Mesmo em tempos de Whatsapp e internet, o hábito de deixar mensagens para outros barcos em pontos específicos dos sete mares permanece – como uma espécie de lembrança nostálgica dos tempos em que nem havia correios.

O endereço mais famoso do mundo onde esta antiquíssima tradição marítima é mantida é um pequeno bar na ilha portuguesa de Horta, nos Açores, no meio do oceano Atlântico: o Peter´s Café Sport.

Desde que foi criado, 101 anos atrás, em 1918, o Peter´s Café Sport recebe regularmente a visita de navegantes que fazem a travessia do Atlântico, seja para relaxar, papear, conhecer o famoso lugar ou deixar um recado para algum outro barco que também esteja a caminho de lá, mantendo assim a tradição das mensagens náuticas, que trouxeram fama mundial aquele simplório bar.

O Peter´s Café Sport não passa de um boteco com não mais que 20 mesas de madeira, decorado com flâmulas e bandeiras de barcos de todas as nacionalidades nas paredes, em frente à principal marina dos Açores, ilhas portuguesas que fazem parte da rota habitual de nove em cada dez barcos de passeio que atravessam o Atlântico.

Também é conhecido como “Bar do Peter”, embora (e aqui vai a segunda peculiaridade deste bar realmente sui-generis…) não tenha “Peter” algum ali. O dono chama-se José, e o avô dele, que criou o bar chamava-se Henrique.

“Peter era o nome do filho de um comandante inglês que frequentava o bar do meu avô desde o princípio”, explica o herdeiro José. “Como ele achava o meu pai, que também se chamava José, parecido com o menino, passou a chamá-lo assim. E como meu pai não contestava o nome errado, “Peter” virou uma espécie de apelido, que meu avô resolveu usar para batizar o bar”, diz José, que mantém todas as tradições do local – a começar pelo nome aparentemente sem sentido.

Agora, José já está em vias de passar o negócio para um dos filhos, que, este sim, chama-se Pedro – Peter, em inglês.

Quando isso acontecer, será a quarta geração da família no comando do bar mais náutico do planeta, que hoje é a principal atração turística da ilha. Na parte de cima do bar funciona um pequeno museu dedicado a outra velha tradição do mar, esta já extinta: o scrimshaw, ou a arte de gravar e esculpir figuras em dentes de cachalotes, uma lembrança da época em que os Açores eram um dos principais pontos de caça de baleias do Atlântico. “Hoje, em vez de caçá-los, nós levamos nossos clientes para ver os cachalotes bem de pertinho, aqui na ilha”, diz José, que resolveu expandir os negócios do bar vendendo passeios para avistar baleias.

Para os navegadores, no entanto, o “Bar do Peter” é bem mais do que um simples boteco a beira-mar para sentar e papear. É, também, um eficiente ponto de apoio para buscar conserto para qualquer problema no barco, encontrar tripulantes dispostos a ajudar na travessia do oceano e, acima de tudo, mesmo hoje, em pleno século 21, um insólito posto de correio, que recebe e entrega cartas e mensagens de um barco para outro.

“Sempre fizemos isso e seguimos fazendo”, diz José, que mantém uma caixa de madeira repleta de cartas atrás do balcão – algumas delas de anos atrás. “Todas as semanas, chegam navegantes para buscar ou deixar mensagens para outros barcos. É uma tradição, mas continua sendo uma forma de comunicação para quem está no mar há muito tempo”, explica, orgulhoso da sua função.

Mas, o que hoje mais acontece é que, quem deixou a mensagem, em seguida mande um email ou Whatsapp para o destinatário, avisando sobre a carta deixada no Peter´s Café. “Hoje, todo mundo faz isso”, admite José, que, no passado, chegou a pensar em abrir uma filial do famoso bar na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. Mas desistiu.

A tradição de deixar mensagens para outros barcos em certos pontos dos sete mares remonta à época das caravelas e foi muito usada durante a era das grandes navegações e da descoberta e colonização de novas terras – os barcos que iam deixavam correspondências para serem levadas de volta ao porto pelos que retornavam.

No Peter´s Café Sport isso ainda permanece.

 

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