por Jorge de Souza | jul 22, 2024
Dois meses atrás, a chegada ao porto de Sendai, no norte do Japão, da viagem inaugural do novo navio Kangei Maru foi saudada com muita festa – porque ele chegou trazendo 15 baleias mortas.
O motivo da comemoração foi o “sucesso” da primeira expedição do mais novo navio caça-baleias do Japão, construído pela empresa baleeira Kyodo Senpaku.
Convocados, funcionários da empresa ficaram perfilados junto ao porto, agitando bandeiras, enquanto o navio desembarcava sua infame carga: contêineres inteiros com pacotes já embalados de carne do que, dias antes, foram 15 baleias da espécie Bryde, capturadas no mar territorial do Japão – um dos três únicos países do mundo que ainda caça baleias, juntamente com a Islândia e a Noruega.
Quinze dias antes, o Kangei Maru – orgulhosamente construído pela Kyodo Senpaku para ser o maior navio baleeiro da história do Japão – havia zarpado do porto de Tóquio para sua primeira expedição de caça, cercado de expectativas.
Ao retornar, com uma dezena e meia de vítimas (média de uma baleia morta por dia), confirmou o seu extraordinário poder de trucidar cardumes de baleias, já que sua captura ultrapassou as 250 toneladas de carne em uma viagem que era apenas experimental.
Quatro dias depois, ele partiu de novo, para mais uma expedição de caça no mar japonês.
“Estamos felizes em capturar baleias, e muito orgulhosos deste navio”, disse aos jornalistas, na véspera da partida, o presidente da Kyodo Senpaku, Hideki Tokoro.
“As baleias estão no topo da cadeia alimentar dos mares. Elas se alimentam de criaturas que impedem que os peixes cresçam, a fim de alimentar os homens. Precisamos abater baleias para manter o equilíbrio do ecossistema”, disse Tokoro na ocasião, entre outras asneiras – como a de que a carne de baleia pode impedir a queda de cabelo e até curar alguns tipos de câncer.
“Capturar baleias faz parte da cultura japonesa, e sua carne dá segurança alimentar aos japoneses”, acrescentou Tokoro, cuja empresa vem tentando reverter a diminuição no consumo de carne de baleia pelos japoneses com agressivas campanhas de marketing, que incluem pagar para influenciadores digitais divulgar o alimento, e instalar máquinas de venda automática de sashimis e filets de baleia em pontos movimentados de Tóquio.
Felizmente, não tem dado certo, e o consumo só vem diminuindo.
Especialmente entre os mais jovens – mesmo caso da Islândia, que já cogita parar de caçar baleias, por ser uma atividade hoje economicamente pouco rentável.
Mas a suspeita é que a Noruega continue capturando mais baleias do que o Japão e a Islândia juntos.
No Kangei Mari, a caça é feita com canhões de arpões explosivos de alta precisão (quando eles não conseguem dar cabo do animal, disparos com rifles entram em ação), embora, dada suas gigantescas dimensões, a vocação natural do navio seja a de receber e processar baleias que são capturadas por outros barcos menores, para que eles sigam caçando no mar por mais tempo.
É um navio-mãe – embora sua função seja para tirar vidas e não gerá-las.
Uma autêntica indústria flutuante de processamento de carne de baleia.
Ou um “matadouro”, na versão dos ambientalistas.
Em breve, o Kangei Maru também será equipado com drones de última geração, capazes de detectar, do alto, cetáceos que estejam a mais de 100 quilômetros de distância.
Além disso, o Kangei Maru tem uma autonomia que lhe permite navegar até o lado oposto do planeta, como a Antártica, maior reduto de baleias do mundo, e onde o seu antecessor, o Nisshin Maru, da mesma empresa, atuou durante anos.
Foi justamente por não concordar em parar de caçar baleias nas águas do Continente Gelado que o Japão (que vinha capturando baleias sob o falso argumento de estar fazendo “investigação científica”) deixou de fazer parte da Comissão Baleeira Internacional, em 2019.
Com isso, ficou legalmente livre para capturá-las em suas águas territoriais, como vem fazendo desde então.
Agora, o governo japonês está tentando aumentar a quantidade de espécies que podem ser capturadas, incluindo na lista as baleias-comuns, o segundo maior animal do mundo, atrás apenas das baleias azuis, já que o novo navio tem capacidade para puxá-las do mar.
E ninguém pode fazer nada para impedi-los.
Menos ainda agora, com o seu novo e poderoso navio, que neste exato instante está em algum ponto do mar do Japão, matando baleias, em mais uma se suas abomináveis expedições.
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“Sensacional! Difícil parar de ler”.
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“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor
“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | jul 16, 2024
Cerca de 300 quilômetros mar adentro da costa da Nova Escócia, no litoral leste do Canadá, existe uma ilha traiçoeira que atormenta os navegadores desde que ela foi descoberta, ainda no tempo das caravelas.
Seu nome já diz muito sobre o lugar: Sable Island, ou “Ilha de Areia”, numa mistura entre francês e inglês, como é frequente entre os canadenses.
Mas é o seu apelido que melhor define aquela ilha: “Cemitério do Atlântico Norte” – porque, ao longo dos tempos, mais de 350 embarcações, apenas entre as conhecidas, acabaram os seus dias naquele infame obstáculo no meio do mar.
O que torna Sable Island tão macabramente famosa é uma perversa combinação de fatores climáticos e geográficos.
A ilha – uma comprida e fina faixa de areia, com cerca de 44 quilômetros de extensão, praticamente rente ao mar e quase imperceptível à média distância – fica na confluência de três poderosas correntes marítimas – o que, de certa forma, ajuda a explicar a sua própria existência, pelo acúmulo de areia trazido pelas correntezas.
Além disso, ela fica bem na rota das tempestades que costumam assolar a costa atlântica da América do Norte, e constantemente envolvida por densos nevoeiros, fruto do encontro dos ventos mais quentes trazidos pela Corrente do Golfo com o ar gelado que vem da Corrente de Labrador, no sentido oposto – uma combinação bombástica, sobretudo pela habitual visibilidade precária na região.
Os nevoeiros em Sable Island são tão frequentes quanto poderosos.
Eles costumam aniquilar a visibilidade – que não raro é reduzida para míseros metros diante da proa dos barcos -, encobrem totalmente a ilha, e ocorrem, em média, cerca de 125 dias por ano – quase um terço do calendário anual.
Quando surgem, quase sempre levam dias – ou semanas – para dissipar.
Da perversa combinação de mau tempo frequente com um quase invisível banco de areia no meio do oceano – e com ramificações submersas, a baixa profundidade -, veio a macabra fama de Sable Island.
Para piorar ainda mais o cenário, a ilha está localizada próxima às principais e mais movimentadas rotas de navegação de embarcações que fazem a travessia do Atlântico, entre a Europa e a América do Norte, e, justamente pela confluência das correntes marítimas, em uma das áreas mais piscosas do mundo, o que lhe rende uma intensa e permanente movimentação de barcos pesqueiros, sobretudo europeus, em busca dos fartos cardumes que habitam a região.
E, quanto mais barcos, maiores as possibilidades de acidentes e naufrágios – felizmente, algo cada vez mais raro em Sable Island, graças à tecnologia.
O último deles foi o Merrimac, um moderno veleiro de 40 pés, que acabou destruído na grande praia que rodeia da ilha pelas ondas, durante a madrugada de 27 julho de 1999.
Mas, no passado, quando a navegação era feita por meio de equipamentos primitivos, como os sextantes, que exigiam tempo bom e dias claros para serem operados com alguma precisão, a rotina em Sable Island era o oposto disso.
Ao longo de toda a ilha, os encalhes e naufrágios se sucediam de tal forma que ela acabou ganhando outro tipo de desgraça: os saqueadores de náufragos – oportunistas inescrupulosos, que, em vez de socorrer às vítimas dos naufrágios, priorizavam o saque da carga que os navios acidentados transportavam, e, por vezes, até as atacavam, a fim de também roubar o que tivessem de valioso no corpo.
A História registra rumores de que, aproveitando-se da precariedade da visibilidade na região, os saqueadores chegavam a atrair deliberadamente os navios para os bancos de areia submersos, com tochas de fogo simulando faróis – benefício que a ilha só passou a ter no final do século 19, quando os acidentes já haviam produzido milhares de vítimas.
Há, também, registros de abusos cometidos pelos próprios funcionários do governo canadense ali alocados, em estações de salvamento, encarregados de prestar ajuda aos náufragos.
Em alguns casos, foi comprovado que eles exigiam algum tipo de pagamento das vítimas pelo fornecimento de comida e abrigo, até que o socorro chegasse ou fossem levados embora por outros barcos que passassem.
No final do século 18, os donos da escuna cargueira Growler foram obrigados a comprar, dos funcionários da ilha, parte da carga que o próprio barco transportava, já que eles alegavam que a haviam resgatado dos restos do naufrágio – portanto, no seu entendimento, haviam se tornado donos das mercadorias.
Mas o pior foi o que aconteceu em 1800, com as vítimas do naufrágio da escuna Francis.
Os corpos das vítimas que foram dar na praia foram saqueados, para a retirada de joias e anéis, e alguns sobreviventes assassinados, pelo mesmo motivo.
Depois disso, o governo canadense decidiu implantar Abrigos de Refúgio – com víveres para os náufragos – e Postos de Salvamento, alguns deles equipados com uma novidade para a época: as armas Lyle, uma espécie de lançador de cabos, cuja função era conectar os navios encalhados nos bancos de areia com a ilha, por meio de uma espécie de tirolesa, pela qual os sobreviventes deslizavam até a praia.
Mas nem isso impediu a pior de todas as barbáries na dramática história de Sable Island: a colisão (causada pelo denso nevoeiro) do vapor francês La Bourgogne com a escuna inglesa Cromartyshire, em 4 de julho de 1898.
Na tentativa de evitar o naufrágio, o capitão do La Bourgogne tentou encalhar o navio na praia, mas o máximo que conseguiu foi desencadear uma selvagem operação de abandono da embarcação, com passageiros e tripulantes espancando-se mutuamente, na disputa por um lugar nos botes salva-vidas.
No final do caos instalado, mais de 500 pessoas estavam mortas.
E, entre os sobreviventes, apenas uma mulher – todas as demais, bem como as crianças que viajavam no vapor, que seguia de Nova York com destino à França, foram impedidas pelos homens de embarcarem nos botes.
Muitos deles, tripulantes do próprio navio, que trataram apenas de salvar a própria pele.
Com os avanços nos instrumentos de navegação e a implantação de faróis automáticos em toda a ilha, os naufrágios em Sable Island – hoje, uma Reserva Natural protegida por lei no Canadá, já que abriga uma das maiores colônias de focas cinzentas do Atlântico -, praticamente estancaram.
Mas o principal símbolo da ilha – manadas de cavalos selvagens, que sobrevivem graças a uma espécie de gramínea que brota em certas partes da ilha – permanece o mesmo do passado.
Porque os seus antecedentes também chegaram ali por conta dos naufrágios em massa de Sable Island, no passado.
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