Cerca de 300 quilômetros mar adentro da costa da Nova Escócia, no litoral leste do Canadá, existe uma ilha traiçoeira que atormenta os navegadores desde que ela foi descoberta, ainda no tempo das caravelas.
Seu nome já diz muito sobre o lugar: Sable Island, ou “Ilha de Areia”, numa mistura entre francês e inglês, como é frequente entre os canadenses.
Mas é o seu apelido que melhor define aquela ilha: “Cemitério do Atlântico Norte” – porque, ao longo dos tempos, mais de 350 embarcações, apenas entre as conhecidas, acabaram os seus dias naquele infame obstáculo no meio do mar.
O que torna Sable Island tão macabramente famosa é uma perversa combinação de fatores climáticos e geográficos.
A ilha – uma comprida e fina faixa de areia, com cerca de 44 quilômetros de extensão, praticamente rente ao mar e quase imperceptível à média distância – fica na confluência de três poderosas correntes marítimas – o que, de certa forma, ajuda a explicar a sua própria existência, pelo acúmulo de areia trazido pelas correntezas.
Além disso, ela fica bem na rota das tempestades que costumam assolar a costa atlântica da América do Norte, e constantemente envolvida por densos nevoeiros, fruto do encontro dos ventos mais quentes trazidos pela Corrente do Golfo com o ar gelado que vem da Corrente de Labrador, no sentido oposto – uma combinação bombástica, sobretudo pela habitual visibilidade precária na região.
Os nevoeiros em Sable Island são tão frequentes quanto poderosos.
Eles costumam aniquilar a visibilidade – que não raro é reduzida para míseros metros diante da proa dos barcos -, encobrem totalmente a ilha, e ocorrem, em média, cerca de 125 dias por ano – quase um terço do calendário anual.
Quando surgem, quase sempre levam dias – ou semanas – para dissipar.
Da perversa combinação de mau tempo frequente com um quase invisível banco de areia no meio do oceano – e com ramificações submersas, a baixa profundidade -, veio a macabra fama de Sable Island.
Para piorar ainda mais o cenário, a ilha está localizada próxima às principais e mais movimentadas rotas de navegação de embarcações que fazem a travessia do Atlântico, entre a Europa e a América do Norte, e, justamente pela confluência das correntes marítimas, em uma das áreas mais piscosas do mundo, o que lhe rende uma intensa e permanente movimentação de barcos pesqueiros, sobretudo europeus, em busca dos fartos cardumes que habitam a região.
E, quanto mais barcos, maiores as possibilidades de acidentes e naufrágios – felizmente, algo cada vez mais raro em Sable Island, graças à tecnologia.
O último deles foi o Merrimac, um moderno veleiro de 40 pés, que acabou destruído na grande praia que rodeia da ilha pelas ondas, durante a madrugada de 27 julho de 1999.
Mas, no passado, quando a navegação era feita por meio de equipamentos primitivos, como os sextantes, que exigiam tempo bom e dias claros para serem operados com alguma precisão, a rotina em Sable Island era o oposto disso.
Ao longo de toda a ilha, os encalhes e naufrágios se sucediam de tal forma que ela acabou ganhando outro tipo de desgraça: os saqueadores de náufragos – oportunistas inescrupulosos, que, em vez de socorrer às vítimas dos naufrágios, priorizavam o saque da carga que os navios acidentados transportavam, e, por vezes, até as atacavam, a fim de também roubar o que tivessem de valioso no corpo.
A História registra rumores de que, aproveitando-se da precariedade da visibilidade na região, os saqueadores chegavam a atrair deliberadamente os navios para os bancos de areia submersos, com tochas de fogo simulando faróis – benefício que a ilha só passou a ter no final do século 19, quando os acidentes já haviam produzido milhares de vítimas.
Há, também, registros de abusos cometidos pelos próprios funcionários do governo canadense ali alocados, em estações de salvamento, encarregados de prestar ajuda aos náufragos.
Em alguns casos, foi comprovado que eles exigiam algum tipo de pagamento das vítimas pelo fornecimento de comida e abrigo, até que o socorro chegasse ou fossem levados embora por outros barcos que passassem.
No final do século 18, os donos da escuna cargueira Growler foram obrigados a comprar, dos funcionários da ilha, parte da carga que o próprio barco transportava, já que eles alegavam que a haviam resgatado dos restos do naufrágio – portanto, no seu entendimento, haviam se tornado donos das mercadorias.
Mas o pior foi o que aconteceu em 1800, com as vítimas do naufrágio da escuna Francis.
Os corpos das vítimas que foram dar na praia foram saqueados, para a retirada de joias e anéis, e alguns sobreviventes assassinados, pelo mesmo motivo.
Depois disso, o governo canadense decidiu implantar Abrigos de Refúgio – com víveres para os náufragos – e Postos de Salvamento, alguns deles equipados com uma novidade para a época: as armas Lyle, uma espécie de lançador de cabos, cuja função era conectar os navios encalhados nos bancos de areia com a ilha, por meio de uma espécie de tirolesa, pela qual os sobreviventes deslizavam até a praia.
Mas nem isso impediu a pior de todas as barbáries na dramática história de Sable Island: a colisão (causada pelo denso nevoeiro) do vapor francês La Bourgogne com a escuna inglesa Cromartyshire, em 4 de julho de 1898.
Na tentativa de evitar o naufrágio, o capitão do La Bourgogne tentou encalhar o navio na praia, mas o máximo que conseguiu foi desencadear uma selvagem operação de abandono da embarcação, com passageiros e tripulantes espancando-se mutuamente, na disputa por um lugar nos botes salva-vidas.
No final do caos instalado, mais de 500 pessoas estavam mortas.
E, entre os sobreviventes, apenas uma mulher – todas as demais, bem como as crianças que viajavam no vapor, que seguia de Nova York com destino à França, foram impedidas pelos homens de embarcarem nos botes.
Muitos deles, tripulantes do próprio navio, que trataram apenas de salvar a própria pele.
Com os avanços nos instrumentos de navegação e a implantação de faróis automáticos em toda a ilha, os naufrágios em Sable Island – hoje, uma Reserva Natural protegida por lei no Canadá, já que abriga uma das maiores colônias de focas cinzentas do Atlântico -, praticamente estancaram.
Mas o principal símbolo da ilha – manadas de cavalos selvagens, que sobrevivem graças a uma espécie de gramínea que brota em certas partes da ilha – permanece o mesmo do passado.
Porque os seus antecedentes também chegaram ali por conta dos naufrágios em massa de Sable Island, no passado.
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