Na noite de 24 de fevereiro de 1971, um fato curioso entrou para a história da cidade de Santos, no litoral brasileiro.
Uma tempestade de verão tornou o mar agitado e fez romper os cabos que prendiam um pequeno navio, que fora transformado em boate flutuante, o Recreio, que ficava permanentemente ancorado em uma das margens da baía.
Impossibilitado de reagir ao incidente, já que não tinha mais motor, o inerte navio, velho conhecido dos moradores da cidade, atravessou à deriva toda a baía, com três assustados tripulantes a bordo, até encalhar na beira da praia, onde imediatamente virou atração turística.
E um problema que dura até hoje.
Nos dias subsequentes, diversas tentativas de arrancar aquele intruso espetado na areia da praia foram feitas.
Todas em vão.
O Recreio, um ex-navio de passageiros, de que 62 metros de comprimento, que, no passado, fizera história levando e trazendo viajantes para Santa Catarina, não se movia um centímetro, nem quando puxado por mais de um rebocador ao mesmo tempo.
Cravado na beira-mar, ele recusava-se a desgrudar da praia.
Temendo pela segurança dos banhistas, já que o navio estava ao alcance das mãos até de crianças, a prefeitura passou a pressionar o dono do barco, o engenheiro russo radicado na cidade Wladimir Grieves, para que o tirasse de lá, a qualquer custo.
E o foi o que ele fez.
Sabendo que o navio estava irremediavelmente perdido, Grieves ordenou que o outrora bem cuidado Recreio fosse depenado, a fim de aliviar peso e facilitar o trabalho dos rebocadores.
Como também não deu certo, veio a ordem seguinte: usar dinamite, para tentar para arrancá-lo de qualquer maneira daquela armadilha na qual se metera.
Mas também não deu em nada.
E piorou ainda mais as coisas.
O máximo que os explosivos conseguiram foi fragilizar a estrutura do casco, que, depois, ao ser puxado pelos rebocadores, simplesmente rasgou, feito uma folha de papel.
A parte de cima da casaria saiu inteira e foi removida com a ajuda de boias.
Mas a de baixo, a que realmente importava, continuou teimosamente cravada na praia.
E não houve quem a tirasse de lá.
Com o passar do tempo, a ação das marés foi encobrindo gradativamente os ferros retorcidos do que restou do casco, até que os escombros do Recreio desapareceram por completo, para alívio do dono do navio, da prefeitura e dos banhistas, que, até então, viviam se machucando nos restos submersos.
E assim ficou por quase 40 anos, tornando o Recreio apenas uma peculiar história contada pelos velhos moradores da cidade.
Até que, no início dos anos 2000, a dragagem do canal de acesso ao porto de Santos causou uma alteração no fluxo de areia levados pelas marés para as praias da cidade e fez aflorar, de novo, os vergalhões do casco do teimoso navio – que, feito um zumbi, voltou a assombrar os banhistas.
Resignada, a prefeitura da cidade limitou-se a colocar estacas em torno dos escombros, cada vez mais aflorados na areia da praia, e uma placa alertando para o perigo de tomar banho de mar naquele local.
E assim permanece até hoje.
Quando foi construído, em 1926, e batizado com o nome do empresário alemão-catarinense que o encomendara para o transporte de carga e passageiros para Santa Catarina, o Recreio, então chamado Carl Hoepcke, era o principal meio de ligação entre Florianópolis e o resto do país – uma espécie de transatlântico da ilha, com acomodações de Primeira Classe, e motivo de orgulho para os moradores da cidade.
Sempre que chegava ou saia do porto catarinense, as pessoas iam para a margem, saudá-lo.
A alegre rotina durou 30 anos, até que um incêndio, em 1956, na partida do porto da mesma cidade de Santos, decretou a sua aposentadoria como meio de transporte.
Na ocasião, para extinguir o fogo, que matou um tripulante e deixou outro 27 horas boiando no mar, até ser resgatado, foi preciso até afundar parte do casco, mas, mesmo assim, o Carl Hoepcke foi salvo.
Mas seu destino como navio de passageiros estava selado.
Tempos depois, ele foi vendido para uma empresa de transporte de carga do Pará e ganhou outro nome: Pacaembu.
O ex-transatlântico, famoso até hoje entre os velhos moradores da ilha de Santa Catarina, ficou dez anos atuando como cargueiro, até seu cansado motor parar de funcionar.
Isso levou o seu desanimado proprietário a vendê-lo, quase como sucata, para o russo Wladimir Grieves, que tinha planos ambiciosos para o velho ex- Carl Hoepcke: ele seria transformado em um navio só para festas e diversão, o Recreio.
Para isso, Grieves promoveu uma completa alteração na embarcação.
A chaminé virou caixa-d´água, a torre de comando foi transformada em mirante e, no lugar da casa de máquinas, surgiu uma piscina, já que, mesmo na nova fase, o Recreio continuou sem motor, porque o seu objetivo era ficar permanentemente ancorado na Baía de Santos.
E assim foi, até aquela tempestuosa noite de 1971, quando o curioso navio-boate da cidade de Santos cruzou toda a baía à deriva, para morrer na praia, onde se tornou, até hoje, uma encrenca do tamanho de um navio.
Literalmente.
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André Cavallari, leitorfoto: Fundação Arquivo da Memória de Santos