Em dezembro de 2018, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte, então com 51 anos, precisou desistir da inédita travessia que vinha fazendo do Oceano Pacífico a nado por um problema que não teve nada a ver com sua capacidade para encarar aquele desafio monumental: seu barco de apoio quebrou e a travessia teve que ser abortada, quando ele já havia cumprido dois terços do caminho entre o Japão e a costa oeste americana, e se aproximava do Havaí.

Na ocasião, apesar da decepção, o nadador não saiu da água totalmente frustrado, porque um novo projeto brotara em sua mente justamente enquanto ele nadava: voltar a nadar no Pacífico, mas numa área específica: a da maior concentração de lixo plástico do mundo, que fica entre o Havaí e o continente americano.

“Enquanto eu nadava, vi tanto plástico no mar que conclui que a melhor maneira de ajudar a chamar a atenção das pessoas para a gravidade desse problema seria atravessar o maior lixão oceânico do planeta nadando”, disse o nadador, ao apresentar o seu novo projeto.

E foi o que Lecomte fez.

Em 14 de junho do ano passado, ele partiu do mesmo ponto onde terminara precipitadamente sua épica jornada anterior, com o objetivo de atravessar a nado a área que é tida como a de maior concentração de lixo e resíduos plásticos de todos os mares do mundo.

Lecomte quis sentir o problema, literalmente, na pele.

“Cansei de esbarrar em coisas plásticas na superfície e ver grandes emaranhados de redes de pesca abandonados no meio do mar”, contou Lecomte ao dar por encerrada a bisonha travessia, que foi acompanhada de perto pelo veleiro Icebreaker, com dez voluntários a bordo.

“Nossa missão não era recolher o lixo, porque para isso seriam necessários gigantescos navios, mas sim apenas tentar mensurar o problema, através de medições da quantidade de micropartículas de plásticos a cada captura que fazíamos com uma espécie de rede que levamos no barco”, explicou o nadador.

Entre outros absurdos, Lecomte encontrou milhares de escovas de dente e palitos de cotonete usados no meio do oceano, incontáveis tampinhas de garrafas, um cesto de lavanderia coberto de cracas (sinal de que estava no mar há muitos anos), diversas boias desgarradas e uma centena de redes de pesca abandonadas, as chamadas “redes fantasmas”, que, mesmo desativadas, continuam capturando peixes e demais seres marinhos para sempre.

Logo no primeiro dia, quando Lecomte ainda nadava em águas havaianas, a captura de amostra da água revelou 95 partículas de microplásticos em apenas meia hora de coleta, número que, depois, subiria para perto de 500 partículas, na parte mais crítica do chamado “Lixão do Pacífico”.

Segundo pesquisadores, a cada ano, cerca de oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar no Oceano Pacífico, levados pelos rios, que, por sua vez, recebem lixo urbano.

E o que é visto boiando na superfície representa apenas 1% disso.

“99% dos resíduos plásticos que poluem os mares estão submersos ou transformados em micropartículas, que se tornam fatais para os seres marinhos ao serem ingeridas”, diz o cientista ambiental Markus Eriksen. “O que vemos na superfície é só a pontinha do iceberg”.

Dados ainda mais catastróficos estimam que, atualmente, já exista perto de dois trilhões de artefatos de lixo plástico nos oceanos, ou 250 unidades para cada habitante do planeta.

A razão pela qual essa monumental quantidade de plástico se concentra naquele ponto específico do Pacífico tem a ver com as correntes marítimas.

Naquele ponto do maior oceano do planeta, diversas correntes se encontram e ficam dando voltas sem parar, o que é chamado de Giro do Pacífico, uma espécie de corrente marítima circular.

Por conta dessa característica, aquela parte do Pacífico virou uma espécie de ralo, concentrando a sujeira do oceano, sobretudo o plástico, que leva décadas para começar a se degradar na água.

Uma garrafa de plástico lançada ao mar na costa da Califórnia irá chegar ao litoral do Japão, do outro lado do Pacífico, num prazo estimado entre três e cinco anos. E após outro período igual a esse, retornará ao mesmo ponto, dando início a um novo giro. E assim indefinidamente.

Por ficar eternamente girando no oceano, o ciclo do lixo no Pacífico jamais termina. E o plástico, que compõe a grande maioria dele, praticamente também não. “O plástico foi feito para desafiar a natureza”, lamenta um ambientalista da equipe de Lecomte.

Esta perversa característica das correntes marítimas da região foi descoberta, por acaso, em 1990, quando um navio deixou cair um container com 65 000 pares de tênis no meio do Pacífico.

Embora o container tenha espalhado sua carga no mar, nenhum tênis jamais chegou à costa, por conta das correntes circulares. E estima-se que muitos deles estão lá até hoje.

Segundo a oceanógrafa Sarak Royer, da Universidade do Havaí, plásticos que foram parar no mar quando do início da popularização deste material, na década de 1950, ainda seguem boiando no Pacífico ou (o que é pior) transformados em micropartículas, com efeito letal para os seres marinhos.

“É como se o ar que respiramos estivesse impregnado de partículas toxicas”, compara a oceanógrafa. “É isso o que a humanidade está fazendo com os peixes, baleias e tartarugas, ao permitir que o lixo plástico chegue ao mar”.

“Na travessia a nado, coletamos dados para a criação do primeiro levantamento realmente prático da poluição marinha causada pelo plástico no maior lixão dos mares”, explicou Lecomte, que já tinha no currículo outras façanhas, como a travessia do Atlântico também a nado, em 1998.

Na ocasião, contudo, seu feito foi bastante questionado, porque, enquanto ele descansava no barco de apoio, a embarcação seguia navegando, o que não mais aconteceu na tentativa de travessia do Pacífico – que, por fim, acabou se transformou em uma mistura de aventura com experimento científico.

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