Na segunda metade do século 19, a carência de operários para trabalhar nas minas da Nova Zelândia levou o governo neozelandês a abrir as portas do país para imigrantes da China.

Muitos operários chineses aceitaram o convite e foram para lá, em busca de trabalho.

E poucos retornaram.

Muito anos depois, um grupo de chineses repatriados acabou entrando para a História por um fato inusitado: o afundamento do navio cargueiro neozelandês SS Ventnor, em 28 de outubro de 1902, quando levava de volta para a China os corpos de 499 operários que haviam morrido na Nova Zelândia.

Eles haviam sido exumados dos cemitérios, para serem novamente enterrados em sua terra natal.

A viagem havia sido encomendada por um comerciante sino-neozelandês, chamado Choie Sew Hoy, que se tornara rico, graças justamente ao trabalho dos conterrâneos imigrantes.

Em retribuição, ele decidiu pagar a exumação dos corpos dos mineiros mortos e contratar um navio para levá-los de volta à China.

E, para aquela peculiar viagem, fretou o SS Ventnor.

Só que, ironicamente, o próprio Choie Sew Hoy morreu pouco antes de o navio partir, e o seu corpo foi incluído no grupo de cadáveres, totalizando assim 500 caixões a bordo do navio – que, no entanto, não passou dos recifes de Hokianga, na ilha norte da Nova Zelândia, onde bateu e afundou.

O naufrágio do “Navio dos Caixões”, como o SS Ventnor passou a ser conhecido, chocou os neozelandeses, porque, além de matar 13 dos seus tripulantes, incluindo o comandante, fez chegar às praias da região muitas ossadas de corpos que se desprenderam dos caixões.

Sensibilizados com aquele cenário macabro, nativos maoris passaram a recolher os ossos nas praias e enterrá-los em seus cemitérios, mesmo sem saber de quem se tratava.

E assim aqueles ossos ficaram, ignorados e esquecidos, por mais de um século.

Até que, em maio de 2012, 110 anos após aquele episódio, um grupo de mergulhadores amadores, entre eles o cineasta neozelandês John Albert, encontrou os restos do SS Ventnor, cuja localização era até então desconhecida, a 150 metros de profundidade.

E, junto com a descoberta, veio a ideia: por que não filmar os escombros do navio para um documentário sobre o caso?

Era o início de uma polêmica que ainda se arrasta na Nova Zelândia.

Ao saber do achado e dos planos do cineasta, uma tataraneta daquele comerciante que fretara o navio – e cujo corpo acabou sendo também levado naquela derradeira viagem – a empresária a Jenny Sew Hoy Agnew, passou a encabeçar um movimento, com apoio de descendentes dos operários chineses, para impedir que o documentário fosse produzido.

O argumento era que os restos do SS Ventnor haviam se transformado em uma espécie de cemitério submerso, e que filmá-lo equivaleria a profanar sepulturas.

“Como você reagiria se alguém abrisse os caixões dos seus antecedentes para filmá-los?”, questionou Jenny, na ocasião.

Já o cineasta se defendeu, dizendo que nenhuma ossada seria mostrada no documentário e que o SS Ventnor fazia parte da História do país, portanto, sua saga precisava ser contada.

Na Nova Zelândia, as opiniões ficaram divididas.

A questão era: os restos mortais daquelas pessoas deveriam ser deixados em paz nas profundezas do mar ou eram parte de um fato que precisava ser trazido novamente à tona?

Até hoje, o caso não teve uma solução, embora o documentário, intitulado Fallen Leaves, ou “Folhas Caídas”, expressão que remete a tradição chinesa de retornar os mortos aos seus locais de sua origem, tenha sido feito.

Mas, até hoje, não exibido, por conta da pendenga que se arrasta na justiça.

Mesmo assim, o imbróglio envolvendo a exploração do naufrágio do navio neozelandês produziu, ao menos, um ponto positivo: com a volta do assunto aos noticiários, os descendentes dos maoris que haviam coletados aqueles ossos na praia, mais de um século antes, procuraram Jenny Sew Hoy Agnew e contaram como recolheram os ossos e onde os enterraram.

O resultado foi uma cerimônia ecumênica conjunta, realizada meses depois, entre descendentes dos operários chineses cujos corpos estavam no navio e dos maoris que os re-enteraram em seus cemitérios, a fim de homenagear todos eles.

Nunca antes chineses e maoris haviam se aproximado tanto.

E isso só aconteceu graças aos infelizes ocupantes do SS Ventnor, que, de certa forma, morreram duas vezes.

Mas não totalmente em vão.

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