Nos últimos dias de novembro de 2004, uma esquadra da Marinha do Brasil partiu do Rio de Janeiro para mais um treinamento e exercício de tiro com um de seus navios. A manobra, feita periodicamente, era necessária para treinar os marinheiros para ações de combate e também para calibrar os canhões e equipamentos.
O destino, como de hábito, foi o esquecido Arquipélago de Alcatrazes, um conglomerado de ilhas selvagens dominada por uma grande ilha com um pico de mais de 300 metros de altura, a cerca de 45 quilômetros do Litoral Norte de São Paulo.
O arquipélago, mais especificamente uma reentrância da ilha principal, chamada Saco do Funil, ornamentado com alguns alvos pintados na encosta, vinha sendo usado pela corporação para aquele tipo de atividade há quase 30 anos, desde que os altos custos das viagens inviabilizaram a manutenção dos exercícios de tiro em locais apropriados para isso.
Até então, os exercícios eram feitos em áreas específicas na ilha de Porto Rico, no Caribe, o que tornava excessivamente caros os deslocamentos dos navios até lá.
Em busca de uma alternativa mais econômica em nossas próprias águas, a Marinha, depois de descartar a ilha de Fernando de Noronha e o arquipélago de Abrolhos, optou por Alcatrazes, que, além de não ser habitado, ficava relativamente perto da principal base da esquadra, no Rio de Janeiro.
Desde o começo, contudo, os disparos, além de assustar e afugentar as aves marinhas que viviam em enorme quantidade na ilha principal, incomodaram os ambientalistas, que, no entanto, nada podiam fazer, a não ser protestar.
A cada treinamento, eram disparados centenas de projéteis, que deixavam marcas tanto na vegetação quando no comportamento da fauna e das aves naquela parte da principal ilha de Alcatrazes. Os estampidos podiam ser ouvidos a distância, embora, durante as manobras, a navegação em toda a região ficasse proibida.
Preocupados, alguns precursores do ambientalismo no Brasil começaram a visitar o arquipélago nos intervalos dos exercícios, a fim de avaliar a extensão dos danos causados pelos disparos. Eles, no entanto, reconheciam que a presença da Marinha na região ajudava, de certa forma, na própria preservação do arquipélago, pois impedia a aproximação de outros barcos.
Em 1998, os ambientalistas chegaram a organizar um protesto, com apoio do Greenpeace, sobre um dos alvos pintados na rocha da ilha, pouco antes de mais um exercício de tiro.
Mas o máximo que conseguiram foi interromper a atividade por algum tempo. Logo, os disparos voltaram.
Até que veio aquele derradeiro exercício de tiro, no início de dezembro de 2004.
As manobras duraram cinco dias, com centenas de disparos contra os alvos pintados na ilha. Como era um simples exercício, os projéteis eram recheados com areia, em vez de explosivos, já que o objetivo era apenas avaliar a pontaria.
Mesmo assim, o choque dos projéteis com as rochas da ilha produzia estragos e, não raro, fagulhas. E foi após um desses atritos que começou a brotar uma fumacinha na vegetação da ilha. E ela logo virou um incêndio de proporções inéditas.
Durante dias a fio, alimentado pelo vento constante, o fogo ardeu sem controle em toda a parte Norte da principal ilha de Alcatrazes. Uma densa coluna negra de fumaça subia às alturas e podia ser vista até das praias do Litoral Norte de São Paulo, a quase 50 quilômetros de distância.
Quando, finalmente, o fogo foi debelado, cerca de 20 hectares de mata da ilha haviam sido queimados – e muitos dos seus habitantes, sobretudo espécies que só existiam ali, como a cobra jararaca-de-alcatrazes e pequenas rãs da espécie cycloramphus, sido mortos.
O episódio, que a Marinha classificou como um “incidente”, foi a gota d´água para os ambientalistas agirem de vez, em favor da preservação do arquipélago.
Um velho projeto de transformação do arquipélago em Parque Nacional Marinho saiu da gaveta, ao mesmo tempo em que os responsáveis pela Estação Ecológica Tupinambás, a quem cabe, até hoje, gerenciar o meio ambiente na parte do litoral brasileiro que fica entre São Paulo e Rio de Janeiro, iniciaram negociações com a Marinha, para interromper a artilharia em Alcatrazes.
Depois de muito ouvir e de sofrer pressões até da própria Justiça, a corporação decidiu suspender temporariamente os exercícios de tiro na ilha.
Mas só oficializou isso quase dez anos depois, em 2013, após concordar em ceder a parte da ilha que lhe cabia para a Estacão Ecológica, mas mediante uma condição: a de transferir os exercícios de tiro para a quase vizinha Ilha da Sapata, também dentro do arquipélago, mas bem menor e muito mais pobre em vida animal e vegetal do que a ilha principal.
O que, pelo menos no papel, a Marinha do Brasil tem o direito de fazer até hoje.
Foto: Marinha do Brasil
O mistério do Joyita
Na manhã de 3 de outubro de 1955, o Joyita, um ex-iate de luxo transformado em barco cargueiro, partiu do porto de Apia, capital de Samoa, no Pacífico Sul, com destino ao arquipélago de Tokelau, distante cerca de 270 milhas náuticas. Levava 25 pessoas e um...
O mistério do velejador que saiu para testar um piloto automático e nunca mais voltou
No início da tarde de 15 de janeiro de 2023, um domingo de sol, o velejador Edison Gloeden, mais conhecido como “Alemão”, dono de boa experiência em navegação, saiu sozinho com seu barco, um veleiro Brasilia de 32 pés, batizado “Sufoco”, da marina onde ficava...
A insana disputa pela travessia do Atlântico com o menor barco possível
Na segunda metade da década de 1960, o americano Hugo Vihlen, então um piloto de aviões da empresa Delta Airlines, decidiu que iria atravessar o oceano Atlântico com um minúsculo barco que ele mesmo construíra: o April Fool, que tinha apenas 6 pés (ou 1,82 m) de...
O marinheiro clandestino que entrou de gaiato numa fria
No final de 1914, Perce Blackborow era um jovem marinheiro, de 18 anos de idade, cujo barco no qual trabalhava havia acabado de afundar, na costa do Uruguai, sem maiores consequências aos seus tripulantes. Na capital uruguaia, enquanto aguardava a chegada de outros...
A ilha que nunca existiu
Dez anos atrás, em novembro de 2012, o barco australiano de pesquisas R/V Southern Surveyor fazia um estudo sobre placas tectônicas entre a costa leste da Austrália e a Nova Caledônia, quando um detalhe chamou a atenção dos cientistas a bordo. Embora os mapas do...
A grande trapaça na maior das regatas
Em maio de 1967, o velejador inglês Francis Chichester virou ídolo na Inglaterra ao completar a primeira circum-navegação do planeta velejando em solitário, com apenas uma escala. O feito, até então inédito, animou os velejadores a tentar superá-lo, fazendo a mesma...