Em 1913, o presidente do Brasil era o Marechal Hermes da Fonseca e a princesa Isabel ainda estava viva, bem como Santos Dumont, que mal havia acabado de inventar o avião. A Europa estava à beira de uma grande guerra mundial (a Primeira, não a Segunda, que só começaria 30 anos depois), e o naufrágio do Titanic, poucos meses antes, ainda estava fresco nas manchetes dos jornais. 106 anos atrás, os dirigíveis ainda voavam. E este barco já navegava.
O vapor Benjamim Guimarães, mais velho barco movido a vapor com sistema de propulsão com pás de madeira do mundo, construído em 1913, no estado americano do Mississipi, e que, desde 1920, virou o mais ilustre habitante da cidade mineira de Pirapora, nas margens do Rio São Francisco, é uma testemunha viva da História. Mas está em vias de morrer também.
Há cinco anos, desde que parou de parou de navegar por determinação da Marinha, o Benjamim Guimarães definha no porto de cidade mineira de Pirapora, às margens do Velho Chico, onde sempre foi a principal atração turística e histórica do município.
“Ele não tem mais nenhuma condição de navegar”, lamenta o vice-prefeito da cidade, Orlando Pereira. “Seu casco está totalmente comprometido e as madeiras, podres. Precisa de uma reforma urgente, mas o governo do estado, que deveria ter liberado verba para isso, não o fez. E nem sei se irá fazer”.
Esta é a segunda vez que o velho vapor se vê abandonado e entregue à própria sorte. A primeira foi em 1986, quando ficou duas décadas apodrecendo ao relento, até que a prefeitura de Pirapora conseguiu evitar o pior e o restaurou a tempo.
Em seguida, o Benjamim Guimarães foi transformado em “Patrimônio Histórico” – o primeiro barco brasileiro a receber tal honraria. E foi justamente aí que começaram os seus problemas, porque, sendo “Patrimônio Histórico”, qualquer intervenção no barco passou a depender de intermináveis projetos e procedimentos burocráticos, sem contar que a verba para isso precisa vir do governo de Minas Gerais, que, como se sabe, está quebrado.
“O antigo governador havia prometido recursos para o Iepha – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais coordenar a restauração do barco, mas deixou o cargo sem fazer isso”, diz o vice-prefeito Orlando. “E nem se tivesse esse dinheiro o nosso município poderia fazer a reforma, porque, como o barco foi tombado, só o Iepha agora pode cuidar dele”.
Há outros barcos movidos a vapor mais antigos que o Benjamim Guimarães no mundo. Como o Skibladner, de 1854, que ainda navega na Suécia, o Adelaide, de 1866, o Tudor Kladimirescu, de 1867, e o SL Nuneham, de 1898 – todos, portanto, ainda do século 19.
Mas nenhum com as mesmas características do vapor mineiro. A começar pela principal delas: a roda de pás (ainda de madeira) na popa (e não na lateral), como nos vapores originais do Rio Mississipi. Lá, por sinal, outro barco da mesma época e tipo, o Belle of Louisville, ainda navega no próprio rio que virou sinônimo desse tipo de barco, mas ele é de 1914, um ano depois do Benjamim Guimarães, que também veio de lá.
Para os ribeirinhos do Rio São Francisco no trecho entre Minas Gerais e Bahia, o Benjamim Guimarães é muito mais que um simples barco – é uma espécie de membro da família, porque, um dia, todos os seus antecedentes viajaram ou dependeram dele.
No passado, o “Vapor”, como o barco é carinhosamente chamado até hoje, era o único elo de ligação da região com o resto do mundo. “Sair ou chegar, só quando o Benjamim aportar”, era a máxima do lugar.
Em Pirapora, não há casa que não tenha uma foto do Benjamim Guimarães na parede e o orgulho pelo barco está estampado até no brasão da cidade, que ostenta uma âncora, embora fique em pleno sertão de Minas Gerais – que, como se sabe, não tem mar. “O Benjamim é um barco com alma”, dizem os moradores mais antigos da cidade.
Até 2014, o velho vapor ainda fazia passeios curtos nos arredores de Pirapora, navegando da maneira original, ou seja, queimando lenha nas caldeiras em vez de combustível nos tanques, ao contrário dos demais “vapores” que restaram no mundo, (no próprio Rio Mississipi, inclusive), todos já convertidos para motores a diesel.
Quando em movimento, seu timão exigia a força de dois homens, os comandos de acelerar ou reduzir a velocidade eram passados ao operador da casa de máquinas por meio de uma engenhoca pré-histórica chamada “telégrafo” (que tinha esse nome porque tocava um sino todas as vezes que um ponteiro apontava a nova ordem), e o caldeirista precisa ficar alimentando a fornalha o tempo todo, com pesadas toras de madeira.
Era um trabalho duro e braçal. Mas ninguém reclamava. Pelo contrário, toda a tripulação sentia imenso orgulho em fazê-lo, porque sabiam que eram os últimos guardiões de uma arte prestes a sumir do mapa.
Na água, quando em movimento, só se ouvia o “rom-rom-rom” da grande pá de madeira girando lentamente sobre o rio e o “shhhh” do vapor saindo pelos orifícios do casco, feito uma Maria-Fumaça náutica.
A velocidade não passava dos 15 km/h – mas quem haveria de ter pressa numa viagem de volta no tempo?. Na água, o Benjamim Guimarães parecia respirar. Mas, agora, ele não respira mais.
Seu estado foi ficando tão precário que a Capitania dos Portos do Rio São Francisco proibiu o transporte de passageiros, cinco anos atrás.
Desde então, o vapor está parado na margem do rio, com a ferrugem corroendo seu casco e o capim do barranco praticamente envolvendo o barco. “É uma lástima”, resume o vice-prefeito de Pirapora. “Não há outro igual no mundo”.
Sob o ponto de vista histórico, o vapor de Minas Gerais só encontra paralelo em pouquíssimas embarcações mundo afora, mas todas já foram parar em museus.
Já o velho e histórico Benjamim Guimarães apodrece e céu aberto.
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