço do navio na direção das rasas águas no entorno da ilha), nem se oposto à não presença do vigia na ponte de comando, como manda o regulamento marítimo.

Por fim, o inquérito concluiu que “houve falta de vigilância do segundo oficial” e “negligência e excesso de confiança do capitão no seu subordinado”.

E tudo porque, enquanto o navio avançava implacavelmente em direção da ilha, o encarregado de conduzir o navio estava distraído, falando ao celular.

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