Você se enfia numa escotilha pouco maior do que uma privada, olha para baixo e vê um apertado tubo vertical, que desce a perder de vista e mais parece um poço. Pelo menos, a altura é de um poço de verdade: 15 metros, o mesmo que um prédio de cinco andares.
A escadinha também não ajuda muito. É estreita, não permite dobrar as pernas e os ombros vão raspando nas laterais do cilindro de aço. Um ser mais rechonchudo certamente entalaria. Um mais medroso, nem tentaria. Ao descer, a impressão é que se você soltar as mãos da escadinha, que mais parece coisa de alpinista, despencará lá embaixo – e cairá mesmo.
Vencido o primeiro desafio, vem outro: a claustrofobia. Um submarino é um tubulão de aço tão hermeticamente fechado quanto um cofre. E tão apertado quanto um ônibus lotado. A bordo, não há espaço sobrando para nada. Tudo é compactamente encaixado e todos os espaços são milimetricamente aproveitados.
Também para economizar espaço, quase tudo a bordo tem mais de uma função. A mesa de refeições vira maca, se necessário, já que o refeitório é, também, enfermaria. Nem seria tão estranho assim se o ambiente não ficasse bem aos lados dos torpedos – sim, torpedos, porque todo submarino é, acima de tudo, uma nave de guerra. Mesmo que não exista combate algum à vista.
Submarinos são as embarcações menos conhecidas pelas pessoas, no mundo inteiro. A começar pelo fato de que foram feitos justamente para não serem vistos.
Mesmo assim são considerados “barcos” (ou “navios”, como preferem chamar os seus tripulantes), embora feitos para afundar em vez de flutuar. Só quando um submarino desaparece debaixo d´água é que ele começa, de fato, a cumprir o seu papel de navegar escondido. É uma máquina assustadora e fascinante, ao mesmo tempo.
– Quando vamos afundar? – fui logo perguntando ao comandante, tão logo embarquei.
– Espero que nunca – ele respondeu, enigmático.
É que a pergunta foi formulada errada. Submarinos não “afundam” – eles “submergem”. Quando um submarino “afunda”, é o fim. Como qualquer barco.
Foi minha primeira lição a bordo. A segunda é que, dentro de um submarino, tudo é tão apertado quanto a tal escadinha de acesso às entranhas daquele monstro fechado de aço.
Como os espaços são pra lá de acanhados, os esbarrões a bordo são inevitáveis, o que implica em permanentes pedidos de desculpas, especialmente quando a vítima é o comandante, que ali não tem como manter o habitual distanciamento dos seus subordinados – em um submarino não há espaço sequer para muita hierarquia.
Para complicar ainda mais a locomoção interna, as paredes são revestidas com um mar de válvulas, registros, manômetros e tubos salientes, capazes de dilacerar ombros e canelas de qualquer tripulante mais estabanado.
Há válvulas e registros em profusão até ao lado do vaso sanitário – um só para todo o submarino, por sinal, embora ele abrigue mais de 30 homens, muitas vezes por dias a fio. Não existe convivência mais intensa e estreita. Literalmente.
O piso (convés?) fica sobre nada menos que 480 baterias elétricas, cada uma com meia tonelada de peso, que são as responsáveis pela movimentação do hélice – sim um submarino é um barco elétrico, embora também possua motor a diesel, mas apenas para recarregar as próprias baterias.
Quando é preciso ligá-lo, o submarino sobe e lança uma espécie de tubo na superfície, por onde saem os gases do escapamento. Outro tubo, chamado de ”snorkel”, é responsável por sugar ar fresco lá de fora para renovar o oxigênio a bordo. De tempos em tempos, é preciso fazer as duas coisas. Mas nem para isso ele precisa emergir.
Submarinos existem desde o final do século 19 (o primeiro da Marinha do Brasil foi de 1910!), mas são raramente vistos, por razões óbvias. Na América do Sul, o Brasil tem a maior frota: apenas seis, incluindo o que Riachuelo, que foi lançado recentemente e ainda nem navegou.
Por isso, a súbita aparição no mar de um submarino é sempre um misto de susto e surpresa – como um monstro marinho que emerge das profundezas. Ou uma espécie de nave às avessas, que vem do fundo do mar em vez do espaço. Ninguém fica indiferente frente a um submarino.
Por isso, quase ninguém sabe nada sobre estes incríveis ”navios”, feitos para navegar onde nenhum barco convencional gostaria de estar – debaixo d´água. Eu era um deles.
Enquanto era assolado por dúvidas mundanas (será que no fundo do mar pega celular?; será que eu deveria ter vestido máscara e pé de pato?; e se alguém soltar um pum lá dentro?), fui descendo a tal escadinha, até que pisei num corredor igualmente apertado, que era a síntese do próprio submarino, o Tupi, um dos mais veteranos da Marinha Brasileira – porque, a bordo, não existe muito mais do que aquele simples corredor.
Uma vez dentro dele, tanto faz se há sol ou chuva na superfície, se é dia ou noite, se a região é feia ou bonita ou se o mar está bom ou ruim. A bordo, o ambiente nunca muda. É tranquilo, silencioso e sem visibilidade alguma.
Quem está dentro de um submarino não enxerga nada do mundo exterior, porque, afinal, não existem janelinhas. Só o periscópio que, por sinal, é sensacional. Você ficaria surpreso com o extraordinário alcance daquele pirolitinho na superfície do mar. Dá para ver até a cor da camisa dos pescadores num barco a quilômetros de distância.
Mesmo assim, a pilotagem de um submarino é sempre feita apenas por instrumentos, como um avião em dia de mau tempo. Aliás, a analogia com os aviões é pertinente, porque embora transitem num ambiente diametralmente oposto ao das aeronaves, os submarinos estão muito mais próximos da concepção de um Boeing do que um navio convencional.
Tem, por exemplo, manche (ou joystick) em vez de timão, necessidade de controlar também o “movimento vertical”, que nenhum navio exige, e, se alguém enjoar, tampouco dá para ir lá fora “tomar um ar fresco”.
Diante do piloto (que, num submarino, é chamado de “piloto” mesmo) há uma tela que vai exibindo, em números, o rumo a seguir, informação que é passada, também, em voz alta, de um tripulante para outro, com dois detalhes: todas as ordens são repetidas duas vezes (“Emergir!”, “Emergir!”, por exemplo) e quem as recebe repete uma vez mais (“Emergir!”), para deixar claro que entendeu o comando.
A navegação também é acompanhada à moda antiga, com lápis, réguas e compassos, riscados sobre uma carta náutica em papel, para o caso de alguma pane elétrica nos instrumentos de navegação.
Precisão é tudo em um submarino. Segurança, também. Ninguém a bordo confia apenas na tecnologia. A atmosfera na sala de comando é de filme de 007, com homens monitorando os instrumentos a todo o instante, sob alarmantes luzes vermelhas iluminando o ambiente. Você se sente como num filme de ação. Ou de terror, para os claustrofóbicos.
Depois de visitar a tal sala de comando (que é apenas uma extensão do tal corredor que sintetiza o barco inteiro, caminhei (meia dúzia de passos, não mais que isso) até a “praça de armas”, como é chamada a única área “social” de um submarino – que, por sua vez, não passa de um cubículo com a tal mesa-maca ao lado dos torpedos.
Ali, naquele dia, dois marinheiros relaxavam assistindo a um filme na televisão, enquanto aguardavam os seus turnos de trabalho. Ao lado, outro dormia num beliche quase nada mais largo do que ele próprio. E, da cozinha, vinha um cheiro gostoso de comida feita na hora. Ou seja, um ambiente tipicamente familiar. Só que 20 metros debaixo d´água.
É uma sensação esquisita saber que você está debaixo d´água e que ela está, o tempo todo, tentando entrar onde você está. Eu tentava não pensar muito nisso, determinado a desembarcar tão seco quando quanto embarquei naquele submarino, porque, se isso acontecesse, era um sinal inequívoco de que o passeio fora bem-sucedido.
Até que vi um marinheiro passar, um tanto apressado, com um balde nas mãos. “Êpa!”, pensei. Seria um vazamento? Um furo no casco? Uma escotilha mal fechada (sim, já aconteceu no passado e com um submarino da própria Marinha do Brasil, que afundou pateticamente junto ao cais, por uma falha no sistema hidráulico – clique aqui para ler esta história também).
Mas não era nada disso. Era apenas o chuveiro do banheiro que pingava. Respirei aliviado. Mas só até concluir que, para sair dali, teria que vencer os mesmos 15 metros de altura daquela escadinha suicida que tive que enfrentar na chegada. E, de novo, foi uma experiência sinistra.
Voltar ao mundo real da superfície foi a pior parte daquele passeio, de resto, inesquecível.
Foto: Mozart Latorre
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