A recente decisão de uma juíza americana de permitir que a empresa dona dos direitos de resgate de objetos do naufrágio mais famoso da História, a RMS Titanic Inc,, remova o aparelho de rádio do lendário transatlântico que afundou 108 anos atrás acaba de desencadear uma nova e intensa polêmica.
Inconformados com a sentença da juíza federal Rebecca Smith, que, pela primeira vez, autorizou a penetração nos restos do navio e a remoção de um objeto de dentro dele, arqueólogos, parentes das vítimas, entidades preservacionistas e o próprio governo dos Estados Unidos se uniram contra a medida.
“Os escombros do Titanic são protegidos como bens culturais por convenções internacionais e não podem ser violados”, diz o advogado Kent Porter, que defende o governo americano e autor de um recurso que acaba de ser feito contra a decisão da juíza. “Isso só poderia ser feito com a aprovação do Secretário de Comércio dos Estados Unidos”, alega o advogado.
Já os arqueólogos defendem outros pontos bem mais relevantes do que meros procedimentos jurídicos para condenar a operação de retirada do aparelho de rádio do navio, afundado na madrugada de 15 de abril de 1912, depois de colidir com um iceberg, no Atlântico Norte.
“O mundo já sabe tudo o que precisa saber sobre aquele tipo de rádio, bem como o conteúdo das mensagens com os pedidos de socorro que foram enviados durante o naufrágio. Então, a única motivação para o resgate do aparelho seria o interesse comercial, para exibir o rádio como atração turística, e, mais tarde, vendê-lo para algum colecionador de raridades”, diz um especialista em arqueologia submarina. “E isso pode encorajar outras pessoas a extrair ainda mais coisas do interior do Titanic”.
Os descendentes das vítimas do naufrágio, por sua vez, são contra a remoção do aparelho porque veem nisso a violação de algo que deve ser encarado como sagrado.
Para eles, os restos do Titanic são como um cemitério – algo que não pode ser violado.
“É preciso tratar com respeito o local onde mais de 1 500 almas descansam”, diz um parente de uma das vítimas do naufrágio. “Não é certo abrir uma sepultura para remover algo de dentro dela”.
O que torna o rádio do Titanic tão icônico – e valioso, sobre todos os aspectos – é que foi a graças a ele que o mundo ficou sabendo do naufrágio do navio e as circunstâncias que levaram para o fundo do mar, causando a morte de 1 517 pessoas.
Foi daquele aparelho que partiram os desesperados pedidos de socorro do transatlântico naquela trágica noite, cuja última mensagem foi um dramático pedido feito aos outros navios pelo operador do rádio, que, agora, está no centro de intensa polêmica: “Venham rápido!”, dizia apenas a última mensagem.
Em seguida, a casa de máquinas do Titanic inundou, o navio ficou sem energia, o rádio emudeceu e os infelizes ocupantes do luxuoso transatlântico condenado perderam o único contato que tinham com o restante do mundo.
Esta é a razão da relevância daquele rádio (hoje batizado de “A última voz do Titanic”), que, agora, uma empresa particular garante que irá resgatar do fundo do mar, embora até o governo dos Estados Unidos seja contra isso.
“Estamos dependendo da questão da pandemia, mas é bem provável que o resgate do rádio aconteça já no final de agosto ou início de setembro”, diz Bretton Hunchak, diretor da empresa que detém os direitos sobre itens do naufrágio, mas que, até hoje, só tinha tido autorização para coletar o que estava espalhado ao redor do navio afundado – mesmo assim, mais de 5 000 objetos, que passaram a fazer parte de exposições itinerantes promovidas mundo afora.
“Vamos usar alguns buracos que já existem no casco deteriorado pelo tempo para penetrar no navio, com um mini-robô equipado com ferramentas especiais, e chegar à sala de rádio, onde extrairemos o aparelho numa operação cirúrgica, sem danos as demais partes do Titanic. Já temos tudo simulado em imagens de 3D” explica o empresário, que recorreu à Justiça americana alegando que o estado de deterioração do navio já estava colocando em risco o famoso aparelho.
O resgate do rádio do Titanic só se tornou tecnicamente possível depois que uma parte da estrutura do navio, que ficava imediatamente acima da sala de rádio, desabou, de maneira natural, 15 anos atrás.
Com isso, abriram-se buracos que permitiriam a entrada de um mini-submarino na sala de rádio, a fim de recolher o equipamento, que, segundo Hunchak, corre sério risco de ser destruído pelo desmantelamento do próprio navio.
“Se ele não for removido rapidamente, talvez não haja uma segunda chance de fazer isso, porque a sala de rádio é a que corre maior risco de desabamento”, explicou o empresário à juíza, que pareceu convencida do argumento ao decretar que “o rádio do Titanic possui valor histórico, científico e cultural suficiente para justificar o seu resgate”, e que “leis internacionais permitem a recuperação de artefatos históricos que estejam em risco de desaparecimento”.
Mas até a questão do real estado de conservação dos restos dos Titanic agora está sendo questionada.
Alguns especialistas dizem que, a despeito de estar mais de um século debaixo d´água, a deterioração do navio é mais ou menos estável, porque ele se encontra a grande profundidade, onde não há muitas alterações no ambiente marinho.
Mas alertam que a interferência humana pode acelerar barbaramente esse processo, numa referência direta aos planos da RMS Titanic Inc. de resgatar o rádio do navio.
“O rádio do Titanic é uma peça histórica e merece ser preservada”, defende-se Hunchak. “Se não fosse por ele, bem mais pessoas teriam morrido naquele naufrágio, porque nenhum navio receberia o pedido de socorro nem viria resgatar os sobreviventes. Nem mesmo a localização dos restos do Titanic seriam conhecidos até hoje, porque ninguém saberia exatamente onde ele afundou”.
“Queremos resgatar o aparelho para exibi-lo às pessoas, porque, do contrário, só os afortunados que podem pagar milhões para visitar os restos do navio com um submarino no fundo do mar poderão fazer isso”, argumenta o empresário.
E completa: “Muitos historiadores também sempre sonharam em ver este rádio de perto”.
Mas não é o que pensam as outras partes.
“Um aparelho desse tamanho não é o tipo de coisa que se possa remover de um naufrágio, a 3 800 metros de profundidade, sem causar estragos nos destroços, ainda mais um século depois”, argumenta a entidade governamental americana NOAA, sigla, em inglês, do departamento de Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera, que, com base em um acordo firmado meses atrás entre Estados Unidos, Inglaterra, França e Canadá, de restringir as visitações ao naufrágio e não permitir que nenhum país o explore, é radicalmente contra qualquer interferência nos escombros do famoso navio.
“Se permitirmos isso, imagine o que pode acontecer com outros sítios arqueológicos submersos bem menos famosos que o Titanic?”, questionam também os arqueólogos, que consideram os bens culturais submersos bem mais vulneráveis que os terrestres, “porque, como ele não estão visíveis, podem ser saqueados sem a fiscalização das pessoas e autoridades”.
“O resgate do rádio do Titanic pode ser a segunda tragédia do navio”, dizem os arqueólogos envolvidos no caso.
“A operação de retirada do rádio do Titanic pode até ser legal, mas jamais será ética”, defendem os arqueólogos, que são totalmente contra o resgate do aparelho.
Mesmo após 108 anos no fundo do mar, o Titanic ainda dá o que falar.
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