Os Grandes Lagos são como uma espécie de mar interior, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá.
São enormes e frequentemente açoitados por ventos fortes, que erguem vagas inimagináveis para um lago.
Pois foi nesse ambiente muitas vezes hostil que, em junho de 1864, afundou o Alvin Clark, então a maior escuna cargueira da região, depois de tombar durante uma tempestade, bem próximo da margem, na divisa entre os estados americanos de Michigan e Wisconsin.
Dos seus cinco tripulantes (bem menos que o habitual, já que o barco estava retornando de uma viagem e sem carga), três desapareceram nas águas doces e frias dos Grandes Lagos.
Entre eles, o seu comandante.
Foram, no entanto, estas duas características (o frio e a ausência de sal na água) que mantiveram o Alvin Clark perfeitamente conservado no fundo do lago por mais de um século.
Até que, em novembro de 1967, 103 anos após o seu naufrágio, um pescador teve sua rede enganchada em algo no fundo do lago e chamou o mergulhador Frank Hoffmann para soltá-la.
Hoffmann mergulhou e o que descobriu, 30 metros abaixo da superfície, foi uma preciosidade: o enorme casco de madeira da Alvin Clark ainda em perfeito estado, mesmo após tantos anos debaixo d ´água.
Até os dois mastros ainda estavam em pé, como se o barco estivesse na superfície.
Mais tarde, era exatamente isso o que aquele histórico barco voltaria a fazer.
Entusiasmado com o achado, Hoffmann decidiu resgatar a Alvin Clark do fundo do lago.
Nos anos seguintes, fez mais de 3 000 mergulhos no local, e, com a ajuda de amigos, removeu toneladas de lama que prendiam o casco, além de cavar valas por baixo dele, a fim de passar correntes que permitiriam trazer o barco de volta à superfície.
E assim foi feito.
Com pleno sucesso.
Em 1969, o Alvin Clark saiu inteiro do fundo do lago, mais de um século depois de ter afundado.
Um feito e tanto.
O objetivo de Hoffmann era claro: ganhar dinheiro exibindo o barco, nas margens do lago, como uma espécie de museu vivo.
Mas o sonho de fazer fortuna com isso durou pouco.
Passada a novidade, logo os visitantes começaram a minguar, o movimento tornou-se bem menor que o esperado e os parcos recursos auferidos com a venda de ingressos não foram suficientes para garantir a preservação do barco, inadequadamente mantido a céu aberto, sem maiores cuidados.
Em contato direto com o ar, os ventos e as chuvas, o Alvin Clark começou a definhar e apodrecer rapidamente, o que qualquer estagiário em arqueologia sabia que iria acontecer.
Menos Hoffmann.
Desolado, ele passou a beber.
Certo dia, bêbado e com raiva, chegou a tentar colocar fogo no barco, mas foi contido a tempo.
Depois, endividado, vendeu a área onde ficava o Alvin Clark para um empreendedor imobiliário, que, no entanto, só queria saber do terreno na beira do lago.
Para o comprador, aqueles restos de um velho barco na margem não passavam de um estorvo na paisagem e precisavam ser retirados.
E foi o que ele mandou fazer.
O que restava do pobre barco foi destruído por guindastes, a fim de liberar a área.
25 anos depois de voltar à vida, o Alvin Clark morreu de vez, vítima da então falta de legislação para a preservação de naufrágios, o que só passou a existir nos Estados Unidos após aquele episódio e a morte do próprio Hoffmann.
Foi um triste aprendizado.
Se tivesse permanecido submerso ou enviado a um museu especializado, o Alvin Clark hoje seria uma das maiores atrações da arqueologia submarina americana.
Mas acabou aos pedaços, soterrado por uma insólita terraplenagem.
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