Há 15 anos, o curitibano Marcos Juliano Ofenbock, de 42 anos, vasculha incessantemente uma história: a de que um pirata de verdade – “o último dos grandes piratas”, segundo ele – teria vivido e morrido em Curitiba, depois de participar de um dos maiores saques da História da América do Sul: o ataque a um barco espanhol que transportava riquezas extraídas do Peru, antes da independência daquele país, em 1821, mais conhecido como o Tesouro de Lima.

O tal pirata teria participado daquele ataque, junto com dois comparsas, ajudado a esconder a valiosa carga na (hoje brasileira) ilha de Trindade, a cerca de 1 000 quilômetros da costa do Espírito Santo, mas, depois, fora obrigado a se exilar, anônimo, nos arredores de uma remota vila, que, mais tarde, viraria a capital do Paraná.

Fantasioso demais para ser verdade?

Não é o que pensa o curitibano Marcos Juliano, que, de tanto acreditar nisso, acabou se transformando em um obstinado pesquisador de uma das mais famosas lendas da capital paranaense.

“Após tudo o que pesquisei e encontrei, não tenho a menor dúvida de que aquele pirata existiu mesmo, bem como o tal tesouro, que está na ilha de Trindade até hoje”, garante com absoluta convicção o pesquisador, que acaba de publicar um livro a respeito – não por acaso chamado A verdadeira ilha do tesouro.

“Já nem ligo mais de ser chamado de maluco, porque falar sobre tesouros é como defender discos voadores. Mas tenho provas documentais de que tanto o pirata quanto o que ele escondeu naquela ilha não são ficção”, diz Marcos, que é formando em economia, mas, desde 2004, dedica boa parte do seu tempo a destrinchar a improvável história de um pirata inglês que teria se exilado em Curitiba após enterrar um tesouro nunca descoberto numa esquecida ilha brasileira.

E ele vai além: garante, também, que foi esta história que teria inspirado o lendário escritor escocês Robert Louis Stevenson a escrever a sua obra clássica A ilha do tesouro.

Segundo Marcos Juliano, o pirata curitibano teria sido um inglês que se auto apelidara “Zulmiro” (seu nome real ainda não foi comprovado, embora ele sustente ser Francis Holder, que, aqui no Brasil, fora enterrado no cemitério de Curitiba como João Francisco Inglez), e ele fora parar na capital do Paraná após ser ter sido deixado por um amigo na Baía de Paranaguá, para que escapasse da forca pela morte de um oficial da Marinha Inglesa, anos antes.

De lá, o pirata teria se embrenhado na mata até chegar à minúscula Curitiba do século 19, onde se estabeleceu numa área afastada. Ali, segundo Marcos, Zulmiro viveu até morrer, em 1889, aos 90 anos.

“Quem o descobriu foi outro inglês, Edward Young, que se tornou amigo de Zulmiro, mas prometeu não contar nada sobre a história do ex-pirata, até que ele morresse. Quando isso aconteceu, Edward passou a enviar cartas aos jornais falando sobre o tesouro, mas acabou sendo assassinado no Rio de Janeiro, por ladrões que invadiram sua casa em busca do mapa que ele dizia ter recebido de Zulmiro”, conta Marcos, empolgado com a história, que ele jura ser verdadeira, e capaz de provar isso.

“Se eu não tivesse encontrado o registro do sepultamento do pirata Zulmiro num cemitério de Curitiba também duvidaria”, diz o pesquisador, que, por conta disso, passou a ser conhecido como o Indiana Jones da capital paranaense.

“Já a referência ao tesouro vem de duas fontes diferentes, ao mesmo tempo: as confidências de Zulmiro ao amigo, e as declarações que um marinheiro russo, comparsa dele naquele butim, deu a um oficial inglês na Índia, em 1850, antes de morrer. Isso gerou quatro expedições inglesas a Trindade, em busca do tesouro, que não foi encontrado, porque houve um desmoronamento na ilha. Não foi uma simples coincidência”, garante.

Para chegar a estas conclusões, Marcos Juliano já dedicou uma década e meia às pesquisas.

“Perdi a conta de quantas madrugadas passei em claro, pesquisando jornais de dois séculos atrás no acervo digital da Biblioteca Nacional. E tudo batia: as datas, as cartas, os nomes dos envolvidos. Foi como uma investigação policial, mas ainda não terminou. Agora, vou atrás dos descendentes do Zulmiro aqui no Brasil, porque acabo de descobrir que ele teve quatro filhos com uma escrava que adotou como esposa, em Curitiba. Pelos meus cálculos, devem existir tataranetos dele, com o mesmo sobrenome que pirata foi enterrado: Inglez”.

Segundo Marcos, embora o sepultamento conste nos registros do cemitério, os restos do corpo do pirata não existem mais. “Ossos muito antigos foram recolhidos e se perderam no tempo. Mas, agora, com as minhas pesquisas, a prefeitura está pensando em construir um pequeno monumento no cemitério em homenagem ao Zulmiro, que pode ser tornar o principal personagem histórico de Curitiba”, diz, entusiasmado, o pesquisador.

Na onda das conclusões do pesquisador e aproveitando o fascínio que as histórias de tesouros despertam nas pessoas, um restaurante de Curitiba inaugurou, duas semanas atrás, uma pequena exposição com réplicas dos documentos garimpados por Marcos, que, por precaução, já registrou a marca “Pirata Zulmiro” para diversos produtos – de camisetas a cervejas.

“Até a Disney já manifestou interesse na história, que não seria apenas de um improvável pirata em Curitiba, mas também o último a morrer no mundo, e que, anda por cima, deixou um tesouro ainda por ser descoberto”, vibra Marcos, que pretende, ele próprio, no futuro, liderar uma nova expedição à ilha da Trindade, em busca de novas evidências do tesouro soterrado.

“O desmoronamento que houve em parte da ilha soterrou justamente o local indicado pelo Zulmiro”, lamenta. “Só por isso o Tesouro de Lima ainda não foi encontrado”, assegura. “Mas novas tecnologias podem facilitar isso”,

Marcos também garante que, se um dia o tesouro for encontrado, “irá inteiro para um museu, porque é assim que manda a legislação”. E completa: “Para mim, o verdadeiro tesouro é o resgate e a comprovação desta história surpreendente e magnífica, que já me fez passar por maluco um milhão de vezes”.

A história do esconderijo secreto do lendário Tesouro de Lima, que existiu de fato, foi saqueado e jamais encontrado, já atiçou a imaginação – e a ação – de alguns aventureiros, no passado.

Um deles, talvez o mais perseverante, foi o belga radicado no Brasil Paul Thiry, que passou 40 anos vasculhando uma área primitiva de Ilhabela, no litoral do São Paulo, e que morreu sem encontrar nada, exceto intrigantes marcos entalhados em pedras, cuja história pode ser conferida aqui.

“O Thiry estava correto sobre o tesouro, mas procurou na ilha errada”, garante Marcos Juliano, “Ele não acreditou na existência do Zulmiro, e isso comprometeu suas pesquisas. Agora, com as minhas buscas, a lenda mais famosa de Curitiba deixou de ser uma simples ficção para virar fato: houve, sim, um pirata na cidade e ele deixou mesmo um tesouro em Trindade”, garante o resiliente pesquisador.

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