Em 20 de agosto de 1944, o navio cargueiro americano SS Richard Montgomery, um Liberty Ship, como foram chamados os navios feitos às pressas pelos Estados Unidos para o transporte de suprimentos durante a Segunda Guerra Mundial, ancorou na entrada do Rio Tâmisa, na Inglaterra, com uma carga, literalmente, bombástica: milhares de explosivos, que seriam usadas pelos Aliados nos combates que então aconteciam na França.

Ele havia partido da Filadélfia com mais de 6 000 toneladas de bombas e munições, e sua missão era aguardar no estuário do principal rio da Inglaterra a chegada do comboio ao qual se juntaria, rumo a costa francesa.

Ao chegar lá, o comandante do SS Richard Montgomery recebeu ordens de se aproximar da margem, ancorar e aguardar os demais navios, que estavam por chegar.

Feito isso, foi para a sua cabine, descansar.

Horas depois, outros navios começaram a chegar e alguns deles notaram que a âncora do SS Richard Montgomery havia garrado e ele estava derivando em direção a um famoso banco de areia que havia na região.

E avisaram isso pelo rádio ao oficial de plantão no navio – que, no entanto, inexplicavelmente não acionou o comandante, que seguiu dormindo.

O resultado foi o encalhe do cargueiro no tal banco de areia, a cerca de 250 metros do canal e bem diante da então pequena cidade inglesa de Sheerness.

Não seria um grande problema removê-lo de lá, não fosse o fato de o navio estar abarrotado de carga, portanto pesado, e de a maré, justamente naquele instante, ter começado a baixar.

Nas horas seguintes, o navio foi atolando cada vez mais na areia fofa, até que, mesmo com a subida da maré, não conseguiu mais se desvencilhar da armadilha na qual havia se metido. Em seguida, seu casco, que não era propriamente resistente, como em todos os Liberty Ships, começou a trincar.

E seguiu rachando.

Era o fim do SS Richard Montgomery.

Dois dias depois, começaram os trabalhos de resgate e transbordo de sua delicada carga.

Mas logo o serviço teve que ser interrompido, porque as rachaduras no casco haviam causado a inundação da proa e o navio passou a gemer assustadoramente – sinal claro que não aguentaria por muito tempo o esforço de combater o sobe e desce das marés.

Caso rompesse de vez, as consequências seriam imprevisíveis, dada a letalidade da carga.

Temendo uma explosão, as equipes de resgate abandonaram o local.

E nunca mais se cogitou retirar as bombas que restaram no SS Richard Montgomery.

Que estão lá até hoje.

Uma das razões para os explosivos jamais terem sido removidos do navio foi o temor da repetição de um episódio que traumatizou os moradores de outra pequena cidade inglesa, a de Folkestone, às margens do Canal da Mancha, em julho de 1967.

Naquela ocasião, uma desastrada ação de remoção de bombas do cargueiro polonês SS Kielce, afundado em 1946, resultou numa explosão equivalente a força de um terremoto com 4,5 de força na Escala Richter, além de abrir uma cratera de seis metros de profundidade no leito marinho e destruir parcialmente muitas casas na cidade.

Se algo semelhante acontecesse com o SS Richard Montgomery, as consequências para os habitantes de Sheerness seriam bem piores, tanto pelo maior tamanho da cidade quanto pela menor proximidade dela com o naufrágio.

Mesmo a explosão controlada das bombas no interior dos restos do SS Richard Montgomery sempre esteve fora de questão, porque um estudo mostrou que a explosão da carga do navio geraria uma coluna de água com cerca de 300 metros de altura, e geraria uma espécie de tsunami, com ondas de até cinco metros de altura – o bastante para inundar Sheerness, que também sofreria danos em praticamente todas as suas casas.

A única saída, portanto, seria evacuar toda a cidade antes da operação, algo inviável na prática.

Assim sendo, adotou-se a política de empurrar o problema com a barriga, não fazer nada e deixar o navio como ele sempre esteve, até que – quem sabe? – à própria natureza resolva a questão.

Atualmente, em Sheerness (onde um gaiato outdoor na entrada na cidade dá as boas-vindas aos visitantes desejando que eles tenham “uma visita bombástica”), vivem cerca de 12 000 pessoas e ninguém dorme absolutamente tranquilo sabendo que há um navio cheio de bombas bem em frente à cidade.

Das 6 100 toneladas de explosivos que havia nos porões do SS Richard Montgomery naquela viagem, cerca de 1 400 toneladas permanecem dentro do que restou do navio, sob permanente risco de explosão, embora já tenham se passado décadas desde o naufrágio.

E o maior problema é onde elas estão.

O SS Richard Montgomery afundou em um local tão raso e perto da margem que não ficou totalmente submerso.

Seus mastros continuam visíveis fora d´água, o que torna a situação ainda mais perigosa, pelo risco de colisão de outros barcos.

Além disso, o velho cargueiro jaz bem na entrada do Rio Tâmisa, a mais movimentada rota marítima do Reino Unido, por onde passam cerca de 5 000 navios por ano.

Tempos atrás, dois deles só não atropelaram os escombros do SS Richard Montgomery – com consequências possivelmente trágicas, caso isso acontecesse – porque conseguiram desviar a tempo.

Para contornar o problema, desde o final da Segunda Guerra Mundial, as autoridades marítimas inglesas criaram uma “área de exclusão” em torno do local do naufrágio, sinalizada com boias e ameaçadores cartazes, alertando que ali a navegação é proibida, bem como a aproximação de pessoas.

E a área passou a ser monitorada 24 horas por dia.

Outro risco são as condições em que se encontram os restos do navio. Após mais de três quartos de século parcialmente debaixo d´água, o estado do SS Richard Montgomery é precário e sua estrutura está seriamente comprometida.

Qualquer ação mais efetiva nos destroços poderia gerar o colapso do que resta do casco e o movimento acionar involuntariamente uma das bombas, já que parte delas foi transportada com seus disparadores instalados.

Se uma única bomba for acionada, as demais também explodiriam.

O risco é tão real que, em 2012, durante as Olimpíadas de Londres, uma equipe de agentes especiais da polícia inglesa ficou de plantão no entorno do naufrágio do SS Richard Montgomery, porque havia o temor que ele pudesse ser usado como matéria-prima para um ataque terrorista.

Mais recentemente, o plano de construção de um aeroporto nas imediações de Sheerness não avançou especialmente por conta da existência dos restos do cargueiro bem na direção da pista, e a necessidade de removê-los, o que ninguém quer fazer.

Para os eternamente assustados moradores da região, é melhor conviver com um navio-bomba adormecido do que correr o risco de despertá-lo.

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