No segundo dia de abril de 1982, a Argentina invadiu as Ilhas Falkland (“Malvinas”, para os argentinos, que sempre consideraram aquelas ilhas como sendo suas) e ficou aguardando a óbvia reação da Inglaterra – que não tardou a vir.

Uma semana depois, quando os ingleses já haviam despachado uma avassaladora frota de navios e aviões de combate para o extremo sul do Atlântico, a Junta Militar que governava a Argentina tratou de achar uma maneira de forçar a Inglaterra a retroagir.

Ou, no mínimo, ter outras preocupações, como forma a diminuir a intensidade dos ataques, então prestes a acontecerem.

Foi quando o almirante Jorge Anaya (foto), comandante da Armada Argentina e membro da Junta Militar que dirigia no país – e que havia ordenado a invasão das Malvinas –, bolou um plano tão mirabolante quanto audacioso: atacar de maneira secreta os ingleses, mas não nos arredores das ilhas, como esperado, e sim onde eles menos contavam: a própria Europa, de onde aquela frota havia partido e ninguém imaginava que pudesse haver um ataque.

Seria uma ação de sabotagem totalmente inesperada – como o ladrão que em vez de atacar a vítima na porta do banco, invade a casa dele e fica esperando o seu retorno.

Um lance genial, caso tivesse dado certo.

E chegou bem perto disso.

Não fosse uma sequência de trapalhadas dos argentinos.

O plano era enviar mergulhadores para explodir navios ingleses no seu próprio território, obrigado assim a Inglaterra a desviar sua atenção também para outros focos da guerra – e, talvez, até trazer de volta alguns combatentes, facilitando assim as coisas para as tropas argentinas nas ilhas.

Os mergulhadores avançariam submersos até os navios e grudariam minas magnéticas nos seus cascos, para que eles explodissem no próprio porto.

Mas, para evitar reações negativas mundiais, a ação não visaria navios comerciais ingleses nem transatlânticos de cruzeiro, bem mais fáceis de atacar, para não gerar vítimas inocentes.

O foco seriam apenas os navios de guerra da Marinha Inglesa que ficavam estacionados na Base Naval de Gibraltar, um polêmico enclave inglês no Sul da Espanha, o que favorecia, inclusive, o idioma, despertando assim menos suspeitas entre os moradores locais.

Os mergulhadores argentinos se fariam passar por turistas interessados em pescar, enquanto aguardassem, na cidade vizinha de Algeciras (que acabou virando codinome da própria operação), a ordem de atacar.

Para conduzir a missão, Anaya escolheu um oficial da Inteligência da Armada Argentina e três ex-terroristas do grupo Montoneros, que, no passado, haviam combatido contra os próprios militares argentinos.

E um deles, Maximo Nicoletti, que, nos tempos de terrorista, já havia implantado uma mina do mesmo tipo em um navio da própria Armada – portanto, com experiência no assunto, embora aquela explosão não tivesse dado totalmente certo -, comandaria a operação.

Disfarçados de turistas, os quatro argentinos embarcaram para a Europa tão logo os navios de combate ingleses zarparam rumo às ilhas invadidas.

Mas os problemas começaram logo no desembarque.

Para não levantar suspeitas, o grupo viajou para a França, e não diretamente para a Espanha, com passaportes falsos, feitos pelo governo argentino.

Lá, alugariam um carro e seguiram por terra até Algeciras, após uma parada na capital espanhola para retirar duas minas magnéticas submarinas que haviam sido enviadas à Madri, através da mala diplomática (portanto, sem vistorias) da Embaixada Argentina.

Mas a falsificação dos passaportes havia sido tão grosseira que o primeiro agente da alfândega francesa a examiná-los, ainda no aeroporto, estranhou a autenticidade dos documentos.

Mesmo assim, permitiu que eles entrassem no país.

Mas comunicou a suspeita aos seus superiores, que, por sua vez, avisaram o governo francês, que passou a monitorar os argentinos à distância.

No caminho para Algeciras, a fim de disfarçar o real propósito da viagem, os quatro argentinos dublês de agentes secretos compraram apetrechos de pesca e um bote de borracha, que, este sim, seria efetivamente usado na operação, quando ela fosse autorizada.

Mas a ordem para o ataque demorou muito a chegar, porque a junta militar argentina decidira esperar a chegada a base de uma nave de guerra inglesa realmente “representativa”, para dar mais relevância a ação.

Com isso, os quatro argentinos tiveram que ficar dias e mais dias na pequena Algecira, fingindo estar pescando, enquanto observavam, à distância, a base inglesa e traçavam planos para o ataque.

Também passaram a frequentar com assiduidade o comércio da cidade, onde, para não deixar pistas, pagavam tudo em dinheiro, em vez de cheques de viagens, como usualmente costumava ser feito por turistas de verdade.

Também por conta dos seguidos adiamentos na missão, eram obrigados a renovar periodicamente a permanência no hotel e o aluguel do carro, sempre com dinheiro vivo, e isso começou a deixar intrigado o chefe da Polícia local, que também passou a monitorá-los, achando que se tratavam de traficantes de drogas.

Até que, no dia 2 de maio, mesma data da chegada da fragata inglesa HMS Ariadne a base de Gilbratar, os ingleses afundaram o cruzador argentino General Belgrano, gerando a maior catástrofe argentina na guerra das Malvinas. Furioso, Anaya finalmente ordenou o ataque, que foi marcado para a noite seguinte.

Os quatro argentinos se prepararam, revisaram todo o plano – que previa a travessia da baía com o bote inflável até perto da base, onde Nicoletti e mais outro mergulhador nadariam, submersos, com as duas minas, até a fragata, retornando ao bote em seguida – e foram dormir, ansiosos pelo início da operação.

Que não chegou a acontecer.

Na manhã seguinte, o grupo acordou com a Polícia batendo na porta do hotel, e bastou uma simples busca nos quartos dos argentinos para encontrar os dois explosivos e os passaportes grosseiramente falsificados.

Conduzidos a delegacia local, os quatro então pediram para conversar em particular com o chefe da Polícia e contaram que estavam em uma missão secreta do governo argentino contra os ingleses, revelando o plano de explodir o HMS Ariadne – ao que o policial deu uma gargalhada e respondeu que, “se soubesse que era isso, não os teria prendido, porque a Inglaterra havia roubado Gilbratar da Espanha”.

Mas a missão já estava irremediavelmente fracassada.

Em Madri, ao saber da prisão dos quatro argentinos, o Primeiro Ministro espanhol Leopoldo Sotelo, que não queria tomar partido na questão da Guerra das Malvinas, determinou silêncio geral sobre o caso, e mandou um avião levar o grupo de mergulhadores para as Ilhas Canárias, de onde eles embarcaram, ainda com os mesmos passaportes falsos, de volta a Buenos Aires, sem nenhuma consequência legal sobre o ato que pretendiam executar.

Ao chegarem à Argentina, o grupo se dispersou e nunca mais voltou a atuar para a Junta Militar, que cairia em seguida, com o fim da desastrosa guerra contra a Inglaterra.

Anos depois, ao retornar a sua rotineira vida fora da lei, Maximo Nicoletti foi preso, por assalto a um carro forte, e contou tudo sobre a frustrada operação espanhola – que ninguém nunca soube ao certo, por que, afinal, não certo.

Nunca se soube o que levou aquele chefe de Polícia a prender os quatro argentinos, horas antes que eles explodissem a fragata HMS Ariadne.

Uma das teorias é que, ao saber dos passaportes falsificados, o governo francês tenha alertado os demais países europeus sobre a presença daquele grupo de pescadores de araque.

Outra, bem mais plausível, é que a Inteligência Britânica soubesse sobre a missão desde o princípio, porque monitorava as ligações telefônicas entre a Argentina e suas embaixadas, como a de Madri, para onde foram enviadas as duas minas magnéticas.

Em seguida, teria esperado pela chegada dos quatro “agentes” e acompanhado secretamente todos os passos do grupo em Algecira, até que eles recebessem a ordem para agir – o que, nesse caso, jamais aconteceria, como de fato não aconteceu.

O engenhoso plano da Argentina para virar o jogo da Guerra das Malvinas com um lance surpreendente acabou virando um rocambolesco fiasco.

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