Até hoje, os poucos visitantes da ilha de Tobago, entre a América do Sul e o Caribe, costumam ficar intrigados quando chegam à pequena comunidade pesqueira de Lambeau e dão de cara com um grande veleiro, visivelmente abandonado, na areia da praia.

O estado do barco é lastimável.

O casco do outrora bonito barco, que um dia fora imaculadamente branco, está áspero, encardido e repleto de manchas, os vidros de todas as suas janelas estão quebrados, o mato da beira da praia já o envolve praticamente por completo, e, dentro da cabine, não resta um só equipamento ou mobiliário.

O mastro ainda resiste em pé.

Mas falta-lhe a quilha, componente tão fundamental em um veleiro quanto as velas – que também não existem mais.

Na proa, contudo, ainda é possível ler claramente o nome do barco: Vagant.

E, na popa, o porto de registro da embarcação: Gdansky, uma cidade portuária da Polonia.

Se fosse novo, aquele barco valeria cerca de 1 milhão de dólares.

E, mesmo naquele estado, ainda vale algum dinheiro.

No entanto, há anos, aquele grande veleiro, de 50 pés de comprimento, segue abandonado naquela esquecida vila de pescadores, apodrecendo na beira da praia, e seu proprietário nunca nada fez para resgatá-lo.

Por um bom motivo: ele desapareceu no mar.

E seus familiares, traumatizados com a tragédia, jamais se interessaram em resgatar o barco.

No final de 2017, após uma vida inteira dedicada ao trabalho e à família, o polonês aposentado Stanislaw Dabrowny, então com 74 anos de idade, começou, finalmente, a colocar em prática o sonho de sua vida: dar a volta ao mundo velejando.

Na companhia apenas da esposa, Elizabeth, uma pacata dona de casa de 67 anos, ele partiu das Ilhas Canárias, com destino ao Caribe, a bordo do veleiro que comprara e batizara com um nome que definia bem a nova fase da vida que iria começar: Vagant – “Vagabundo”, em inglês.

A travessia do Atlântico seria a primeira jornada daquela grande viagem, e transcorreu tranquila, sem nenhum imprevisto ou sobressalto.

Até que, 19 dias depois da partida, na madrugada de 21 de novembro de 2017, quando o casal navegava a cerca de 450 milhas da ilha de Barbados, Dabrowny precisou desvencilhar uma das velas, que enroscara no mastro.

Ele então caminhou até a proa, e sob o olhar atento da esposa, que nada entendia de barcos, tentou soltar a vela.

Mas uma das pontas caiu no mar, encharcou e ficou pesada demais para o septuagenário manuseá-la. Dabrowny, no entanto, não desistiu da empreitada, e continuou tentando puxar a vela de volta para o convés, apesar da apreensão da esposa, que só pensava por que o marido não largava aquela vela na água e pronto.

Não deu tempo de dizer isso.

Com o esforço, um tanto demasiado para sua idade avançada, Dabrowny perdeu o equilíbrio, escorregou no convés e desabou no mar.

Era noite, e ele sequer vestia um colete salva-vidas.

Era o fim para o velejador polonês.

O barco seguiu avançando de maneira autônoma, empurrado pelas velas restantes e pelo piloto automático, equipamento que sua esposa, Elizabeth, tampouco sabia como desligar.

Aterrorizada, ela se viu sozinha a bordo de um barco que seguia navegando sozinho, sem saber como manejá-lo, muito menos como dar meia-volta para socorrer o marido.

O máximo que Elizabeth conseguiu fazer foi jogar na água uma boia e uma vela que jazia dobrada no convés do barco, na esperança de que o marido conseguisse agarrar um dos objetos, e ficasse flutuando, enquanto ela tentava deter o avanço do barco – ambas ações em vão.

Logo, Dabrowny foi ficando cada vez mais distante, até que sumiu completamente – e para sempre – dos olhos de Elizabeth, na escuridão do mar.

Seu corpo jamais foi encontrado.

Só um bom tempo após o marido ter caído no mar, Elizabeth conseguiu desligar o piloto automático e deter o avanço do barco – para, em seguida, descobrir que não sabia como manejá-lo, a fim retornar ao local da queda.

Ficou, então, boiando no mar, sozinha, à deriva e desesperada.

Elizabeth também logo descobriu que não sabia como manusear o telefone via satélite que o barco possuía, que era usado com frequência pelo marido – e só por ele -, para se comunicar com os filhos do casal, na Polônia.

Ou seja, ela também não tinha como pedir socorro.

E estava longe demais de qualquer ilha para que o rádio VHF funcionasse, embora ela tampouco soubesse como operá-lo.

Só dois dias depois, quando até a energia elétrica do barco já havia se esgotado, obrigando Elizabeth a passar as noites no escuro (já que, de tempos em tempos, era preciso ligar o motor, a fim de recarregar as baterias, mas ela também não sabia disso), é que a polonesa conseguiu fazer funcionar o telefone via-satélite.

E, finalmente, ligou para a filha, na Polônia.

A ligação foi fulminante, durou apenas alguns segundos, não deu tempo de dizer nada (até porque Elizabeth só gritava, desesperada), e logo caiu, porque, sem uma fonte de energia para recarregar as baterias do barco, esgotara-se, também, a carga do telefone móvel.

Mas a filha do casal teve certeza de que algo errado havia acontecido, porque era sempre o pai, e não a mãe, que ligava para ela.

Mesmo sem saber o que poderia ter ocorrido, a filha acionou a autoridade marítima da Polônia, que, após rastrear a origem da ligação do telefone, fez contato com a base de resgates marítimos da ilha de Martinica, no Caribe, que, por sua vez, despachou um avião de reconhecimento para a região.

Logo, o veleiro foi avistado, e os navios das proximidades acionados, a fim de executarem o resgate.

Cinco dias após a tragédia, um grande petroleiro com bandeira da Libéria, que seguia dos Estados Unidos para o Brasil, encostou ao lado do Vagant, e resgatou Elizabeth, já quase em estado de choque.

Só então o mundo – e os filhos de Dabrowny – ficaram sabendo do trágico destino do polonês, que queria realizar o sonho da sua vida, mas não passou da primeira travessia.

A bordo do navio que a resgatou, Elizabeth foi levada até o porto de Santos, no litoral brasileiro, onde desembarcou, dias depois.

Mas o veleiro dos Dabrowny, não.

Como determinam as regras internacionais de resgates marítimos, apenas a ocupante do barco foi resgatada – não o veleiro, que foi abandonado no mar, para que, com o tempo, a natureza se encarregasse de afundá-lo.

Mas não foi o que aconteceu.

Dias depois, quando saiam para buscar suas redes no mar, três pescadores tobaguenses de Lambeau avistaram um bonito barco, sem ninguém a bordo, espetado nos recifes de coral, bem diante da praia: era o Vagant, o veleiro do capitão polonês que o mar levou.

Sem saber da história que havia por trás daquele misterioso barco sem ninguém a bordo, os pescadores rebocaram o veleiro, já danificado pela perda da quilha no choque com a bancada de corais, avisaram as autoridades, e o deixaram na praia – onde está até hoje, anos depois, sem que ninguém da família tenha demonstrado nenhum interesse em buscá-lo, por conta das péssimas lembranças que aquele barco lhes traz.

Muito menos Elizabeth, que, até hoje, é atormentada por pesadelos nos quais sempre ouve Dabrowny gritando “volte! volte!”, e por não ter feito nada para evitar a morte do marido, apenas porque não sabia o que fazer.

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