Quando estourou a Corrida do Ouro, na Califórnia, em meados do século 19, a movimentação de pessoas entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos explodiu.
Como ainda não haviam estradas – muito menos automóveis –, e as ferrovias não atravessavam o país inteiro, o principal meio de locomoção de uma costa para a outra eram os navios, quase sempre dois deles na mesma viagem: um para o lado do Oceano Pacífico, outro para o trecho do Atlântico, com uma baldeação no meio, de trem, pelo istmo do Panamá, que tampouco possuía o seu famoso canal naquela época.
Entre 1850 e 1860, muitos navios, quase todos movidos a vapor, com propulsão através de grandes rodas laterais de pás, passaram a operar naquela lucrativa rota, onde, não raro, as passagens eram pagas com parte do ouro extraído das generosas jazidas do norte da Califórnia.
Um desses navios foi o S.S. Central America, que tinha casco de madeira e 280 pés de comprimento, ainda um meio termo entre as escunas e os barcos a motor, como era habitual na época.
No dia 3 de setembro de 1857, abarrotado com 477 passageiros, 101 tripulantes e uma carga pra lá de valiosa, estimada em cerca de 15 toneladas de ouro – que valeriam mais de meio bilhão de dólares, em dinheiro de hoje -, o S.S. Central America partiu do porto panamenho de Colón, com destino a Nova York, na viagem de retorno dos seus agora ricos ocupantes.
Um par de dias depois, o navio fez uma rápida escala no porto de Havana, em Cuba, e, em seguida, tomou a direção da costa leste americana, rumo à Nova York.
Mas jamais chegou lá.
Quando navegava na altura da costa da Carolina do Sul, no dia 9 de setembro, o S.S. Central America foi colhido por um furacão, e começou a fazer água.
A princípio, lentamente.
Mas, a intensidade dos ventos, que nas rajadas beiravam os 100 nós, e o mar em plena convulsão, que arremessava o grande navio de uma onda para outra, feito um brinquedo, logo trataram de aumentar o drama daquela viagem.
Dois dias depois, sem que conseguisse avançar em nenhuma direção, porque a violência do vento não deixava, a caldeira do S.S. Central America começou a falhar, por causa de um vazamento nas vedações do eixo da sua roda de pás.
Por volta do meio-dia, o motor parou de vez de funcionar, e, com isso, também as bombas de sucção, que vinham tratando de expulsar toda a água que entrava no casco, por conta daquela interminável tempestade.
Não restou outra alternativa ao comandante do S.S. Central America, William Herndon, se não hastear a bandeira do navio de cabeça para baixo no mastro (um sinal de socorro, de acordo com os códigos marítimos da época), na esperança de que surgisse algum navio para socorrê-lo, e convocar todos os homens (passageiros incluídos) para retirar, com baldes, parte da água que seguia entrando no casco.
A batalha durou uma noite inteira, mas manteve o navio na superfície, apesar do massacre das ondas.
Na manhã seguinte, dois navios surgiram no horizonte e se aproximaram, para recolher parte dos ocupantes do S.S. Central America, já então semi-submerso.
Todos os botes salva-vidas dos três navios foram lançados ao mar, mas neles só couberam 153 pessoas – quase todas, mulheres e crianças.
Por volta das 20 horas daquela noite, 11 de setembro de 1857, o S.S. Central America mergulhou no Atlântico Norte, selando o destino de 425 almas – entre elas, a do comandante Herndon, que, mais tarde, pela sua bravura e resiliência em meio a um furacão de proporções bíblicas, acabaria virando nome de cidade (Herndon, na Virgínia), e de dois navios da Marinha americana.
Com a morte de 425 das 578 pessoas que havia a bordo, o naufrágio do S.S. Central America foi um dos mais trágicos da história dos Estados Unidos.
E, de longe, o mais valioso, pelo tipo de carga que a esmagadora maioria dos seus passageiros transportava: ouro, muito ouro, extraído das generosas jazidas da Califórnia.
Havia tanto ouro nos porões e cabines do S.S. Central America que o afundamento do navio desencadeou uma crise financeira nos Estados Unidos, conhecida como o “Pânico de 1857”, já que os bancos de Nova York contavam com a entrada de grande parte do precioso metal para financiar seus projetos.
Nunca se soube a quantidade exata de ouro que havia no S.S. Central America: chegou-se a falar em 24 toneladas, a maior parte não declarada pelos passageiros, que teriam escondidos as pepitas em suas próprias cabines.
Mas o que aconteceria mais de 100 anos depois, durante as expedições de resgate nos escombros do naufrágio, deixaria claro que era um número assombroso.
O naufrágio do “Navio do Ouro”, como o S.S. Central America passou a ser chamado, tornou-se muito mais conhecido pela sua preciosa carga do que pelas centenas de vítimas geradas na tragédia.
E, como geralmente acontece quando há algo de muito valioso envolvido em um naufrágio, logo a ganância humana gerou um segundo capítulo na sua história.
A segunda parte da história do S.S. Central America começou em setembro de 1988, quando um ambicioso e inescrupuloso mergulhador, chamado Tommy Thompson, encontrou os restos do navio, a 85 metros de profundidade, na costa da Carolina do Sul, após mais de 30 anos de uma busca obstinada, financiada por um grupo de investidores privados.
O acordo era que os investidores custeariam as despesas das operações de resgate – feitas com uma espécie de protótipo de um minissubmarino operado remotamente, algo praticamente inédito naquela época -, em troca de uma parte do ouro que o mergulhador encontrasse.
Mas não foi o que Thompson fez.
Muito pelo contrário.
Quando finalmente encontrou os despojos do S.S. Central America, Thompson tratou de fugir com o ouro que retirou do navio, deixando os seus financiadores a ver navios.
Eles, então, recorreram aos tribunais americanos e conseguiram que Thompson fosse declarado culpado, por quebra de contrato.
Mas Thompson ignorou isso, se escondeu e passou a ser considerado fugitivo também da justiça.
E assim ficou por 27 anos.
Até que, em 2015, Thompson foi localizado e preso em um hotel da Florida, onde morava com a namorada, sempre pagando todas as suas despesas com dinheiro vivo, a fim de não deixar pistas sobre o seu paradeiro.
Na ocasião, foi apurado que ele mantinha contas bancárias em paraísos fiscais, e que, num deles, nas distantes Ilhas Cook, tinha mais de US$ 4 milhões depositados.
Levado à presença do juiz, Thompson admitiu sua culpa e concordou em pagar uma indenização – no valor de 500 moedas de ouro retiradas do naufrágio -, aos financiadores do projeto
Na ocasião, a justiça autorizou que um interventor fizesse um inventário na antiga empresa de Thompson, a fim de apurar quanto, afinal, ele havia retirado do navio em preciosidades.
O resultado foi impressionante.
Cerca de 150 milhões de dólares em ouro teriam sido resgatados por Thompson dos escombros do S.S. Central America, e uma única barra, pesando mais de 35 quilos, fora vendida por assombrosos US$ 8 milhões, na mais cara transação do gênero até então.
Tais valores levaram algumas empresas seguradoras – que, no passado, haviam pago indenizações às famílias das vítimas do naufrágio – a também recorrerem à justiça, alegando terem direito a um ressarcimento.
Mas o entendimento do juiz foi que todo aquele ouro havia sido “abandonado” pelos interessados no fundo do mar, não cabendo, portanto, direito das seguradoras sobre ele, o que não deixava de representar uma vitória para o foragido Thompson.
Mas nem assim ele concordou em colaborar com a justiça.
Além de mais ouro, as expedições posteriores que exploraram os escombros do S.S. Central America – já então sabido por todos – também encontraram alguns objetos curiosos nos restos do navio.
Entre eles, uma mala de couro, que a despeito de estar há mais de 130 anos debaixo d´água, ainda mantinha suas formas preservadas.
E, dentro dela, até charutos e roupas.
Uma das peças que havia na tal mala – uma centenária calça de brim da marca Levi Strauss, muito usada pelos mineradores nas jazidas da Califórnia na época da Corrida do Ouro -, acabaria sendo considerada o jeans mais antigo do mundo, e, anos mais tarde, vendida em leilão pelo equivalente a meio milhão de reais.
Já Thompson seguiu sem revelar nada: nem o local onde o ouro que retirou do navio estava, nem o paradeiro das moedas que havia concordado em dar como pagamento aos investidores.
Ou seja, não cumpriu o que prometera ao juiz.
Numa segunda audiência, ao ser indagado o motivo pelo qual não indenizara os investidores, como ordenado, Thompson – na época já perto dos 70 anos de idade – alegou “perda de memória, por conta idade avançada”.
E, pelo mesmo motivo, disse ainda não lembrar mais “onde o ouro estava”.
Thompson, então, foi preso por desacato a justiça, mesmo motivo pelo qual segue na cadeia até hoje.
Até hoje, Tommy Thompson prefere continuar preso do que revelar onde está o ouro que ele extraiu do fundo do mar.
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