Dezembro de 2014.

Havia três dias que o barco Bob Barker, da ONG ambientalista Sea Shepherd, capitaneado pelo sueco Peter Hammarsfedt, vasculhava uma gigantesca área remota do mar da Antártica, na altura da Austrália, em busca de sua presa.

Até que surgiram três pontinhos no radar da embarcação.

Dois eram claramente icebergs.

Mas o terceiro, se movimentava.

Só podia ser ele, naqueles confins do mar antártico.

E era.

O Thunder, um navio pesqueiro com bandeira da Nigéria, que estava entre os mais procurados do mundo por praticar impunemente a pesca ilegal – aquela que desrespeita os limites das espécies e cuja quantidade nunca é declarada às autoridades.

Ele era comandado pelo chileno Luis Cataldo e tinha outros 40 tripulantes de diferentes nacionalidades a bordo – mas nenhum nigeriano, já que usava a chamada “bandeira de conveniência”, que confere “nacionalidade” a qualquer embarcação mediante apenas pagamento.

Tanto que, sistematicamente, o Thunder mudava de bandeira, e seu nome sequer era pintado no casco, resumindo-se a placas, que podiam ser facilmente substituídas por outas, com outro nome.

Tampouco ninguém sabia quem era o dono do barco.

Apenas que o que ele fazia era ilegal.

Há meses, o Thunder vinha sendo monitorado pela Sea Shepherd, já que as autoridades pouco faziam para detê-lo.

Mas sempre escapava.

Desta vez, porém, poderia ser diferente.

Eufórico com a descoberta da presa, o capitão Hammarsfedt convocou o outro barco da entidade, o Sam Simon, que estava na região pelo mesmo motivo, para juntar-se ao cerco do arredio fugitivo.

E ele chegou rápido.

Ao avistarem o Thunder, a primeira providência foi fotografá-lo.

Mas não para comprovar que estivesse pescando – algo que, em tese, não feria lei alguma, já que o barco estava em Águas Internacionais, que não pertencem nenhum país.

Mas sim para tentar descobrir, pela altura da linha d´água no seu casco, quanto de combustível ele ainda poderia ter nos tanques.

A informação era fundamental para estimar a autonomia do pesqueiro e, portanto, sua capacidade de fugir, como das vezes anteriores.

E foi, novamente, o que ele fez.

Ao ser contatado, via rádio, pelo capitão Hammarsfedt e dele receber ordem de parar as máquinas para ser abordado, já que havia uma ordem de arrestamento do Thunder expedida pela Interpol, o comandante do Thunder respondeu apenas que a Sea Shepherd não tinha autoridade legal para detê-lo.

E era verdade.

A entidade não era Polícia e não podia sair confiscando barcos infratores.

Feito isso, Cataldo desligou o AIS do seu barco, um equipamento de identificação automática de embarcações, acelerou e penetrou no labirinto de blocos de gelo da Antártica, sendo, no entanto, seguido bem de perto pelos dois barcos da Sea Shepherd.

Uma perseguição que mais parecia uma escolta – o perseguido sendo seguido, a pouca distância, pelos seus perseguidores, que, no entanto, legalmente nada podiam fazer para detê-lo.

A estratégia de Hammarsfedt passou a ser apenas a de seguir o barco infrator, até que a Interpol pudesse entrar em ação ou acabasse o combustível do Thunder – os dois barcos da Sea Shepherd não padeciam tanto desse problema, porque seus tanques eram enormes, justamente para ter grande autonomia no mar, durante as ações que faziam.

Já que Hammarsfedt não podia impedir Cataldo de seguir adiante, iria escoltá-lo, fosse para onde fosse, pelo tempo que durasse o combustível do pesqueiro.

Era o início de uma das mais longas perseguições marítimas da História recente.

Durante intermináveis 110 dias, quase quatro meses, os dois barcos da Sea Shepherd seguiram o Thunder a pouca distância, monitorando todos os seus movimentos.

Que não foram poucos.

Das águas antárticas, o pesqueiro adentrou o Pacífico, cruzou o Atlântico e penetrou no Índico, antes de dar meia-volta e retornar ao oceano anterior, numa jornada de mais de 11 000 milhas náuticas – uma patética perseguição entre gato e rato, onde ambos sabiam muito bem onde o outro estava.

Sempre que Cataldo parava para pescar, os dois barcos da Sea Shepherd também paravam.

Mas ficavam apenas observando, em busca de novas provas que incriminassem ainda mais o pesqueiro.

Em uma dessas ocasiões, rolos de fumaça passaram a ser emanados do convés do Thunder.

Como fazia com frequência, Hammarsfedt pegou o rádio, chamou o capitão chileno e perguntou sobre a origem do fogo.

Cataldo respondeu que estava apenas incinerando lixo.

Mas a verdade era outra.

O Thunder estava queimando suas gigantescas redes de pesca, algumas com mais de dezenas de quilômetros de extensão.

Ou seja, destruindo provas, já que parecia claro que aquela perseguição não iria terminar sem que eles fossem detidos pela polícia.

Quando o Thunder reentrou no Atlântico e passou a subir a costa africana, Hammarsfedt ficou se perguntando para onde Cataldo seguia.

A resposta veio dias depois, quando o pesqueiro se abrigou no mar territorial da Nigéria, país da bandeira que ostentava, e onde os barcos da Sea Shepherd não poderiam entrar sem autorização.

A suspeita era a de que o Thunder contava com a proteção das autoridades nigerianas, já que nunca ficou claro quem era o dono do barco.

Aquela longa perseguição teria acabado ali, não fosse a resiliência de Hammarsfedt, que ficou parado fora dos limites do mar nigeriano, e uma providencial manobra diplomática: a decisão do governo americano de ameaçar a Nigéria com sanções econômicas, caso a pesca ilegal com barcos sob bandeira daquele país não fosse interrompida.

Os nigerianos seguiram concedendo secretamente bandeiras de conveniência para barcos pesqueiros.

Mas, dadas as dimensões que aquele caso tomara, confiscaram o direito de o Thunder continuar a usá-la – uma maneira de tentar agradar aos americanos e impedir o boicote.

Com isso, o barco de Cataldo se tornou apátrida – uma paria dos mares, sem nenhuma bandeira para protegê-lo.

E foi sob esta situação que ele teve que deixar as águas nigerianas, para ser, novamente, perseguido pelo implacável comandante sueco.

Mas não por muito tempo.

No dia 5 de abril de 2015, três meses e meio após o início daquela perseguição implacável, o capitão Cataldo tomou o rumo de um ponto da costa das Ilhas São Tomé e Príncipe, ainda dentro do Golfo da Guiné, e, sob o olhar atento de Hammarsfedt, parou o seu barco.

Em seguida, pegou o rádio e emitiu um pedido de socorro, alegando que Thunder havia sido abalroado por outra embarcação e que estava afundando – embora não houvesse nenhum outro barco na área, a não ser os dois da Sea Shepherd.

O passo seguinte na encenação criada pelo capitão chileno foi baixar botes salva-vidas ao mar e embarcar com toda a sua tripulação, enquanto o Thunder começava a inclinar, vítima da abertura proposital das válvulas do seu casco pelos próprios tripulantes.

Seguindo o protocolo, coube aos próprios membros da Sea Shepherd resgatar os náufragos, mesmo sabendo que eles deliberadamente haviam promovido o naufrágio do pesqueiro, como forma de ocultar provas sobre a sua atividade criminosa.

O capitão Cataldo foi recolhido pelo próprio comandante sueco e acompanhou, do convés do barco que tanto o perseguira, os últimos suspiros do Thunder, com a proa apontada para o céu, antes de mergulhar para sempre no mar.

Quando isso aconteceu, Cataldo sorriu.

Nada mais poderia seriamente incriminá-lo.

A mais longa perseguição de um barco pesqueiro que se tem notícia terminou com uma simples multa por poluição marinha, por conta do afundamento proposital do Thunder, e brandas penas aos infratores.

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