Acima de tudo, o velejador argentino Vito Dumas foi um sujeito ousado. Entre 1942 e 1943, ele fez, sozinho, a primeira circum-navegação do planeta pelo paralelo 40 graus Sul, uma faixa oceânica abaixo de todos os continentes (exceto a Antártica) e dominada por temperaturas cruéis, mar sempre grosso e ventos tão violentos que ganharam o apelido (dado por ele próprio, por sinal) de “40 Bramadores” – porque “rugem” dia e noite. Um roteiro, até então, considerado impossível. Mas não para Vito Dumas.

Ele gastou 272 dias para cumprir aquela duríssima travessia, sobretudo porque o seu barco, o Lehg, iniciais de “Lucha, Entereza, Hombría e Grandeza” (“Luta, Integridade, Masculinidade e Grandeza”, em português), valores que precisou mesmo ter para completar a viagem, era tão espartano que não tinha sequer motor nem tanque para armazenar água doce. Quando sentia sede, Dumas bebia água da chuva. Quando chovia. O argentino tampouco tinha trajes apropriados para aquele frio intenso e permanente. Para se aquecer, forrava as roupas com folhas de jornal. E, antes disso, só havia feito uma única travessia, já que sua entrada no mundo náutico aconteceu por puro acaso.

Dumas era um nadador de longos percursos, quando, em 1931, decidiu atravessar o Canal da Mancha a nado. Mas, vencido pelo cansaço, desistiu antes de chegar à outra margem. Envergonhado, decidiu que não voltaria para a Argentina de cabeça baixa. Comprou, então, um veleiro ali mesmo e, embora nada soubesse sobre barcos e navegação, resolveu retornar velejando, o que significava atravessar nada menos que o Atlântico – o que fez em seguida. Quando chegou a Buenos Aires, Dumas já tinha tomado gosto em definitivo pelo mar e não mais pararia de navegar – mas sempre de maneira bem precária e pouco planejada.

Dois anos depois da sua ousada mas bem-sucedida volta ao mundo, Dumas partiu para uma nova jornada em solitário, a bordo do mesmo barco. Desta vez, resolveu ir de Buenos Aires a Nova York. Mas, como insistia em não ter motor no barco (porque dizia que, para um veleiro, bastavam os ventos), não conseguiu penetrar no Rio Hudson, que banha a cidade, por causa da forte correnteza contrária.

Ele, no entanto, não se abateu. Ali mesmo, deu meia volta e tomou outro rumo, cruzando nada menos que Atlântico, até os Açores — onde também não conseguiu aportar, por conta da alternância de calmarias e ventos contrários. Do meio do oceano, aproou, então, de volta a América do Sul e foi dar na costa do Ceará, depois de mais de 100 dias no mar.

Dumas foi um navegador nato, que, na água, se sentia em casa. Morreu em 1965, aos 65 anos, quando já era um herói na Argentina e uma lenda náutica mundial. Dos quatro livros que escreveu, um deles em especial, Os Quarenta Bramadores, sobre aquela épica travessia nos confins do mundo, inspirou vários navegadores a tentar repetir o seu feito. Mas poucos conseguiram, o que só fez aumentar sua fama, que perdura até hoje.

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