Na noite de Réveillon de 2014, a carioca Carina Seixas, então com 32 anos, parou para pensar nas promessas que faria para o ano que começava. Mas nada a atraía. Nem mesmo a recente decisão de largar o emprego de designer para montar um negócio próprio.

Foi quando ela se lembrou da paixão que nutria na infância pelo veleiro que seu pai tinha e teve a ideia de mudar radicalmente de vida. Pronto. Era isso que ela faria: iria morar num barco. E sozinha – coisa rara para uma mulher no Brasil.

Hoje, aos 36 anos de idade, já fazem quatro que Carina trocou um modesto apartamento na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, por um pequeno veleiro e não se arrepende. Nem se vê voltando a viver num apartamento.

“Morar num barco significa ter pouco espaço, ficar balançando quase o tempo todo e abrir mão de certos confortos, como, por exemplo, ter um guarda-roupa cheio de roupas, mas, no meu caso, tem valido muito a pena”, resume Carina, que hoje vive apenas do aluguel do apartamento onde antes morava. “Morar num barco não é apenas mudar de casa”, avalia. “É mudar de vida”.

O atual barco de Carina (no começo, ela teve outro, menor ainda), o Criloa, de 1975, tem pouco mais de dez metros de comprimento, um quarto, uma sala, um banheiro e uma cozinha. “Morar num barco ensina a gente a se tornar uma pessoa organizada, porque não há espaço nem para bagunça, muito menos para deixar louça suja na pia”, brinca. “É uma lição minimalista de vida”, diz.

“No barco, eu descobri que posso viver bem com bem pouco, desde que este pouco seja realmente valioso para mim. Também aprendi a dar valor a tudo o que tenho, mesmo que seja pouca coisa”, diz Carina, com uma fala sempre pausada, tranquila e reflexiva.

“Descobri, também, que sou uma boa companhia para mim mesmo, e não sinto falta nem da falsa sensação de segurança de ter um homem a bordo”, diz, a respeito do que mais chama a atenção das pessoas quando ela conta que mora sozinha num barco, na companhia apenas de uma cadelinha, a Abigail.

“As pessoas estranham, mas não existe nada de heroico no que eu faço. Até porque pouco navego”, explica Carina, que, depois de uma temporada na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, hoje “mora”, na Praia de Santa Teresa, em Ilhabela, no litoral de São Paulo, onde o seu barco está atualmente ancorado. “Meu veleiro é basicamente a minha casa, não um meio para sair viajando mundo afora, embora, com ele, eu também possa fazer isso”, analisa. E completa: “Quem sabe, um dia”.

“De vez em quando, gosto de mudar de ´endereço` e um barco facilita muito isso”, explica. “Também consigo `morar` em lugares legais, sem precisar pagar por isso. Mas, para mim, o melhor de tudo é a paz, a liberdade e a integração com a natureza que morar num barco permite. Foi a melhor resolução de ano-novo que eu poderia ter tido”.

Medo? Ela garante que não tem. “Me sinto segura no meu barco e sempre tenho um ou outro vizinho nos locais onde paro. E a gente se visita, convida o vizinho para um café, coisa que nunca fiz quando morava num apartamento no Rio”, exemplifica.

Solidão? Ela também jura que não sente. “Me dou bem comigo mesma e gosto de ficar sozinha. Mas, se um dia aparecer um namorado, ele será bem-vindo no barco”, brinca Carina, que preenche seu tempo lendo, fazendo (ela mesma) a manutenção básica do veleiro, passeando nas regiões onde ancora ou cozinhando, embora o seu barco não tenha nem geladeira.

“Não ter geladeira não é tão ruim assim, porque me obriga a consumir apenas alimentos frescos e sem desperdícios, porque não há como conservá-los”, explica. “Mas, quando dá vontade de comer algo diferente, eu desembarco e vou comer num dos restaurantes da ilha”, completa.

Apesar de seguir feliz com a vida que decidiu experimentar a partir daquele Réveillon de quatro anos atrás, Carina, que, de vez em quando, até participa de regatas com o seu barco, na companhia de amigas, prefere não fazer planos para o futuro. “Só acho que consigo mais voltar a trabalhar num escritório”, diz.

“Não sei se vou morar para sempre num veleiro, mas estou gostando muito de viver no mar, e isso, por enquanto, é o que importa para mim”, diz, repetindo o mesmo raciocínio de quase todo mundo que decidiu trocar uma casa por um barco, a fim de aproveitar a vida, ainda que com muito mais simplicidade.

 

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