O obstinado caçador de um tesouro jamais encontrado

O obstinado caçador de um tesouro jamais encontrado

Entre as muitas histórias de supostos tesouros que teriam sido escondidos no litoral brasileiro, nenhuma é mais famosa – nem devotou tanto empenho em encontrá-lo – do que a que envolve o Saco do Sombrio, na ilha de Ilhabela, no litoral de São Paulo.

Sobretudo por um obstinado aventureiro: o engenheiro belga, radicado no Brasil, Paul Ferdinand Thiry.

Durante 40 anos, de 1939 até morrer, em 1979, Thiry pesquisou, estudou e escarafunchou, sozinho, uma das partes mais inóspita da maior ilha do litoral paulista, em busca da solução de um enigma, que, segundo ele, levaria a um tesouro ali escondido na primeira metade do século 19.

Mas Thiry morreu sem encontrá-lo, embora tenha descoberto uma intrigante série de marcos esculpidos nas pedras, que só poderiam ter sido feitos por mãos humanas.

E quem faria aquelas marcas se não fosse para indicar algo?

Thiry jamais teve dúvidas disso.

Se a busca por um tesouro em tempos modernos soa infantil demais para ser real, aquela desconcertante série de marcos encontrados por Thiry sempre deixaram encafifados até os céticos.

Segundo o belga, o que ele procurava no isolado saco do Sombrio, na parte mais erma da ilha – e que permanece assim até hoje -, era nada menos que parte do lendário Tesouro de Lima, tirado pelos espanhóis da América do Sul, em 1821.

A hipótese defendida por Thiry era a de que a tripulação do navio que transportava aquelas riquezas teria se apoderado da carga e a escondido em uma ilha da costa brasileira, que ele nunca duvidou que fosse Ilhabela – embora, por aqui, a história tenha se tornado mais conhecida como o Tesouro da Trindade, em alusão a mais remota ilha do litoral brasileiro, o que Thiry sempre discordou com veemência.

Thiry era um jovem engenheiro que trabalhava nas obras de saneamento no Rio de Janeiro, quando leu uma reportagem sobre o tal Tesouro da Trindade. E ficou fascinado.

A aventura estava no seu sangue.

Seu pai, que o trouxera para trabalhar no Brasil, fora o primeiro homem a escalar o morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, durante estudos para implantação dos bondinhos.

Mas Thiry também era meticuloso e disciplinado. Além de muito inteligente e quase matemático.

Durante dez anos, ele pesquisou a fundo aquela história.

Mas ficou particularmente intrigado porque, em alguns papéis, a identificação da suposta ilha aparecia como “chamada Trindade”.

Aquele “chamada Trindade” o deixou intrigado.

Se a ilha fosse realmente a de Trindade, por que não chama-la pelo próprio nome?

A menos que a ilha fosse outra…

Partindo dessa premissa, Thiry passou a procurar outras ilhas na costa brasileira que tivessem as mesmas características.

Entre elas, “uma grande baía abrigada, cascatas e montanhas”, segundo um dos documentos que ele pesquisou.

Thiry concentrou-se particularmente na figura geométrica, em forma de trapézio, que decorava um mapa da tal ilha.

Ele também continha uma enigmática inscrição, com traços que lembravam letras, números e desenhos, que, quando lidos rapidamente, davam a entender a palavra “G-Bay”.

Seria uma abreviatura de “Baía Grande”, quando traduzida para o português?

Para ele, que já havia intuído que a menção a Trindade poderia ser um mero disfarce, parecia claro que havia um enigma – inclusive matemático, a julgar pelo tal trapézio desenhado – a ser decifrado.

E começou a fazer cálculos aleatórios.

Num deles, pegou a distância que separa a Ilha de Trindade do continente brasileiro, 647 milhas náuticas, e a converteu em arcos, sendo que cada arco corresponderia a um minuto nas coordenadas de um mapa da costa brasileira.

O resultado apontou para uma região repleta de ilhas e isso passou a fazer algum sentido.

Depois, intuiu que as cifras dos tesouros mencionados em alguns documentos, “entre 3 e 5 milhões”, também pudessem significar outra coisa que não valores, e conjecturou que os números “3” e “5” poderiam ter a ver com a localização da ilha.

Em seguida, olhando atentamente para o tal desenho “G-Bay” estilizado em um dos mapas, ele visualizou, nos traços rebuscados da letra “B”, quatro números disfarçados: “2”, “3”, “5” e “2”, respectivamente. E se eles indicassem uma coordenada?

Quem sabe 23º52´?

Thiry pegou um mapa e, exatamente naquelas coordenadas, apareceu Ilhabela.

E aquela ilha também tinha um formato que lembrava vagamente um trapézio.

E também uma grande baía, chamada Castelhanos, nome que obviamente tinha tudo a ver com espanhóis.

Também possuia grandes morros e cachoeiras.

Para Thiry, eram coincidências demais para serem apenas isso.

Mas, a princípio, só ele acreditou que tudo aquilo fazia algum sentido.

Como Thiry não tinha recursos para bancar uma expedição exploratória, pediu ajuda a Marinha do Brasil.

E conseguiu.

Em 1949, um navio da corporação partiu do Rio de Janeiro, levando Thiry e um grupo de marinheiros, dispostos a pesquisar o Saco do Sombrio.

A base das buscas eram complicados mosaicos de triângulos superpostos, que Thiry desenvolvera a partir das leis da trigonometria, e que aplicaria sobre a geografia da grande baía da ilha.

Para ele, mais excitante do que achar um tesouro era solucionar aquele enigma matemático, que garantia existir por trás daquela história.

A quem duvidasse do seu complexo raciocínio, Thiry apenas dizia que quem não conhecesse matemática a fundo jamais entenderia mesmo.

Para os que acompanhavam o belga naquela expedição, foi preciso boa dose de imaginação e resignação.

Ele estava determinado a provar que aquela era a ilha do tesouro.

Naquela época, o saco do Sombrio não passava de um esquecido portinho de pescadores, onde viviam cinco famílias caiçaras e uma abnegada professora.

Mesmo hoje, não é muito diferente disso.

Uma densa vegetação, repleta de escorpiões, jararacas e outros bichos peçonhentos, cobria a íngreme topografia do lugar, escondendo também sorrateiros abismos, que despencavam direto no mar.

Além disso, a área era enorme e repleta de reentrâncias, que podiam muito bem esconder qualquer coisa.

Buscar um tesouro ali, que nem o próprio Thiry intuía de qual tamanho seria, era como procurar uma conchinha específica em uma praia a perder de vista.

Mas Thiry acreditava que a encontraria.

Mais tarde, após perder a ajuda da Marinha, que se retirou do projeto após o malogro de duas expedições ao local, Thiry, sozinho, conseguiu delimitar a área onde, segundo ele, repousaria o tesouro.

Também traçou um segundo triângulo, bem menor que o primeiro, em cujo centro haveria de haver um marco.

Adivinhação?

Para ele, não.

O que Thiry dizia estar fazendo era pura aplicação da ciência àquela busca meio absurda.

Ele garantia estar empregando as mesmas fórmulas científicas que teriam sido usadas pela mente superior que camuflara aquele tesouro, um século antes, debaixo de complicados enigmas matemáticos, que teriam que ser obrigatoriamente decifrados por quem almejasse encontrá-lo.

Do contrário, restaria apenas contar com a sorte, o que – isto sim! – Thiry pouco acreditava.

Sua principal ferramenta era a sua brilhante capacidade de fazer cálculos matemáticos precisos.

Difícil era acompanhar o seu raciocínio.

E ainda mais acreditar que apenas contas e números pudessem levar a algo de concreto, no meio daquela mata fechada.

Nisso, praticamente ninguém acreditava.

Até que, um dia, coincidência ou não, os cálculos de Thiry o fizeram topar com uma pedra cercada por outras, formando um círculo quase perfeito.

E nela havia três letras esculpidas: um “G”, um “M” e um “J”, além de um visível coração.

Coisa de namorados apaixonados?

Pouco provável naquele fim de mundo ainda selvagem, nos anos 1950.

Até porque, ao lado do tal círculo, havia uma espécie de pirâmide, formada por pedras cuidadosamente empilhadas.

Thiry ficou eufórico.

Para ele, aquele era o marco central do enigma, simbolicamente indicado pelo desenho do coração, “órgão central da vida”, explicou.

A partir dali, segundo ele, surgiriam outros marcos, até dar no tesouro.

E não é que surgiram mesmo, sempre nas interseções dos tais triângulos matemáticos traçados?

No total, ao longo das três décadas que passou fazendo buscas no saco do Sombrio (primeiro, auxiliado por um de seus filhos; depois, por um amigo, o advogado paulista Osmar Soalheiro), Thiry encontrou mais de 20 marcos – para ele, provas cabais de que estava no local certo.

Mas ele não conseguiu avançar na sua busca obstinada.

Em 1979, aos 74 anos de idade, Thiry morreu, ainda cercado pela incredulidade, mas com a admiração dos que o conheceram bem.

Como o próprio Soalheiro, que seguiu adiante com as buscas.

“Antes de conhecer Thiry, eu também o julgava um maluco” – disse, certa vez, Soalheiro.

“Mas, com o tempo, não só me convenci de que ele era mentalmente sadio, como dono de uma inteligência superior”.

Soalheiro, no entanto, só encontrou mais alguns marcos na mata, embora tenha vasculhado a ilha durante anos a fio, até também morrer, em 2011 – sem encontrar o tal tesouro.

No total, Thiry e Soalheiro perseguiram tesouro do Saco do Sombrio durante meio século.

Nada encontraram, a exceção dos tais intrigantes marcos, que estão lá até hoje.

A hipótese mais provável é que, se algo foi escondido ali, já teria sido recolhido – talvez pela mesma pessoa que o escondeu.

Ou não…

Uma história, portanto, até hoje sem um final.

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“Leiam. É muito bom!” 
André Cavallari, leitor

O grande fiasco que virou um enorme espetáculo

O grande fiasco que virou um enorme espetáculo

Foi um dos maiores fiascos da história.

Mas acabou rendendo uma das mais interessantes atrações turísticas da Europa.

Em 10 de agosto de 1628, durante a sua própria cerimônia de batismo, o Vasa, um dos maiores navios de guerra até então construídos, adernou e afundou praticamente dentro do porto de Estocolmo, de onde havia partido instantes antes.

Uma multidão assistia ao espetáculo, incluindo o rei sueco Gustavo II, que não só financiara o gigantesco barco, com o qual planejava dominar o mar Báltico e transformar a Suécia numa potência naval, como o projetara.

Aparentemente, o Vasa tinha sérios problemas de estabilidade e, ao inflar as velas, adernou mais do que o desejado, permitindo a entrada de água pelas portinholas dos canhões no casco, que estavam abertas justamente para exibir o seu poderio bélico.

Foi um completo constrangimento e o barco tombou na água, levando para o fundo da baía também 50 dos seus 150 tripulantes.

Nos anos seguintes, a coroa sueca dedicou-se a extrair o máximo de objetos do navio, sobretudo seus valiosos 64 canhões de bronze, o que foi feito com a ajuda de uma revolucionária cápsula em forma de sino, que retinha o ar e assim permitia aos mergulhadores trabalhar debaixo d´água.

Foi a primeira vez que aquela espécie de ancestral dos escafandros foi utilizada e quase todos os canhões foram removidos desta forma.

Mas, com o passar do tempo, o Vasa foi caindo no esquecimento. Até que, 300 anos depois, em 1956, um arqueólogo resolveu retomar a busca do navio no fundo da baía da capital sueca e o encontrou, ainda inteiro.

O fato gerou comoção em todo o país e alavancou um audacioso projeto de resgate do barco.

Mas, como tirar um navio de madeira de 69 metros de comprimento, afundado há três séculos há 30 metros de profundidade, sem destruí-lo?

Diversas propostas foram feitas, inclusive congelá-lo, já que o gelo flutua na água.

Outra alternativa previa enchê-lo com milhares de bolinhas cheias de ar, que, juntas, – quem sabe? – poderiam trazer o barco de volta à superfície.

Mas, no final, prevaleceu o método convencional: passar diversas cintas de aço por baixo do casco e erguê-las lentamente, com a ajuda de guindastes.

Dito assim parece fácil.

Mas foram precisos cinco anos de árduos trabalhos, até que, finalmente, em 24 de abril de 1961, o Vasa voltou a luz do dia, cercado de cuidados especiais, para não se desmantelar em contato com o ar de três séculos depois.

Do fundo do mar, o barco foi levado diretamente para um prédio especialmente construído para recebê-lo, e ali, depois de pouquíssimos trabalhos de restauração, já que o seu estado de conservação era estupendo, graças às águas geladas e com baixa salinidade do Báltico, que impediram a proliferação de fungos na madeira do casco, passou a ser permanentemente exposto no espetacular Museu Vasa, desde então a mais famosa atração turística da capital sueca.

Um final grandioso para uma história que começou como um enorme vexame.

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A caravela com um tesouro a bordo que foi parar no deserto

A caravela com um tesouro a bordo que foi parar no deserto

Em 1º de abril de 2008, quando vasculhavam o fundo de uma antiga lagoa que secara, por conta do recuo do mar, na costa da Namíbia, no litoral da África, geólogos da maior empresa de diamantes do mundo, a De Beers, encontraram algo bem mais valioso do que as pedras preciosas que buscavam.

Encontraram os restos soterrados de uma caravela portuguesa do século 16, contendo lingotes de cobre, presas de marfim e nada menos que 2 333 moedas de ouro.

E foram aquelas moedas que permitiram identificar a nau como sendo a caravela Bom Jesus, que partira de Lisboa, em 1533, rumo à Índia, levando bens que seriam trocados por mercadorias.

Mas a Bom Jesus não passou da costa africana.

Ali, ela afundou dentro de uma baía, que, mais tarde, por conta dos caprichos das marés, recuou até secar por completo, hoje dentro dos limites de uma das maiores e mais protegidas minas de diamantes do mundo – razão pela qual os restos da histórica caravela ficaram protegidos, seguros e intactos por quase cinco séculos.

Contribuiu, também, para a preservação da embarcação, o fato de, ao contrário do esperado, seus restos não estarem debaixo d´água e sim soterrados na areia seca do que se tornaria, com o recuo do mar, uma extensão do grande deserto da Namíbia, que avança até o litoral.

A areia quente e seca do deserto ajudou a preservar o barco soterrado, que só foi descoberto, acidentalmente, quando os geólogos a prospectar o solo, em busca de jazidas de diamantes.

Para ele, foi um achado tão surpreendente quanto curioso, já que não precisaram sequer molhar os pés para encontrar um barco naufragado.

Bastou cavar um pouco, para achar algo bem mais valioso do que diamantes.

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“Livro fantástico, mais que recomendado”
Márcio Bortolusso, documentarista e explorador

Foto: Reprodução ncultura.pt

 

Onde os navios vão para morrer: como é o maior cemitério de navios do mundo

Onde os navios vão para morrer: como é o maior cemitério de navios do mundo

A cada ano, em todo o mundo, cerca de 700 grandes navios, entre cargueiros, petroleiros, porta-conteinêres e ex-luxuosos transatlânticos de passageiros, são desativados, desmantelados e transformados em sucata.

Contudo, mais da metade deles acabam os seus dias num só lugar: uma pobre e lamacenta praia da Índia, chamada Alang, dona do maior desmanche naval do planeta – e que, por isso mesmo, é considerada o maior cemitério de navios do mundo.

Quase que diariamente, velhos navios chegam a Alang para serem desmanchados, reciclados e vendidos como ferro-velho – um serviço necessário e economicamente útil, não fosse a forma como ali isso é feito: manualmente, por milhares de trabalhadores quase escravizados, que ganham uma ninharia para demolirem navios inteiros apenas com as próprias mãos.

O que os pobres trabalhadores dos estaleiros de Alang fazem beira o inacreditável.

Dependendo do tamanho do navio, o prazo para ele desaparecer por completo varia entre um mês e um ano, devorado pelas ágeis mãos dos trabalhadores de Alang, que atuam feito formigas – isoladamente, cada um deles pouco ou nada poderia fazer frente a hercúlea tarefa de desmontar um navio inteiro, mas, juntos, operam um fenômeno.

Vão devorando o navio aos poucos, até que não sobra nada – só toneladas de placas e peças de aço.

O serviço começa com o encalhe proposital dos navios na praia.

Os estaleiros aproveitam as marés mais altas para arremessar os navios na direção da praia, até que eles encalhem no fundo raso e lamacento de Alang.

Quanto mais perto da areia ele ficar, mais fácil será o trabalho de desmanche, porque encurtará a distância que os trabalhadores terão que cumprir entre o barco e o depósito, trazendo, no braço, todas as partes desmontadas do navio.

Ainda assim, quando a maré baixa, os navios ficam encalhados a centenas de metros dos depósitos, e o caminho entre uma coisa e outra vira um penoso lamaçal que dificulta ainda mais a mobilidade dos trabalhadores.

Uma simples placa de aço de meia dúzia de metros quadrados pesa cerca de meia tonelada, mas, ainda assim, é carregada, nos ombros, por uma dezena de trabalhadores, chafurdando na lama, do navio até o depósito.

São como escravos. Um trabalho insano, pago com migalhas de rúpias indianas.

Na média, um trabalhador de Alang recebe o equivalente a menos de R$ 15,00 por dia, para 14 horas seguidas de trabalho.

Mesmo assim, sobram candidatos vindos de outras áreas da região da Índia, o que explica porque quase 90% da população de Alang é masculina.

Cerca de um terço deles são meninos, entre 15 e 17 anos de idade, que recebem menos ainda – embora trabalhem igual aos adultos.

As frouxas leis trabalhistas nos estaleiros de Alang sempre geraram, e continuam gerando, reclamações e protestos no mundo inteiro.

“Alang é um bom exemplo do que de pior a globalização pode trazer para a humanidade”, diz um defensor das questões trabalhistas do setor. “É para onde as nações desenvolvidas mandam o seu lixo, que, hipocritamente, julgam que irá ajudar os países mais pobres a se desenvolverem”.

Por conta da mão de obra baratíssima – e do fato de que praticamente tudo é feito, literalmente, a mão -, o desmanche de um navio em Alang chega a custar cem vezes menos do que na Europa, o que explica a quantidade de navios que são enviados para lá.

Um deles foi o lendário porta-aviões brasileiro Minas Gerais, durante décadas o maior e mais famoso navio do Brasil.

Tudo o que é retirado dos navios é vendido ali mesmo, o que torna as ruas de Alang uma interminável sucessão de ferros-velhos, visitados por compradores do mundo inteiro.

É um negócio que fomenta muito dinheiro, mas apenas para os donos dos estaleiros – os mesmos que não costumam permitir fotografar nem filmar os trabalhadores, para que não fique documentado a forma precária como eles trabalham.

Poucos usam luvas e capacetes e quase todos vestem sandálias de borracha, em vez de botas adequadas.

Os operadores de maçaricos, instrumento básico na atividade, passam o dia desviando das faíscas que pulam das chapas de aço, sem, muitas vezes, sequer óculos de proteção.

Em caso de acidente, algo tragicamente frequente em Alang, o hospital mais próximo fica a mais de 50 quilômetros de distância. E, quase sempre, não é possível socorrer o acidentado a tempo.

“Da maneira como é feito em Alang, o desmanche manual de navios é uma das atividades potencialmente mais perigosas do mundo”, garante um técnico da Ong NGO Shipbreaking Plataform, especializada nas questões trabalhistas e ambientais nos desmanches de navios.

O desmanche de navios em Alang começou em 1983, quando o governo indiano decidiu criar empregos para os trabalhadores pouco qualificados da região.

Mas, com a consequente exploração explícita dos trabalhadores pelos estaleiros, acabou se transformando em um problema social, que parece não ter solução.

Na praia, quando acabam os turnos dos trabalhadores, as poucas mulheres de Alang entram em ação e saem vasculhando a areia, em busca de sobras de peças e pedacinhos de aço soterrados.

Mas quase sempre acabam não levando nada para casa, porque a atividade é proibida e os guardas dos estaleiros confiscam tudo o que elas coletam.

A miséria e a exploração imperam em Alang. Em todos os aspectos.

E não é só a questão social que incomoda.

Da forma precária e primitiva como os desmanches de navios são feitos em Alang, os impactos ambientais também preocupam.

Antes de serem desmanchados, os navios não são devidamente descontaminados.

O máximo de cuidado que os estaleiros tomam é mandar os trabalhadores esvaziarem os tanques de combustível, a fim de evitar explosões quando forem acionados os maçaricos.

Com isso, vazamentos de resíduos na praia são comuns e os trabalhadores ainda têm que lidar com materiais tóxicos, como o amianto, comprovadamente causador de câncer, presente nos navios mais antigos.

Mas os resignados trabalhadores braçais de Alang não reclamam.

Todos os dias, de domingo a domingo, eles precisam ganhar o bastante para ter o que comer no dia seguinte, quando um novo navio chegará à praia para ser devorado por eles, com a mais rudimentar das ferramentas: as suas próprias mãos.

O mesmo acontece em estaleiros dos países vizinhos, Paquistão e Bangladesh, onde as condições de trabalho são igualmente desumanas.

Por isso, algumas empresas marítimas mais sérias, quando precisam desmanchar seus navios, recorrem a estaleiros de países do Primeiro Mundo, onde pelo menos isso não acontece.

Mas nem sempre conseguem, porque, às vezes, o próprio transporte do navio a ser demolido até lá pode gerar problemas.

Foi, por exemplo, o que aconteceu, no passado, com o encouraçado brasileiro São Paulo, da Marinha do Brasil, que desapareceu no meio do Atlântico quando estava sendo rebocado para um desmanche na Inglaterra – CLIQUE AQUI para ler esta história, que ilustra bem os riscos que os navios correm ao serem rebocados, e que faz parte do livro Histórias do Mar – 200 casos verídicos de façanhas, dramas, aventuras e odisseias nos oceanos.

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