Os Grandes Lagos Americanos, entre os Estados Unidos e o Canadá, não têm esse nome por acaso.

Juntos, eles concentram o maior volume de água doce represada do planeta e, nos dias de tempestades, nem de longe lembram a placidez habitual de um lago.

Ao contrário, por ficarem em uma região de clima inclemente no inverno, com ventos terríveis e temperaturas congelantes, formam um dos mais duros cenários para se navegar com um barco.

Mesmo os grandes navios.

Como era o Edmund Fitzgerald.

Quando foi lançado, em junho de 1958, o cargueiro americano era o maior (e, por consequência, considerado o mais seguro) navio que já havia singrado as cinco gigantescas porções de água, que, interligadas, dão forma aos Grandes Lagos.

Passava dos 220 metros de comprimento e tinha casco de aço com uma polegada de espessura – duas precauções necessárias frente às centenas de naufrágios que já haviam ocorrido naquelas águas.

O Edmund Fitzgerald fora construído para enfrentar as piores condições de navegação.

Podia enfrentar ventos com a intensidade de furacões e seu curioso casco, bem alto e com a casaria dividida em duas partes – a ponte de comando bem na proa e todo o restante na popa, com enormes paióis para carga ao centro – oferecia uma proteção extra contra as ondas.

Entre as pessoas que acreditavam que nada podia afetar o poderoso cargueiro estava o seu próprio comandante, o experiente capitão americano Ernest McSorley.

Com 63 anos de idade e mais de 700 travessias realizadas com o Edmund Fitzgerald, ele confiava cegamente no seu barco.

Por isso, não temia em forçá-lo.

Mesmo sob as piores condições, o navio do comandante McSorley sempre se mostrava confiável.

Não havia, portanto, nenhum motivo para preocupações antes daquela rotineira travessia entre o porto de Superior e a cidade de Detroit, com uma carga de 26 000 toneladas de minério, que seguiam dentro dos paióis centrais, tampados com placas de aço presas por travas rosqueáveis.

Nem mesmo o fato de ser início do inverno, época já sujeita a tempestades, incomodava o capitão McSorley, cuja tripulação, naquela viagem, somava 26 pessoas.

No dia da partida, 9 de novembro de 1975, o clima era até agradável para os padrões da região.

McSorley já havia checado a previsão do tempo, e, embora houvesse uma mudança meteorológica a caminho, ainda assim aquela travessia do Lago Superior, o maior de todos os lagos, prometia ser tranquila.

A previsão indicava ventos com intensidades entre 8 e 16 nós, aumentando, depois, para 23 – ainda assim, bem abaixo do que o Edmund Fitzgerald era capaz de enfrentar.

Só que os números verdadeiros seriam outros.

E bem piores do que os previstos.

No início da tarde do dia seguinte, quando o Edmund Fitzgerald já navegava longe, sendo acompanhado a certa distância pelo também cargueiro Arthur M. Anderson, os barômetros despencaram e começou a nevar forte – sinal de que uma tempestade se aproximava.

Não demorou muito e a visibilidade caiu para míseros metros, ao mesmo tempo em que os ventos se tornaram intensos, erguendo grandes ondas no gigantesco lago.

As ondas passaram a varrer a superfície do lago com incrível velocidade e formavam abismos entre suas cristas.

A bordo do Edmund Fitzgerald a tripulação se desdobrava para controlar as rotações do hélice, para que, quando a popa do navio saísse fora d´água, o giro do motor não ultrapassasse o limite máximo.

Também era preciso evitar que o casco ficasse suspenso no ar, no vão entre duas ondas, porque isso poderia comprometê-lo, já que era bem comprido.

Mesmo para um navio de grande porte, navegar sob aquelas condições não era nada agradável.

Por isso, o capitão McSorley chamou o comandante do Arthur M. Anderson pelo rádio, e propôs que ambos se abrigassem atrás de uma ilha que havia não muito distante de onde estavam, o que foi aceito de imediato.

A ilha oferecia boa proteção contra os ventos daquele quadrante.

Mas, para chegar lá, era preciso, primeiro, atravessar um famoso e perigoso estreito, onde a profundidade não passava dos doze metros – daí o seu nome: Six (Seis) Fathom, uma antiga forma de medida.

Era, no entanto, o bastante para o Edmund Fitzgerald cruzar o estreito sem maiores problemas, como já havia feito diversas vezes.

O problema é que, naquele dia, as ondas estavam tão altas que sugavam periodicamente as águas do estreito, tornando-o subitamente bem mais raso.

E foi em um destes momentos que o fundo do casco do Edmund Fitzgerald tocou as rochas pontiagudas que haviam submersas no fundo do estreito, abrindo uma fenda, por onde, imediatamente, começou a entrar água.

Muita água.

Às 15h30 daquela tempestuosa tarde, o capitão McSorley chamou novamente o comandante do Arthur M. Anderson, algumas milhas atrás, para informar o ocorrido e avisar que também havia perdido duas tampas de aço dos paióis, o que tornava a situação ainda mais crítica, porque a água estava entrando por baixo e, também, por cima do casco.

E completou dizendo que, apesar da tempestade, iria seguir em frente, agora à toda velocidade, para tentar chegar o mais rápido possível a localidade de Whitefish, nas margens do lago, a apenas a 18 milhas de distância.

Mas uma perversa combinação de infortúnios fez com que o Edmund Fitzgerald jamais chegasse lá.

Meia hora depois daquele contato, o capitão McSorley voltou a chamar o colega do outro navio, relatando, agora, outro problema: o radar do Edmund Fitzgerald havia parado de funcionar – e a má visibilidade causada pela tempestade não permitia enxergar nada à frente.

Ele, então, pediu que o Arthur M. Anderson se aproximasse, a fim de compartilhar as informações do seu radar.

Mas, para isso, precisou diminuir a marcha, já que o alcance do radar do outro navio era limitado a pouco mais de oito milhas.

Navegando mais lentamente, a inundação do Edmund Fitzgerald só fez aumentar de intensidade.

Mesmo usando todas as bombas do casco, capazes de expelir a colossal quantidade de 28 toneladas de água por minuto, o casco do Edmund Fitzgerald foi ficando cada vez mais cheio d´água.

Ainda assim, no entanto, seguiu avançando, às cegas e lentamente, sob o bombardeio das ondas, enquanto rezava pela aproximação do outro navio, porque sem o compartilhamento do radar, McSorley não conseguiria achar o porto de Whitefish.

A agonia durou até o cair da noite.

E, junto com ela, veio o pior de tudo.

Às 19h15, logo após voltar a se comunicar com o cargueiro avariado, naquela que viria a se tornar a última mensagem enviada pelo Edmund Fitzgerald (na qual o comandante McSorley disse apenas que “estavam se segurando como podiam”), o capitão do Arthur M. Anderson sentiu o seu navio se erguer subitamente no ar, como se algo gigantesco tivesse passado por baixo dele.

Em seguida, sentiu isso de novo.

Eram duas ondas monstruosas que haviam passado pelo seu navio, bem maiores do que as habituais.

As duas montanhas d´água, fora dos padrões mesmo para uma região famosa pela intensidade de suas tormentas, nada causaram ao Arthur M. Anderson, além de um apavorante frio na espinha dos seus ocupantes.

Mas deixaram um rastro de iminente tragédia, porque avançaram justamente na direção onde o Edmund Fitzgerald tentava, a duras penas, se manter flutuando.

O resultado, ao que tudo indica, não poderia ter sido mais trágico: em questão de minutos, o Edmund Fitzgerald sumiu da tela do radar do Arthur M. Anderson, muito possivelmente após ser engolido inteiro pelas águas em convulsão do lago.

Era o fim do maior navio dos Grandes Lagos e início de um enigma que jamais teve uma resposta: o que fez o Edmund Fitzgerald afundar subitamente, decretando a morte de seus 26 tripulantes?

O motivo mais provável é que tenham sido aquelas duas ondas gigantescas, em sequência – a primeira teria erguido a popa do navio a níveis absurdos, e a segunda acelerado a descida do cargueiro de encontro a primeira, mergulhando o navio no lago feito um míssel.

O impacto com a onda também teria partido o comprido casco ao meio, fazendo com que o cargueiro descesse para o fundo dividido em duas partes – e a da popa, onde estava a maior parte da tripulação, virada ao contrário, o que pode ter feito com que alguns tripulantes tenham tido uma morte lenta e sufocante.

Nenhum pedido de socorro foi enviado.

Certamente, porque não deu tempo.

A busca inicial por sobreviventes foi realizada pelo próprio Arthur M. Anderson. Mas não trouxe resultados.

Logo, a despeito do mau tempo, chegaram outros navios, convocados pelo comandante do cargueiro.

E, também, nada foi encontrado.

Só quatro dias mais tarde, um avião da Marinha dos Estados Unidos, equipado com um aparelho detector de anomalias magnéticas submersas, encontrou as duas partes do Edmund Fitzgerald, separadas por mais de 70 metros de distância, a 160 metros de profundidade.

Quando isso aconteceu, as teorias sobre o naufrágio mais famoso da história dos Grandes Lagos já haviam se multiplicado e permitido todo tipo de especulação.

Uma delas pregava que o navio, de tão grande e comprido, havia sofrido um rompimento estrutural causado pelo fato de a junção das placas de aço do seu casco terem sido feitas com solda, e não rebites, o que o teria tornado excessivamente rígido.

Outra tese defendia que algumas tampas dos compartimentos de carga haviam se soltado, permitindo a inundação dos compartimentos de carga, como já havia acontecido com dois deles no início da travessia, pela má fixação das travas, que não teriam sido rosqueadas até o fim – como o comandante do Edmund Fitzgerald contara ao seu colega do Arthur M. Anderson pelo rádio.

E até o sabido hábito do capitão McSorley de forçar o seu navio ao máximo, por confiar na resistência dele, foi usado para acusá-lo, postumamente, de negligência irresponsável.

No entanto, a tese mais aceita sempre foi a das duas ondas em sequência, como relatado pelo comandante do Arthur M. Anderson, que jamais se perdoou por não ter chegado a tempo ao local onde o Edmund Fitzgerald o aguardava, navegando em ritmo lento – o que, certamente, também contribuiu para a tragédia, porque impediu o navio de chegar a margem antes de ser atingido pelas ondas.

Oficialmente, porém, a causa do naufrágio jamais foi decretada, já que a única parte resgatada do navio foi o seu sino, hoje principal peça do Museu dos Naufrágios dos Grandes Lagos, em Whitefish, no estado de Michigan – mesmo local onde o Edmund Fitzgerald tentou desesperadamente chegar naquela noite de 1975.

E onde, desde então, todo dia 10 de novembro, um farol emite melancólicos fachos de luzes em direção ao horizonte, em homenagem às vítimas da mais famosa tragédia daquele conjunto de lagos, que, de plácidos, não têm nada.

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