O patético sequestro do ferry boat que acabou pior do que começou

O patético sequestro do ferry boat que acabou pior do que começou

Em Havana, capital de Cuba, os ferries boats que fazem a travessia para as localidades de Casablanca e Regla, do outro lado da baía, são tão precários quanto os velhos automóveis da década de 1950 que ainda circulam pela cidade – e, alguns deles, tão antigos quanto.

Ainda assim, na manhã de 2 de abril de 2003, um grupo de onze cubanos, sete homens e quatro mulheres, decidiram sequestrar uma daquelas toscas balsas e obrigar o seu comandante a desviar para a Florida, nos Estados Unidos, distante 90 milhas em mar aberto.

Munidos apenas com uma velha e enferrujada pistola e algumas facas de cozinha, os sequestradores, todos inexperientes e ansiosos por fugir do regime de Fidel Castro em busca do sonho americano de uma vida mais próspera e em liberdade, embarcaram no pequeno ferry boat Baragua, de pouco mais de 13 metros de comprimento, e, tão logo ele partiu do trapiche de Havana Vieja, avisaram a tripulação e os demais passageiros sobre o sequestro – algo que eles jamais haviam feito, nem sabiam ao certo como fazê-lo.

Mesmo perplexo com aquele ato inusitado, o comandante da balsa, Jose Rodrigues Sardinas, conseguiu avisar, pelo rádio, sobre o improvável sequestro, e a lenta balsa foi rapidamente alcançada por duas lanchas da Guarda Costeira Cubana, que passaram a segui-la, mar adentro.

Assustados com a chegada da polícia, os sequestradores, que tinham como líder Lorenzo Copello Castillo, o único a portar a tal arma de fogo, mas que já havia avisado aos companheiros que não a usaria, passaram a blefar, ameaçando atacar alguns passageiros – o que, no entanto, eles também já haviam combinado que não fariam.

A patética perseguição em câmera lenta, já que, por conta do mar grosso, a balsa não conseguia avançar a mais de meia dúzia de nós de velocidade, durou o dia inteiro.

Até que, quando aquele quase comboio atingiu um terço do caminho, a cerca de 30 milhas da costa de Cuba e a 60 milhas da ponta da Florida, mas já fora dos limites do mar territorial cubano, aconteceu o óbvio: acabou o combustível do ferry boat.

Com a parada dos motores, a balsa, de fundo chato, que não fora feita para navegar em mar aberto, ficou balançando ainda mais de um lado para outro, o que fez com que alguns passageiros, e até alguns sequestradores, começassem a sofrer de enjoo.

O desconforto, a falta de perspectiva de sair daquela situação e a impossibilidade de seguir viagem fizeram com que os sequestradores passassem a negociar com os policiais das duas lanchas, àquelas alturas já observadas, também a distância, por uma embarcação e um helicóptero da Guarda Costeira Americana, com agentes do FBI a bordo – que, no entanto, embora estivessem em águas internacionais, não podiam agir, já que a balsa era cubana e os policiais, também.

As negociações foram lentas e começaram com os sequestradores exigindo outro barco para seguir viagem. Os policiais negaram, mas acenaram com uma contraoferta: o reabastecimento da balsa com combustível, o que, no entanto, só poderia ser feito em terra firme.

Depois de muito discutirem entre si, os sequestradores ingenuamente aceitaram a proposta de serem rebocados de volta à Cuba, onde havia a promessa de a balsa ser reabastecida de combustível – o que, também obviamente, não aconteceu.

Ao chegarem ao porto de Mariel, em Havana, os sequestradores, que em momento algum haviam confinado ou imobilizado os passageiros, foram surpreendidos por alguns deles.

Duas mulheres, uma delas uma turista francesa, se atiraram ao mar, enquanto um dos passageiros, seguindo instruções gestuais que recebeu dos policiais que estavam no porto, se atracou com um dos sequestradores.

As inesperadas ações pegaram de surpresa os sequestradores, que ficaram sem saber o que fazer. Como o líder do grupo já havia dito que não usaria a arma de fogo, ainda que fosse para livrar o companheiro que estava sendo atacado, só restou ao restante do grupo se jogar também na água, onde se tornaram presas fáceis para a polícia.

Todos eles foram presos, e os passageiros e tripulante liberados, sem nenhum arranhão.

Quase dez anos depois do início da grande onda de cubanos tentando fugir do regime castrista e chegar aos Estados Unidos a bordo de qualquer coisa que flutuasse (câmaras de ar de pneus de caminhões, veículos anfíbios improvisados e até caçambas vazias de lixo), o bizarro sequestro de um ferry boat urbano rumo à Miami terminou sem nenhum disparo, nem consequências graves.

Mesmo assim, a reação do governo cubano, que, dias antes, havia sofrido dois sequestros de aviões rumo aos Estados Unidos (em um deles, metade das vítimas se recusou a voltar para Cuba) foi implacável, cruel e desmesurada, mesmo na opinião das vítimas.

Acusados de “gravíssimo ato de terrorismo”, embora nenhum ocupante da balsa tivesse sido ferido ou ameaçado de fato, os onze sequestradores foram fulminantemente encarcerados, julgados e condenados por um conselho presidido pelo próprio Fidel Castro, que decretou a pena de morte para três dos integrantes do grupo, incluindo o líder Copello Castillo – que foram executados no mesmo dia da sentença, sem direito a advogados nem recursos.

Outros quatro membros foram condenados à prisão perpetua, e as quatro mulheres, que apenas acompanhavam os sequestradores – entre elas, uma menina de apenas 17 anos de idade, que queria apenas fugir de Cuba -, sentenciadas a penas que variaram entre 2 e 30 anos de prisão – embora não tenham desempenhado papel alguma na ação.

E tudo isso aconteceu em uma semana após o fim do frustrado sequestro.

Familiares dos condenados sumariamente à morte sequer puderam se despedir deles. E quando foram avisados da execução, feita por um pelotão de fuzilamento, os três já haviam sido até enterrados.

O objetivo do governo cubano ao executar penas tão severas era deixar claro que não mais toleraria tentativas de fuga da ilha, muito menos através de sequestros, que, além de tudo, desmoralizavam mundialmente as forças policiais do país.

No caso do ferry boat Baragua, a ação policial cubana conseguiu ludibriar os sequestradores e impedir o sequestro.

Mas até as mais traumatizadas vítimas consideraram cruéis demais as penas aplicadas por Fidel.

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Sensacional! Difícil parar de ler”.
Amyr Klink, navegador

“Leitura rápida, que prende o leitor”.
Manoel Júnior, leitor


“Um achado! Devorei numa só tacada”.
Rondon de Castro, leitor

“Leiam. É muito bom!” 
André Cavallari, leitor

 

A passageira que jamais desembarcava

A passageira que jamais desembarcava

Até a metade do século 20, quando os aviões passaram a tomar o lugar dos navios, os transatlânticos eram bem mais do que simples meios de transporte para longas viagens.

Eram, também, oportunidades para seus privilegiados passageiros desfrutarem o glamour dos grandes cruzeiros. Um destes sofisticados navios de passageiros, talvez o mais grandioso dos anos pós guerra, foi o Caronia, um luxuoso transatlântico inglês, lançado em 1947 pela empresa Cunard, com a missão de atender a rota mais exigente da época, entre a Europa e os Estados Unidos.

Entre outros ineditismos, o Caronia foi o primeiro navio a oferecer uma piscina permanente, todas as acomodações eram de primeira classe, oferecia atendimento personalizado de um tripulante para cada passageiro, além de água quente nas torneiras e — supremo conforto — banheiros privativos em todas as cabines. O objetivo era que ele virasse uma extensão das mansões dos seus passageiros.

E pelo menos um deles levou isso ao pé da letra: a milionária americana Clara Macbeth, que decidiu morar no navio.

Solitária e muito rica, ela trocou seu luxuoso apartamento na Quinta Avenida, em Nova York, por uma suíte bem lado elevador do Caronia (outra quase novidade na época), através do qual subia diretamente ao restaurante, sem precisar sequer caminhar. Lá, sentava-se sempre a mesma mesa, e, em seguida, retornava a sua cabine. Raramente passeava pelo navio, que, no entanto, transformara em sua casa.

Mesmo assim, Miss Macbeth conhecia o Caronia melhor do que qualquer marinheiro, já que viveu nele por 15 longos e consecutivos anos, emendando um cruzeiro no outro, sem desembarcar em porto algum.

Foi a mais longa permanência de um passageiro em um navio que se tem notícia. Só com passagens, ela gastou cerca de 20 milhões de dólares, em dinheiro de hoje.

Miss Macbeth só retornava ao seu apartamento quando o Caronia era levado para o estaleiro, para manutenção e reparos. Mas, tão logo ele voltasse à água, ela reembarcava.

E sempre na mesma cabine e na mesma mesa no restaurante.

Estima-se que ela tenha dado o equivalente uma dúzia de voltas ao redor do mundo, sem sair do navio – e de ter somado mais horas de navegação do que os seus próprios comandantes do Caronia.

Não era mais considerada uma passageira. Era uma residente. A primeira do gênero. E, como tal, com direito a regalias, como um convite especial para o mais exclusivo cruzeiro que o Caronia realizou, em 1953, para a posse da Rainha Elizabeth, na Inglaterra – e nem assim ela desembarcou.

Mas tamanha fidelidade de uma passageira para lá de especial não foi suficiente para salvar o navio da bancarrota.

Nos anos de 1960, com a popularização dos aviões a jato, os transatlânticos perderam a primazia nos transportes de pessoas, a Cunard entrou em séria crise financeira e decidiu vender o Caronia. Mas isso só aconteceu depois que Miss Macbeth, já bastante doente, foi obrigada a abandonar a vida a bordo e voltar a viver em Nova York.

Uma década depois, o empresário americano que comprou o Caronia resolveu aposentá-lo de vez e pôs à venda, através de um leilão em Nova York, todo o mobiliário do navio.

Quem arrematou parte dos móveis foi um homem interessado em abrir um restaurante na cidade. Em 1974, o estabelecimento foi inaugurado na Quinta Avenida – bem em frente ao apartamento de Clara Macbeth.

Mas ela não chegou a frequentar o restaurante, nem testemunhou o triste fim do seu querido navio.

Poucos meses antes de o Caronia ser desmanchado, quando já havia até mudado de nome, Miss Macbeth embarcara em sua derradeira viagem, e não mais a bordo do navio que tanto amava.

Já a sua mesa, continuou lá, no restaurante, à sua espera.

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