O dia que um barco chinês tentou afundar um pesqueiro brasileiro e ficou por isso mesmo

O dia que um barco chinês tentou afundar um pesqueiro brasileiro e ficou por isso mesmo

Na manhã de 22 de novembro do ano passado, quando pescava atuns a cerca de 600 quilômetros da costa do Rio Grande do Norte, já fora do limite de 200 milhas do mar territorial brasileiro, o barco pesqueiro potiguar Oceano Pesca I, conduzido pelo mestre João Batista dos Santos, detectou, pelo radar, o pesqueiro chinês Chang Rong 4 vindo na sua direção, em grande velocidade.

Ele, então, ficou monitorando a aproximação da outra embarcação. Quando o barco chinês se aproximou e não demonstrou nenhuma intenção de desviar, João Batista fez contato pelo rádio e ouviu como resposta, em português, apenas as palavras “Afundar! Afundar!”. O mestre potiguar avisou rapidamente os companheiros e pôs o seu barco em movimento, tentando evitar a colisão – que, mesmo assim, aconteceu.

A colisão só não provocou o naufrágio do barco brasileiro – e a previsível morte dos dez pescadores que havia a bordo – porque o Oceano Pesca estava em movimento, o que diminuiu a intensidade da pancada. E, também, porque a colisão aconteceu lateralmente e não no meio do casco, como, aparentemente, era o intuito do comandante do barco chinês.

Mesmo atingido, João Batista tratou de escapar e ficou dando voltas em torno do barco chinês, que, por ser bem maior, não tinha a mesma agilidade. A tripulação chinesa, no entanto, reagiu, atirando pedaços de ferro na direção do barco dos brasileiros. Eles, então, mudaram de estratégia e trataram de fugir, fazendo seguidas curvas para os dois lados, mas com os chineses sempre no encalço.

Apavorados, alguns tripulantes do Oceano Pesca I chegaram a ajoelhar no convés para pedir que os chineses os deixassem em paz. Mas não adiantou. A perseguição durou quase uma hora de puro terror.

Até que o barco chinês, finalmente, foi embora. E os pescadores brasileiros, assustados e com o barco danificado, voltaram à costa. “A gente pensou que ia morrer”, disse, ao desembarcar em Natal, o primeiro imediato do barco atacado, o pescador potiguar Carlos Derlano. “Eles queriam mesmo nos matar”.

Não foi a primeira vez que um barco estrangeiro de pesca profissional tentou intimidar pescadores brasileiros em alto-mar. Mas foi a primeira vez que chegaram às vias de fato.

Se o barco potiguar tivesse afundado, sua tripulação muito provavelmente teria morrido e ninguém jamais saberia o que aconteceu, porque o episódio aconteceu em águas internacionais, onde nenhum país possui soberania nem responsabilidade.

Mesmo assim, os pescadores brasileiros ficaram justificadamente indignados quando foram informados pela Marinha do Brasil de que nada podia ser feito contra o barco chinês, porque o fato aconteceu fora dos limites do mar territorial brasileiro – como se as águas internacionais fossem uma espécie de faroeste, onde qualquer um pode fazer o que quiser. Inclusive tentar afundar impunimente outros barcos.

“Será que ninguém liga para os cidadãos brasileiros quando eles estão fora do território brasileiro?”, questionou, na ocasião, o dono do barco, o empresário potiguar Everton Padilha. Mas, mesmo assim, não deu em nada.

O barco chinês não fui punido e os dez pescadores potiguares, mesmo assustados, voltaram para o mar tão logo o seu barco foi reparado.

Por trás daquele episódio que poderia ter terminado em tragédia há uma guerra de verdade: a guerra do atum, uma intensa – e tensa – competição entre barcos pesqueiros do mundo inteiro pelos grandes cardumes de atuns, peixe que, por isso mesmo, já está correndo sérios riscos de extinção.

Eram cardumes de atum que o pesqueiro brasileiro buscava no instante do confronto com o barco chinês, cujo objetivo era o mesmo. Ao detectar a presença de um grande cardume na região onde o barco brasileiro estava, os chineses partiram para o ataque, mesmo sabendo que, pelas regras internacionais, a prioridade era dos brasileiros, porque o Brasil era o país costeiro mais próximo daquele ponto do oceano. Mas isso de nada adiantou. O barco dos brasileiros foi atacado e abalroado do mesmo jeito.

Afinal, se um comandante chega ao ponto de decidir afundar propositalmente outro barco, por que iria respeitar simples regras escritas num pedaço de papel?

Não foi, no entanto, a primeira vez que a pesca serviu de estopim para momentos bem tensos no mar brasileiro.

Na década de 1960, a captura de lagosta no litoral do nordeste brasileiro gerou uma seríssima crise diplomática entre o Brasil e a França, que quase culminou em ações bélicas entre os dois países. O episódio, que ficou conhecido como a “Guerra da Lagosta”, pode ser conferido em outro post deste site.

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A linda praia do litoral do Rio de Janeiro onde ninguém pode entrar. Nem de barco

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No Brasil, por força de lei, todas as praias são públicas. Mas existe uma praia (na verdade, duas, embora unidas pela mesma faixa de areia) onde esta lei não se aplica: as lindas praias-siamesas do Leste e do Sul, no lado de fora da Ilha Grande, na Baía de Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro.

Nelas, ao contrário do que determina a lei, o acesso de qualquer pessoa é terminantemente proibido. Mas por um bom motivo: para mantê-las cem por cento do jeito que sempre foram.

As Praias de Leste e de Sul fazem parte de uma reserva biológica, a mais severa das classificações ambientais no Brasil e, por isso, não podem ser visitadas. Apenas biólogos, cientistas e pesquisadores têm permissão para frequentá-las, mesmo assim, mediante autorização do Inea – Instituto Nacional do Ambiente, responsável pelo Parque Estadual da Ilha Grande e, também, pela enorme área ainda totalmente virgem que a cerca – um dos últimos e maiores santuários de mata atlântica do litoral carioca.

Ao fundo das duas praias, ambas sempre desertas e sem viva alma por perto, porque o controle é feito por fiscais que ficam no vizinho povoado do Aventureiro, munidos de binóculos, há densas montanhas cobertas de mata e um sinuoso riozinho, com águas cor de Coca-Cola, fruto da decomposição de materiais naturais nas margens, que forma duas lagoas e avança até a areia da praia, dividindo-a em duas – de um lado, é chamada de Praia do Sul; do outro, Praia do Leste.

Entre uma praia e outra, há ainda uma caprichosa ilha. Juntas, elas somam mais seis quilômetros de extensão, com areias bem finas e brancas. É um dos cenários mais lindos da região de Angra dos Reis, onde fica a Ilha Grande. Mas ninguém pode conhecê-lo.

Nem mesmo de barco, porque até o trecho de mar que fica diante da praia também faz parte da reserva e, por isso, é proibido parar ou ancorar ali. Desembarcar, nem pensar.

“Reservas biológicas são sensíveis demais à presença humana e precisam ser preservadas intactas”, explica o responsável pela área, Tercius Barradas, que também é o chefe do Parque Estadual da Ilha Grande. “À princípio, as pessoas reclamam de não poderem conhecer as duas praias, mas depois que a gente explica o porquê disso, elas entendem e até nos ajudam”, diz Tercius, que hoje conta com a valiosa ajuda de voluntários para livrar as praias do Leste e do Sul do maior problema ambiental que ambas enfrentam: o lixo que chega pelo mar em quantidades cada vez maiores,

“Chega de tudo pelo mar”, ele lamenta. “Sobretudo cotonetes usados, que são ainda mais perigosos para a fauna marinha do que os canudinhos, porque são menores e mais fáceis de serem engolidos”, explica.

Para ajudar na tarefa de recolher tamanha quantidade de lixo trazido pelo mar, Tercius bolou uma estratégia, já que seria um absurdo colocar um trator dentro de uma reserva ecológica: passou a dar permissão de travessia pelas duas praias para os caminhantes que optam por dar volta na Ilha Grande a pé. Mas com a condição de eles retribuírem a gentileza coletando o lixo nas duas praias, feito um trabalho de formiguinhas.

Os autorizados precisam comprovar a coleta dos resíduos através de fotos e vídeos. “Eles ´pagam´ a travessia com lixo”, brinca Tercius, que, no entanto, explica que nem todos que pedem a autorização a conseguem, porque até o número dessas pessoas na praia é limitado.

O prêmio para os selecionados é poder pisar nas areias das duas praias mais fechadas – e preservadas – do litoral carioca, algo que pouquíssimas pessoas até hoje fizeram.

Isoladas na parte de acesso mais difícil da Ilha Grande, as lindas Praias do Leste e do Sul, de certa forma, sempre foram inacessíveis.

No passado, antes de virarem reserva biológica, chegaram a ser interditadas pelos militares por conta de um fato que, até hoje, gera histórias e polêmica entre os moradores mais velhos da Ilha Grande: o pouso forçado de um avião comercial na Praia do Sul, em 1958, que transportava ouro (segundo alguns) ou material radioativo (segundo outros), num episódio jamais devidamente esclarecido. E que pode ser conferido em outro post deste site.

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