Em dezembro de 2018, o nadador francês naturalizado americano Ben Lecomte, então com 51 anos, e que já tinha no currículo outras façanhas incríveis, como a travessia do Atlântico também a nado, em 1998, precisou desistir da inédita travessia que vinha fazendo do Oceano Pacífico a nado por um problema que não teve nada a ver com sua capacidade para encarar aquele desafio monumental: seu barco de apoio quebrou e a travessia teve que ser abortada quando ele já havia cumprido dois terços do caminho e se aproximava do Havaí.

Na ocasião, apesar da decepção, o supernadador não saiu da água totalmente frustrado, porque um novo projeto brotara em sua mente, justamente enquanto ele nadava: voltar a nadar no Pacífico, mas numa área específica, a da maior concentração de lixo plástico do mundo, que fica entre o Havaí e a Califórnia, em uma extensão de mais de 500 quilômetros.

“Enquanto eu nadava, vi tanto lixo e plástico no mar que conclui que a melhor maneira de ajudar a chamar a atenção das pessoas para a gravidade dos problemas seria nadar no maior lixão dos mares do planeta”, disse o nadador, na ocasião.

E foi isso o que ele fez.

Em 14 de junho do ano seguinte, 2019, Lecomte partiu do mesmo ponto onde terminou precipitadamente sua épica jornada anterior, para atravessar, a nado, a área que é tida como a de maior concentração de lixo e resíduos plásticos dos oceanos.

O objetivo era sentir o problema, literalmente, na pele.

“Na travessia do Pacífico, eu cansei de esbarrar em peças plásticas na superfície e ver grandes emaranhados de redes de pesca abandonados no meio do mar e foi isso que quis tentar mensurar na prática”, disse Lecomte antes de começar sua bisonha travessia, que foi acompanhada de perto por um barco de apoio, com dez voluntários e pesquisadores a bordo, onde ele descansava após os turnos de horas e mais horas seguidas no mar, nadando.

“Nossa missão não era recolher o lixo, porque para isso seriam necessários navios, mas sim ter uma ideia prática do problema, através de medições da quantidade de micropartículas de plásticos a cada captura que fazemos com uma espécie de rede que levamos no barco”, explicou o nadador.

Entre outros itens absurdos, Lecomte encontrou escovas de dente e tampas de privada no meio do oceano, incontáveis tampinhas de garrafas, um cesto de lavanderia coberto de cracas (sinal de que estava no mar há anos), diversas boias marítimas desgarradas e uma inacreditável quantidade de redes de pesca abandonadas no mar, as chamadas “redes fantasmas”, que mesmo fora de uso continuam capturando e matando peixes e demais seres marinhos que nelas se enroscam.

A equipe também capturou um peixe da espécie dourado, que, ao ser aberto, revelou inúmeros pedacinhos de plástico no estômago – este o maior problema da questão do lixo plástico nos mares, porque os microplásticos são engolidos pelos peixes e tartarugas, que os confundem com comida.

“As peças maiores, como sacolas plásticas e garrafas pets, costumam chocar mais as pessoas, mas são as minúsculas partículas do plástico que já se decompôs na água que representam o verdadeiro risco para a fauna marinha”, explicou na ocasião o supernadador.

Logo no primeiro dia, quando Lecomte ainda nadava em águas havaianas, ele encontrou uma grande rede de pesca abandonada no mar, e a captura de amostra da água revelou 95 partículas de microplásticos em apenas meia hora de coleta – número que, depois, subiria para mais de 500 partículas, na parte mais crítica do chamado “Lixão do Pacífico”.

Segundo pesquisadores, a cada ano, oito milhões de toneladas de lixo plástico vão parar no Oceano Pacífico, levados, sobretudo, pelos rios que nele deságuam.

Mas o que é visto boiando na superfície representa apenas 1% disso.

“99% dos resíduos plásticos que poluem os mares estão submersos ou transformados em micropartículas. O que vemos na superfície é só a pontinha do iceberg”, diz o cientista ambiental Markus Eriksen.

Mesmo assim, o pesquisador é otimista.

“Ainda dá tempo de fazer algo e reverter este quadro. Mas é preciso agir rápido e convencer as pessoas de todo o planeta de que sempre que elas descartam lixo fora dos locais apropriados, ele vai parar no mar, levado pelas enchentes, pelas tubulações e pelos rios. Este hábito precisa mudar”.

Os mais pessimistas, no entanto, veem a questão com outros olhos, bem mais alarmantes.

Segundo eles, em 2050 (portanto, daqui há apenas 29 anos), haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos, o que não deixa de ser um exagero.

Mas foi quase isso que o nadador francês encontrou em certos pontos da sua travessia, onde a concentração de lixo era maior que a de cardumes.

“Em certas partes, o mar parecia uma sopa de resíduos plásticos, que não dissolvem tão rápido quanto o restante do lixo. Não passei mais de meia hora na água sem esbarrar em porcarias. E isso a mais de 1 000 quilômetros da costa”, contou o nadador.

A razão pela qual essa monumental quantidade de plástico se concentra naquele ponto específico do Pacífico tem a ver com as correntes marítimas.

Ali, diversas correntes se encontram e ficam dando voltas sem parar, no chamado Giro do Pacífico, uma espécie de corrente marítima circular.

Por conta dessa característica, aquela parte do Pacífico virou uma espécie de gigantesco redemoinho, concentrando a maior parte da sujeira do oceano, sobretudo o plástico, que leva décadas para começar a se degradar na água.

Uma garrafa de plástico lançada ao mar na costa da Califórnia irá chegar ao litoral do Japão, do outro lado do Pacífico, num prazo estimado entre três e cinco anos. E após outro período igual a esse, retornará ao mesmo ponto, dando início a um novo giro.

E assim indefinidamente.

Por ficar eternamente girando no oceano, o ciclo do lixo no Pacífico não termina nunca. E o plástico, que compõe a grande maioria dele, praticamente também não. “O plástico foi feito para desafiar a natureza”, lamenta um ambientalista da equipe de Lecomte.

Esta perversa característica das correntes marítimas da região foi descoberta, por acaso, em 1990, quando um navio deixou cair um container com 65 000 pares de tênis no meio do Pacífico.

Embora o container tenha espalhado sua carga no mar, nenhum tênis jamais chegou à costa, por conta das correntes circulares. E estão lá até hoje.

Segundo a oceanógrafa Sarak Royer, da Universidade do Havaí, plásticos que foram parar no mar quando do início da popularização deste material, na década de 1950, ainda seguem boiando no Pacífico ou (o que é ainda pior) transformados em micropartículas, com efeito letal para alguns seres marinhos.

“É como se o ar que respiramos estivesse impregnado de partículas toxicas”, comparou Lecomte, ao terminar a sua inédita e bizarra jornada, meses depois, na Califórnia.

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