Abandonado, navio histórico ameaça afundar no próprio porto de Santos
A novela na qual se transformou o destino do histórico navio Professor W. Besnard, considerado um ícone da oceanografia brasileira e pioneiro da presença do Brasil na Antártica, para onde viajou diversas vezes, ganhou mais um capítulo na última sexta-feira, quando agentes do Ibama e da Autoridade Portuária de Santos fizeram uma vistoria no navio, que está parado no porto há 12 anos, sem condições de navegar, e concluíram que algo precisa ser feito urgentemente para ele não afundar ali mesmo.
Os fiscais constataram que o casco do navio, hoje coberto de limo, musgo e ferrugem, está cheio de água e com algumas escotilhas quebradas perigosamente perto da linha d´água, ou seja, da superfície do mar.
“Se ele descer um pouco mais, por conta do peso da água que há dentro do casco, o mar invadirá o navio pelas escotilhas e ele afundará, gerando um problema também ambiental”, disse, na ocasião, a chefe do Ibama em Santos, Ana Angélica Alabarce, que participou da vistoria do navio.
“O que aconteceu foi que choveu demais há duas semanas e a água da chuva escorreu para o fundo do casco”, miniminiza o advogado Fernando Liberalli, único membro do Instituto do Mar, atual responsável pelo navio, desde que ele foi tombado pelo Patrimônio Histórico e impedido de ser afundado ou transformado em sucata.
“Além disso, vândalos invadiram o navio e andaram quebrando vidros de algumas escotilhas, permitindo assim que entre água do mar dentro do casco, com as ondulações geradas pelos navios que passam pelo porto”, acrescenta o advogado, que foi oficialmente notificado sobre a necessidade de fazer algo com urgência.
“Com a ajuda da Codesp, já providenciamos o bombeamento da água que está dentro do navio, e isso será feito ainda esta semana”, garante Liberalli. “Mas não há risco de o navio afundar totalmente, até porque o local onde ele está é tão raso que isso seria impossível”, explica.
Liberalli também alega que a pandemia do coronavirus e a burocracia atrapalharam o início dos trabalhos de recuperação do navio, que, segundo ele, começarão em breve. “O navio também ficou doente com a pandemia”, diz Liberalli, de 64 anos, que por fazer parte do grupo de risco, pela idade, também alega que teve que ficar temporariamente afastado do navio”.
Ele estima que só o trabalho de remoção da água que há dentro do casco custará cerca de R$ 300 mil.
“A Codesp irá fazer o trabalho e nós acertaremos isso com a empresa tão logo sejam liberados os recursos de um fundo retido que temos para recuperar o navio, e transformá-lo em um museu flutuante, o que sempre foi o nosso projeto”.
Mas a vistoria da semana passada avaliou que o casco do navio está começando a adernar e há risco de tombar, criando, com isso, além de um problema ambiental, também um obstáculo a navegação no porto.
Embora também creditando às fortes chuvas parte da água empoçada dentro do navio, a equipe de vistoria não descartou a hipótese de haver, ainda, alguma avaria no casco. “Não há nenhum laudo nesse sentido”, diz a chefe do Ibama na cidade.
Com quase 50 metros de comprimento, o navio Professor W. Besnard foi construído em 1966 e desativado 50 anos depois. Mas, desde então, virou protagonista de uma novela que parece não ter fim.
“O Professor W. Besnard não é um simples navio”, diz Liberalli. “É um monumento histórico, tanto que foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio do Estado de São Paulo. E é isso que estou tentando preservar”, defende o advogado, cuja ONG que preside não tem fins lucrativos.
O objetivo de Liberalli é transformar o navio, que navegou durante 23 anos fazendo pesquisas marinhas e foi o pioneiro das incursões brasileiras na Antártica, em um museu flutuante, permanentemente atracado em Santos.
“Nunca naveguei no Professor W. Besnard, mas tenho a maior admiração por este navio, que é lendário entre os cientistas brasileiros e histórico sob todos os aspectos”, diz Liberalli.
“O Brasil é um país sem memória, que não faz nenhuma questão de preservar o seu passado. Não quero que isso aconteça também com o Professor W. Besnard, que ainda pode ser salvo”, acrescenta.
Até ser praticamente esquecido no porto de Santos, o destino do navio pioneiro nas pesquisas marinhas brasileiras era igualmente sombrio: ou viraria sucata e vendido como ferro-velho, ou propositalmente afundado em Ilhabela, no litoral de São Paulo, para servir de atração submarina para mergulhadores.
Mas Liberalli interviu e, com o tombamento do navio, conseguiu que as duas hipóteses fossem descartadas.
Desde então, no entanto, o navio apodrece a céu aberto no porto de Santos, onde, agora, corre o risco de afundar de vez.
Não é, porém, a primeira vez que o Professor W. Besnard corre o risco de afundar.
No passado, quase 30 anos atrás, ele quase naufragou de verdade na volta de uma de suas expedições à Antártica, após perder o motor e ficar à deriva, com 37 pessoas a bordo, num tenso episódio que virou notícia em todo o pais (clique aqui e conheça também essa história).
Agora, o que se pretende é que isso, de novo, não aconteça.
“Mas é preciso agir rápido”, concordam os dois lados.
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