No Brasil, por força de lei, todas as praias são públicas. Mas existe uma praia (na verdade, duas, embora unidas pela mesma faixa de areia) onde esta lei não se aplica: as lindas praias-siamesas do Leste e do Sul, no lado de fora da Ilha Grande, na Baía de Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro.
Nelas, ao contrário do que determina a lei, o acesso de qualquer pessoa é terminantemente proibido. Mas por um bom motivo: para mantê-las cem por cento do jeito que sempre foram.
As Praias de Leste e de Sul fazem parte de uma reserva biológica, a mais severa das classificações ambientais no Brasil e, por isso, não podem ser visitadas. Apenas biólogos, cientistas e pesquisadores têm permissão para frequentá-las, mesmo assim, mediante autorização do Inea – Instituto Nacional do Ambiente, responsável pelo Parque Estadual da Ilha Grande e, também, pela enorme área ainda totalmente virgem que a cerca – um dos últimos e maiores santuários de mata atlântica do litoral carioca.
Ao fundo das duas praias, ambas sempre desertas e sem viva alma por perto, porque o controle é feito por fiscais que ficam no vizinho povoado do Aventureiro, munidos de binóculos, há densas montanhas cobertas de mata e um sinuoso riozinho, com águas cor de Coca-Cola, fruto da decomposição de materiais naturais nas margens, que forma duas lagoas e avança até a areia da praia, dividindo-a em duas – de um lado, é chamada de Praia do Sul; do outro, Praia do Leste.
Entre uma praia e outra, há ainda uma caprichosa ilha. Juntas, elas somam mais seis quilômetros de extensão, com areias bem finas e brancas. É um dos cenários mais lindos da região de Angra dos Reis, onde fica a Ilha Grande. Mas ninguém pode conhecê-lo.
Nem mesmo de barco, porque até o trecho de mar que fica diante da praia também faz parte da reserva e, por isso, é proibido parar ou ancorar ali. Desembarcar, nem pensar.
“Reservas biológicas são sensíveis demais à presença humana e precisam ser preservadas intactas”, explica o responsável pela área, Tercius Barradas, que também é o chefe do Parque Estadual da Ilha Grande. “À princípio, as pessoas reclamam de não poderem conhecer as duas praias, mas depois que a gente explica o porquê disso, elas entendem e até nos ajudam”, diz Tercius, que hoje conta com a valiosa ajuda de voluntários para livrar as praias do Leste e do Sul do maior problema ambiental que ambas enfrentam: o lixo que chega pelo mar em quantidades cada vez maiores,
“Chega de tudo pelo mar”, ele lamenta. “Sobretudo cotonetes usados, que são ainda mais perigosos para a fauna marinha do que os canudinhos, porque são menores e mais fáceis de serem engolidos”, explica.
Para ajudar na tarefa de recolher tamanha quantidade de lixo trazido pelo mar, Tercius bolou uma estratégia, já que seria um absurdo colocar um trator dentro de uma reserva ecológica: passou a dar permissão de travessia pelas duas praias para os caminhantes que optam por dar volta na Ilha Grande a pé. Mas com a condição de eles retribuírem a gentileza coletando o lixo nas duas praias, feito um trabalho de formiguinhas.
Os autorizados precisam comprovar a coleta dos resíduos através de fotos e vídeos. “Eles ´pagam´ a travessia com lixo”, brinca Tercius, que, no entanto, explica que nem todos que pedem a autorização a conseguem, porque até o número dessas pessoas na praia é limitado.
O prêmio para os selecionados é poder pisar nas areias das duas praias mais fechadas – e preservadas – do litoral carioca, algo que pouquíssimas pessoas até hoje fizeram.
Isoladas na parte de acesso mais difícil da Ilha Grande, as lindas Praias do Leste e do Sul, de certa forma, sempre foram inacessíveis.
No passado, antes de virarem reserva biológica, chegaram a ser interditadas pelos militares por conta de um fato que, até hoje, gera histórias e polêmica entre os moradores mais velhos da Ilha Grande: o pouso forçado de um avião comercial na Praia do Sul, em 1958, que transportava ouro (segundo alguns) ou material radioativo (segundo outros), num episódio jamais devidamente esclarecido. E que pode ser conferido em outro post deste site.
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