Depois de um bom tempo navegando no mesmo barco, os velejadores costumam desenvolver tamanha sensibilidade que, mesmo ao dormir, continuam atentos às mínimas oscilações na performance do casco.
Foi o que salvou o neozelandês Ben Pester, durante uma travessia do Pacífico, entre os Estados Unidos e a sua terra natal, em 1953.
O mérito, no entanto, não coube a ele e sim ao seu companheiro de viagem, o americano Peter Fox, que, este sim, podia dizer que navegava até enquanto dormia.
Pester e Fox estavam apenas na metade da longa travessia entre Galápagos e as Ilhas Marquesas, mas tudo corria bem a bordo do Tern II, um antigo veleiro de madeira de 39 pés sem nenhum equipamento de navegação, algo comum naquela época.
O Tern II não tinha rádio, nenhum eletrônico, sequer balsa ou coletes salva-vidas. A navegação era feita com sextante e a medição da velocidade através de um arcaico sistema que consistia num longo cabo preso na popa do barco, com uma espécie de girador de metal na ponta, o Walker Patent Log.
Ao girar, impulsionado pelo movimento do casco, ele indicava a velocidade do barco. Nada mais primitivo. Embora eficiente.
Pester e Fox também ignoravam outros equipamentos pessoais, como, por exemplo, cintos de segurança, que impedem que os ocupantes de um barco caiam no mar.
Pois foi exatamente o que aconteceu com o neozelandês, enquanto Fox dormia na cabine, depois de ter feito o seu turno no leme e entregue o comando do barco ao parceiro.
Ao atender a um chamado da natureza, na popa do barco, Pester se desequilibrou quando o veleiro galgou uma ondulação mais forte e caiu na água.
Mas o Tern II seguiu avançando, levado pelo vento, indiferente ao fato de que não havia mais ninguém no seu comando.
Cair no mar de um barco em movimento é a pior coisa que pode acontecer a navegador solitário, como, naquele momento, Pester estava.
Sua primeira reação foi berrar pelo companheiro, mas o vento e as ondulações do oceano levaram sua voz para o outro lado.
Em seguida, ele tentou nadar na direção do barco, mas os bons ventos empurravam o veleiro a consistentes seis milhas por hora, como bem indicava o Walker Patent Log, que ele checara instantes antes de deixar o posto de comando para aquele desastrado tombo.
Sim, o cabo!
Foi quando Pester se lembrou daquela engenhoca que havia a reboque no barco.
Bastava, portanto, nadar apenas até ela, não até o casco.
]Ele, então, saiu dando vigorosas braçadas na direção da popa do Tern II, até ver a peça de metal girando na água, esticou o braço e agarrou o cabo, com toda a força que tinha.
O veleiro deu um pequeno tranco. Mas o bastante para o inconsciente de Fox, que descansava em estado de eterna vigília na cabine, detectar algo de irregular no avanço do barco.
Ele pulou da cama e correu para o lado de fora, onde viu o leme vazio e o companheiro firmemente agarrado ao cabo, sendo arrastado.
Ao voltar a bordo, o neozelandês abriu uma garrafa de rum. Ele tinha o que comemorar e a agradecer ao sexto sentido do amigo.
Gostou dessa história?
Ela faz parte do livro HISTÓRIAS DO MAR – 200 CASOS VERÍDICOS DE FAÇANHAS, DRAMAS, AVENTURAS E ODISSEIAS NOS OCEANOS, que por ser comprado clicando aqui, por R$ 55,00, com envio grátis
O mistério do Joyita
Na manhã de 3 de outubro de 1955, o Joyita, um ex-iate de luxo transformado em barco cargueiro, partiu do porto de Apia, capital de Samoa, no Pacífico Sul, com destino ao arquipélago de Tokelau, distante cerca de 270 milhas náuticas. Levava 25 pessoas e um...
O mistério do velejador que saiu para testar um piloto automático e nunca mais voltou
No início da tarde de 15 de janeiro de 2023, um domingo de sol, o velejador Edison Gloeden, mais conhecido como “Alemão”, dono de boa experiência em navegação, saiu sozinho com seu barco, um veleiro Brasilia de 32 pés, batizado “Sufoco”, da marina onde ficava...
A insana disputa pela travessia do Atlântico com o menor barco possível
Na segunda metade da década de 1960, o americano Hugo Vihlen, então um piloto de aviões da empresa Delta Airlines, decidiu que iria atravessar o oceano Atlântico com um minúsculo barco que ele mesmo construíra: o April Fool, que tinha apenas 6 pés (ou 1,82 m) de...
O marinheiro clandestino que entrou de gaiato numa fria
No final de 1914, Perce Blackborow era um jovem marinheiro, de 18 anos de idade, cujo barco no qual trabalhava havia acabado de afundar, na costa do Uruguai, sem maiores consequências aos seus tripulantes. Na capital uruguaia, enquanto aguardava a chegada de outros...
A ilha que nunca existiu
Dez anos atrás, em novembro de 2012, o barco australiano de pesquisas R/V Southern Surveyor fazia um estudo sobre placas tectônicas entre a costa leste da Austrália e a Nova Caledônia, quando um detalhe chamou a atenção dos cientistas a bordo. Embora os mapas do...
A grande trapaça na maior das regatas
Em maio de 1967, o velejador inglês Francis Chichester virou ídolo na Inglaterra ao completar a primeira circum-navegação do planeta velejando em solitário, com apenas uma escala. O feito, até então inédito, animou os velejadores a tentar superá-lo, fazendo a mesma...