Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião bombardeiro da Marinha Americana, com três tripulantes, o comandante Harold Dixon, de 42 anos, o operador de rádio Gene Aldrich, de 22, e o disparador Anthony Pastula, de 24, precisou fazer um pouso forçado no Pacífico após ficar sem combustível, por causa de um defeito na bússola, que os levou a perder contato com o porta-aviões USS Entreprise e voar para bem mais longe do que deveriam.

Era o dia 14 de janeiro de 1942. Começava ali uma dramática, mas heroica, luta pela sobrevivência no mar.

Seguindo o protocolo, antes que o avião afundasse, eles pegaram o pequeno bote que havia no aparelho, com pouco mais de dois metros de comprimento, e tentaram inflá-lo com o cilindro de ar-comprimido que acompanhava o equipamento. Mas o cilindro não funcionou.

Foram preciso diversas tentativas até que o equipamento passasse injetar algum ar dentro do bote, fazendo-o tomar a forma de um barco.

Mas, quando isso aconteceu, o avião já havia descido para as profundezas do oceano e eles tiveram que terminar o serviço boiando na água, o que tornou a tarefa ainda mais difícil.

A dificuldade em inflar o bote o fez flutuar emborcado, o que exigiu um par de horas e muito esforço dos três náufragos para reposicioná-lo na água.

Só depois de improvisar uma corda amarrando as próprias vestimentas umas às outras é que o trio conseguiu subir no bote. Que, no entanto, era pequeno demais para três homens.

Além disso, o bote também estava vazio. Não tinha nem água nem comida. Eles só tinham o que carregavam nos bolsos: um canivete, uma pistola e um pouco de munição. Restava torcer para um rápido resgate. Mas não foi o que aconteceu.

A primeira noite foi de agonia, porque não havia espaço para os três dormirem, e o bote, meio murcho, vertia água a todo instante. E continuaria assim dali em diante.

Na manhã do terceiro dia, pela primeira vez, eles se encheram de esperança, quando viram ao longe um avião.

Os três arrancaram as roupas e passaram a agitá-las freneticamente no ar. Em vão. O avião permaneceu distante até sumir no horizonte.

O trio, então, teve certeza que dificilmente haveria outra missão de resgate, porque três dias já haviam se passado e porque havia o risco de os aviões americanos serem identificados pelos inimigos japoneses, que estavam ali por perto.

Portanto, se quisessem sobreviver, eles agora teriam de contar apenas com eles próprios. E foi o que fizeram.

Também por conta dos japoneses, que dominavam as ilhas ao norte e oeste do ponto onde eles se encontravam, a primeira providência do comandante Dixon (que no bote assumiu ainda mais a função de líder do grupo) foi tentar dar um rumo para a precária embarcação, de forma que a correnteza não os levassem justamente na direção dos inimigos.

Mas como fazer isso, se eles não tinham sequer um remo?

A solução foi arrancar as solas das botas que calçavam e, com elas, improvisar uma espécie de remo, pouca coisa maior do que a palma da mão.

Com aquele insólito meio de propulsão e revezando-se em turnos, dia e noite, eles conseguiram dar alguma direção ao barco, no rumo sul, onde Dixon sabia existir ilhas esparsamente habitadas, mas, ao menos, livres dos japoneses.

Também improvisaram uma vela com um dos casacos, que era mantido aberto com as mãos, quando o vento soprava mais forte, enquanto outro casaco foi cortado, com o canivete, para gerar proteção para a cabeça contra o inclemente sol do Pacífico.

Na vastidão do oceano sem sombras, o sol era tão forte que o bote precisava ser molhado a todo instante, para que eles suportassem ficar dentro dele.

Mesmo assim, as queimaduras eram constantes, a pele grudava e era arrancada pelo tecido quase incandescente, gerando dores intensas no contato das feridas com a água salgada.

Além disso, havia o problema da fome e da sede.

Durante a primeira semana, eles nada comeram ou beberam.

Até que Dixon conseguiu acertar um albatroz, que voava baixo, com um disparo.

Apesar do tamanho avantajado, a ave tinha pouca carne. Mas seus restos serviram para atrair tubarões para perto do bote.

Aldrich se aproveitou disso para capturar, com outro disparo, um pequeno tubarão, que foi imediatamente puxado para o barco, antes que o sangue derramado na água despertasse o frenesi nos seus semelhantes, o que poderia significar o capotamento do bote e o triste fim para eles, em meio a feras alvoroçadas.

O pequeno tubarão foi retalhado com o canivete e devorado rapidamente. Até algumas sardinhas que jaziam no estômago do animal viraram comida para os três náufragos.

Depois disso, eles só voltariam a comer duas semanas depois, quando um coco apareceu boiando no mar – sinal inequívoco de que havia terra firme por perto.

Em compensação, choveu e eles puderam matar a sede e lavar as feridas causadas pelas queimaduras no barco.

Um mês depois do início daquele purgatório, o vento começou a aumentar de intensidade, empurrando vigorosamente o bote adiante.

As ondas também se elevaram, lançando a frágil embarcação para cima e para baixo.

Numa destas subidas até a crista das ondulações, o jovem Pastula esticou o pescoço e julgou ter visto “um campo de milho” no horizonte, comunicando isso ao chefe – que, no entanto, não o levou a sério, porque não havia como haver um milharal em pleno oceano.

E não havia mesmo. O que Pastula vira fora as copas de coqueiros do atol de Puka Puka, para onde os fortes ventos seguiram empurrando o frágil bote.

O desembarque na praia da pequena ilha aconteceu em 19 de fevereiro, 34 dias (e 450 milhas) depois de ter começado aquele pesadelo.

Na ilha, os três náufragos foram socorridos por nativos, que mesmo sem entender nada do que aqueles homens esqueléticos e seminus diziam, compreenderam a situação e os levaram para um abrigo.

Lá, os três desmaiaram de cansaço. Horas depois, acordaram assustados, com o vento uivando furiosamente lá fora.

Era um furacão que se aproximava – o mesmo que gerara os fortes ventos que os empurrara na direção daquela ilha.

Foi quando os três tiveram a certeza de que se tivessem ficado no mar mais um mísero dia, não teriam escapado.

Para eles, a salvação veio na hora certa.

Sete dias depois, Dixon, Aldrich e Pastula foram resgatados por uma unidade da Marinha americana.

E sete décadas após, já mortos, foram homenageados com o filme Against the Sun (“Contra o sol”, em português), numa referência a apenas um dos muitos sofrimentos que eles passaram naquele pequeno bote, hoje exposto na Academia Naval de Annapolis, nos Estados Unidos, onde arranca admirações e arrepios com a mesma intensidade.

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Foto: National Naval Aviation Museum

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