A cada quatro anos, alguns dos maiores velejadores do mundo se reúnem para a disputa daquela que é considerada a mais dura, difícil e desgastante corrida de barcos a vela do planeta – além de ser, também, a mais longa, já que obriga os participantes a contornarem todo o globo terrestre, durante cerca de três meses, navegando dias e noites sem parar em lugar algum, e, ainda por cima, sozinhos, cada um no seu barco.

É a Vendée Globe, apelidada de “Everest da Vela”, pelos seus desafios, que, este ano, partiu da França, no último dia 8 de novembro, com 33 participantes – que, no momento, já estão reduzidos a 29.

Como que comprovando a fama de ser uma das mais desafiadoras competições esportivas que existem, entre todos os esportes, logo no seu primeiro trecho, a descida do Atlântico, rumo ao Oceano Índico, dois dos favoritos tiveram que abandonar a competição – um deles, sob o sério de perder, também, a vida.

Na última segunda-feira, após mergulhar numa grande onda e ver o seu barco dobrar ao meio (uma das suspeitas é que isso tenha sido causado pelos foils, asas laterais que os barcos estão usando, que teriam agido como uma “barreiras” na passagem da onda) o francês Kevin Escoffier só teve tempo de acionar o pedido automático de socorro e pular para a balsa salva-vidas, antes de ficar à deriva, a mais de 1 500 quilômetros da costa da África, enquanto seu veleiro, praticamente dividido em duas partes, era engolido pelo oceano.

Naquele mesmo instante, na França, a milhares de quilômetros de distância, ao receber o sinal de socorro emitido pelo velejador, a coordenação da competição acionou os competidores que estavam mais próximos do barco acidentado, para que resgatassem o francês, já que nenhum helicóptero teria autonomia para ir e voltar ao local, quase no meio do Atlântico.

E foi o que aconteceu.

O também francês Jean Le Cam, um veterano de 61 anos de idade e cinco participações nesta duríssima regata, cujo barco chama-se Yes, We Cam (um trocadilho do slogan da campanha de Barack Obama (“Sim, Nós Podemos”) com o sobrenome do velejador, desviou sua rota, e mesmo sabendo que seria prejudicado na prova, foi resgatar o outro velejador.

Duas horas depois, ele chegou ao local de onde o francês havia disparado o pedido de socorro, avistou a balsa dele bem ao longe, mas não conseguiu alcançá-la, porque as ondas estavam altas demais e a faziam desaparecer no horizonte.

Le Cam, que, na edição desta regata de 2009 viveu situação inversa e teve que ser resgatado por outro competidor, depois que seu barco capotou, ficou dando voltas na área, apesar do mar agitado, com ondas que passavam dos cinco metros de altura, até que, quase uma hora depois, voltou a enxergar a balsa e resgatou o francês – que já estava à deriva no mar havia quase 12 horas.

“Nunca vi nada igual”, contou o náufrago ao conterrâneo que o resgatou. “A onda engoliu o meu barco e ele simplesmente dobrou ao meio. Vi a proa ficar a 90 graus em relação ao restante do casco, enquanto a água entrava pelo rasgo e inundava tudo. Só deu tempo de disparar o alarme de socorro e mandar mensagem para a minha equipe em terra firme, dizendo que eu estava afundando, e que aquilo não era uma brincadeira! Dois minutos depois, eu já estava no meio do mar, dentro da balsa, só com a roupa do corpo, enquanto meu barco sumia da superfície”, contou mais tarde o francês, que seguiu a bordo do barco de Le Cam por mais alguns dias até que foi transferido para um navio da Marinha Francesa, já que o regulamento da Vendée Globe proíbe que os barcos parem em portos durante toda a competição, sob o risco de desclassificação.

Apesar do contratempo, Le Cam, que, pelo seu gesto heroico, recebeu congratulações até do presidente da França, Emmanuel Macronm, segue na prova, contando com algum tipo de compensação pelo tempo que perdeu socorrendo o compatriota.

E o francês não foi o único vencido pela severidade da Vendée Globe, logo no seu trecho inicial.

Dias antes, o inglês Alex Thomson, que liderava a competição, foi surpreendido por uma rachadura na fixação de uma das asas que fazem o seu barco literalmente voar sobre o mar, e precisou passar uma madrugada inteira tentando um conserto de emergência, sozinho, em pleno mar.

Conseguiu. Mas apenas para descobrir, três dias depois, que também um dos lemes do seu barco havia quebrado, possivelmente após bater em algo no mar. E, para isso, não havia conserto possível.

Thomson, que, ao longo de sua carreira como velejador profissional já navegou o equivalente a duas vezes e meia a distância que separa a Terra da Lua, perseguia a vitória nesta regata há quatro edições, mas, com o duplo imprevisto, tive que desistir.

Ele navegou lentamente (e com o barco inclinado apenas para o lado do leme não danificado) na direção da Cidade do Cabo, na África do Sul, onde chegou após uma semana.

E o mesmo foi feito por dois outros competidores, que também tiveram os seus barcos seriamente danificados por “objetos flutuantes não identificados” – os “OFNIS”, numa referência gaiata ao termo “OVNIS”, usados para designar discos voadores.

“De repente, do nada, meu barco estancou no mar, como se eu tivesse batido numa pedra”, contou a francesa Samantha Davies, uma das cinco mulheres que participam da competição. “Voou tudo dentro da cabine, inclusive eu, enquanto o barulho de partes do barco rachando deixavam claro que o problema era realmente sério. Até agora, não sei no que o meu barco bateu”, relatou a francesa, que também já chegou à África do Sul, mas, mesmo fora da competição, diz que seguirá em frente, após o conserto do seu barco.

Quase no mesmo instante de Samantha Davies, outro veleiro, o do também francês Sébastien Simon, viveu a mesma experiência, no mesmo local: a ponta da África, onde o Oceano Atlântico encontra o Índico. “Também não sei no que bati, mas vi muitas coisas boiando no mar nos últimos dias. E isso é um perigo para os barcos”, disse Simon.

Entre os objetos flutuantes que estão sendo detectados na região onde os barcos da Vendée Globe navegam neste instante, um deles em especial preocupa os organizadores: os blocos de gelo e icebergs, que estão se desprendendo cada vez mais da Antártica.

Por conta disso, a direção da prova decidiu aumentar em cinco graus a “Zona de Exclusão”, região na qual os competidores não podem navegar.

“Precisamos garantir a segurança dos velejadores, pelo menos contra o que nós podemos enxergar através das imagens de satélites”, explicou o diretor da competição, Jacques Caraës.

Mais do que uma simples e longa corrida de barcos à vela, a Vendée Globe, também apelidada de “Regata dos Fortes”, é um teste de resistência e resiliência para os competidores, que velejam 24 horas por dia, durante meses a fio, sem parar em lugar algum, e o que é ainda pior: sozinhos nos barcos – que são uma espécie de Fórmula 1 dos mares.

Os veleiros, chamados de Imoca 60 (numa referência ao seu tamanho, de 60 pés, ou 18 metros de comprimento), são todos iguais, com casco em fibra de carbono e duas “asas” laterais, os foils, cuja função é “erguer” o barco, para que ele toque o menos possível na água – porque, assim, ficam ainda mais rápidos.

Possuem mastros com a altura de um prédio de dez andares, velas que cobririam uma área equivalente à de três quadras de tênis e custam cerca de R$ 30 milhões cada.

Também navegam completamente inclinados, chegando a 45 graus em relação ao mar, e só não viram porque possuem uma quilha móvel que inclina na direção contrária à do barco, impedindo que ele tombe.

Mas, apesar desses números grandiosos, os barcos da Vendée Globe não oferecem nenhum conforto.

Nem banheiro costumam ter – quase sempre, só uma espécie de balde, bem mais fácil de adaptar a absurda inclinação sob a qual navegam. E banho, só quando chove.

Como navegam em solitário, os competidores também costumam dormir pouco. Bem pouco, em fragmentos de 20 ou 30 minutos por vez, porque, ao fazerem isso, o barco segue avançando, sem ninguém ao comando.

E se alimentam apenas de comida em pó, dissolvida em água do mar aquecida numa espécie de fogareiro, já que os barcos também não possuem cozinha.

“É preciso estar preparado física e psicologicamente para dar uma volta ao mundo em solitário com um barco desses”, admite o inglês Alex Thomson.

Conviver com desconforto, a solidão e o permanente risco, durante tanto tempo, como acontece na Vendée Globe, exige mesmo um bom preparo mental.

Competidores sem essa virtude, costumam ficar pelo caminho.

Hoje, com a tecnologia ajudando os competidores, a vida dos participantes da Vendée Globe se tornou um pouco mais segura.

Mas, ainda assim, sujeita a imprevistos, como a onda que dobrou o barco do francês Kevin Escoffier ao meio, na última segunda-feira.

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