No início de 2018, três jovens inexperientes velejadores brasileiros (o gaúcho Daniel Guerra e os baianos Rodrigo e Daniel Dantas, que apesar da mesma origem e sobrenome não eram parentes) responderam ao anúncio de uma empresa de transporte de barcos que buscava marinheiros para ajudar a conduzir um veleiro inglês de 72 pés de comprimento, o Rich Harvest, do Brasil para a Europa.
Junto com os candidatos, iriam um comandante e o próprio dono do barco, o inglês George Saul, mais conhecido pelo apelido “Fox” (“Raposa”, em português).
Mas, na última hora, fazendo jus ao apelido, Fox traiçoeiramente caiu fora e não fez a viagem.
Coube, então, apenas aos quatro tripulantes conduzir o barco de volta à Europa, com uma quantidade inédita de cocaína pura escondida no fundo do casco, cuja existência, no entanto, eles desconheciam – algo fácil de compreender quando se conhecem alguns aspectos desta sórdida história.
Tudo começou dois anos antes, em maio de 2016, quando o Rich Harvest foi levado pelo próprio dono do barco para um estaleiro em Salvador, para reformas.
A obra incluiu a construção de um grande reservatório no fundo do casco, que, segundo ele, serviria para armazenar mais combustível.
Quando a obra ficou pronta, Foz navegou com o barco até a costa do Espírito Santo e ali, secretamente, abasteceu o tal tanque extra do barco – que ficava debaixo até das camas, com um alçapão secreto e tapado com cimento – com exatos 1 157 quilos de cocaína, acondicionados em 1 063 pacotes e avaliados em mais de R$ 800 milhões.
Na mesma época, como parte do plano de transportar aquela quantidade de droga para a Europa sem se envolver na história, Fox publicou o anúncio na internet, recrutando velejadores.
Daniel Guerra e os baianos Rodrigo e Daniel se candidataram na hora.
Eles queriam ganhar experiência em navegação, somar milhas náuticas no currículo e realizar o sonho de atravessar o Atlântico com um barco.
Os três foram rapidamente aceitos e contratados, embora não fosse receber nenhum centavo – o “pagamento” seria a própria viagem.
Mais tarde, Fox contratou também o francês Oliver Thomas para comandar o barco na travessia até a Europa.
Logo após a partida de Salvador, durante uma escala em Natal, a ingênua tripulação do Rich Harvest (composta pelo capitão frencês e os três barsileiros – alegando compromissos na Europa, Fox pegou um avião e foi embora antes disso) recebeu a visita da Polícia Federal, que foi averiguar uma denúncia de que havia drogas escondidas no barco.
Durante uma manhã inteira, os agentes, com a ajuda de um cão farejador, vasculharam o interior do veleiro.
Mas nada encontraram.
Os brasileiros, que haviam ficado assustados com aquela vistoria, respiraram aliviados.
Se nem a polícia encontrara nada de errado no barco, não havia por que ficarem preocupados.
E seguiram viagem, rumo ao outro lado do Atlântico, com uma verdadeira fortuna em cocaína escondida bem debaixo dos seus pés.
Mas, devido ao péssimo estado do barco, um modelo tão grande quanto antigo, a travessia do Atlântico foi uma pavorosa sucessão de problemas mecânicos no velho veleiro, cujo nome, escolhido por Fox, tinha a ver com o seu propósito: Rich Harvest, ou “Colheita Rica”, em português..
O motor esfumaçava a cabine inteira, o gerador não ligava e até o telefone via satélite logo parou de funcionar.
Com o veleiro se desmantelando, 18 dias depois de partirem do Brasil, ao constatar que estava em vias de perder também o leme, o comandante francês resolveu ignorar as instruções do dono do barco para que não fizessem nenhuma parada no caminho e decidiu fazer uma escala não prevista em Cabo Verde, a fim de tentar reparar o barco.
Ali, tal qual ocorrera em Natal, a polícia de Cabo Verde também fora informada de que havia drogas escondidas no veleiro recém-chegado e, desta vez, as encontrou de fato.
O comandante francês e o brasileiro Daniel Guerra, que estavam no veleiro no instante de chegada da polícia, foram presos na hora, por tráfico internacional de entorpecentes.
Os outros dois brasileiros, logo depois, pelo mesmo motivo.
Todos os quatro foram unânimes em afirmar que não sabiam da droga escondida e que haviam sido enganados pelo inglês Fox – que simplesmente sumiu do mapa.
Meses depois, os três brasileiros e o francês foram julgados e condenados, em um julgamento repleto de absurdos.
A começar pelo fato de que o juiz não quis ouvir as testemunhas de defesa dos brasileiros, ignorou o inquérito da Polícia Federal Brasileira que inocentava os quatro rapazes, e não reconheceu a responsabilidade do dono do barco no episódio.
Eles, então, foram encarcerados.
É certo que os jovens brasileiros foram ingênuos em continuar a bordo de um barco sabidamente investigado por tráfico de drogas, sobretudo depois de seu proprietário ter dado no pé. Faltou sagacidade para intuir que algo não cheirava bem naquela história, a despeito da irresistível vontade dos três em fazer a travessia do Atlântico.
Também foram imprudentes ao embarcar num barco em estado claramente precário – com o veleiro naquele estado, se não fossem presos e impedidos de seguir viagem, talvez nem sobrevivessem àquela desastrosa travessia. Ou seja, os brasileiros incorreram em muitos erros, alguns deles próprios da imaturidade. Mas sempre afirmaram total inocência.
Por reconhecer isso, logo em seguida, a Polícia Federal Brasileira pediu a captura internacional do dono do barco e seus sócios. Robert Delbos, um deles, foi preso dias depois, na Espanha – onde, no momento, aguarda a extradição para o Brasil. E Fox em seguida, na Itália – mas este não chegou a ser extraditado. Uma bobeada da Justiça brasileira, que deixou vencer o prazo da prisão temporária, devolveu a liberdade ao inglês. Que, no entanto, agora está sendo novamente procurado.
O final desta história ainda não existe. E enquanto aguardam a análise de um recurso que pede um novo julgamento, os três brasileiros seguem amargando infelizes dias na cadeia, agora vítimas de outro malfeitor: o sistema de Justiça de Cabo Verde.
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